História da Igreja Cristã

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História da Igreja Cristã


O topo culminante que assinala o ponto de partida da igreja de Cristo é o Monte das Oliveiras, não muito distante do muro oriental de Jerusalém. Ali, cerca do ano 30 a.D. Jesus Cristo, que havia ressurgido dentre os mortos, ministrou seus últimos ensinamentos aos discípulos e logo depois ascendeu ao céu, ao trono celestial.
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Jesse Lyman Hurlbut
Digitalização: Luis Carlos
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Semeadores da Palavra
e-books evangélicos
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ISBN 85-7367-167-X
Categoria: História
Este livro foi publicado em inglês com o título The Story of the Christian Church
© 1967 por Zondervan Publishing House
© 1979 por Editora Vida
Ia impressão, 1979           8a impressão, 1995
2a impressão, 1986           9a impressão, 1996
3a impressão, 1987         10a impressão, 1998
4a impressão, 1989         11a impressão, 1999
5a impressão, 1990         12a impressão, 2000
6a impressão, 1992         13a impressão, 2001
7a impressão, 1994         14a impressão, 2002
Todos os direitos reservados na língua portuguesa por Editora Vida, rua Júlio de Castilhos, 280 03059-000 São Paulo, SP —Telefax: (11) 6096-6814
Capa: Hector Lozano
Impresso no Brasil, na Editora Betânia

PREÂMBULO
Este volume de História da Igreja Cristã é vívida e ardentemente de caráter evangélico. Condensada em certo número de páginas, a História da Igreja Cristã é o luminoso relato da instituição mais poderosa que tão abundantemente serviu de bênção para a humanidade. Este é um livro para ser lido com agrado pelo leitor, e, ao mesmo tempo, um livro-texto para os estudiosos. Por essa razão deverá ter grande aceitação entre os professores de Escolas Dominicais, e entre as Sociedades de Jovens. Centenas e centenas de estudantes encontrarão neste volume a matéria ideal para o estudo da Bíblia. Oferecerá aos pastores matéria ideal para grande número de temas para reuniões de estudos na igreja durante os dias da semana, e proporcionará inspiração para todas as reuniões da mocidade.
Reconhecemos a necessidade quase imperativa de um livro como este, na hora presente.
De modo superficial, homens e mulheres de sentimentos religiosos procuram obter um conhecimento mais completo relacionado com a sua fé e com os primeiros acontecimentos da vida da comunidade cristã, os quais, apesar de desconhecidos e esquecidos, ainda assim afetam de modo vital nossas atuais relações religiosas e sociais.
Nas páginas deste livro responde-se sabiamente e de maneira prática a todas as perguntas que se possam fazer concernentes à Igreja em geral e às partes que a formam. Com as perguntas surge também uma corrente emocional de página por página, o que torna a leitura agradável.
Daniel A. Poling
PREFÁCIO
Quando se trata de escrever um livro destinado a apresentar em um número limitado de páginas a histó­ria de uma instituição que existiu durante vinte séculos; que se ramificou por todos os continentes da terra; que contou em seu seio com grandes dirigentes e cujo poder exerceu influência em milhões de pessoas, então, o pri­meiro requisito é alcançar uma perspectiva correta, isto é, a capacidade de reconhecer quais foram os aconteci­mentos e os dirigentes de principal importância, a fim de que eles se destaquem na narrativa, tal qual monta­nhas nas planícies, e bem assim para omitir tanto o que se refere a fatos como a homens de importância secundária, sem considerar-se a aparente influência que eles exerceram na época. As controvérsias acerca de doutrinas de difícil interpretação que tumultuaram sucessivamente a igreja, provocando profundos cismas, parecem ser, em sua maioria, atualmente, de pouca importância.
Neste manual são de interesse básico o espírito que animava a igreja, suas tendências, as causas que conduziram a acontecimentos de importância histórica, e, finalmente, a projeção e transcendência desses acontecimentos.
Dois grupos diferentes foram levados em conta na preparação deste volume, tendo-se em vista adaptá-lo aos desejos de ambos. Como livro de texto para estudantes, quer se lhes ensine individualmente, quer em classes, esta obra foi planejada cuidadosamente, de modo que as divisões e subdivisões se apresentem com detalhes no início de cada período geral.
Procuramos fazer uma narração uniforme, não interrompida pelo título dos temas, a fim de ser lida como se fora uma história. O leitor pode seguir as divisões se o desejar, porém não é obrigado a fazê-lo. Dessa forma tratamos de apresentar esta obra em estilo ameno e interessante, um livro que seja exato em suas declarações e que nele se destaquem os acontecimentos de maior evidência e os dirigentes mais ilustres.
Jesse Lyman Hulburt
ÍNDICE
 
CAPÍTULO 1
Os Seis Períodos Gerais da História da Igreja.
CAPÍTULO 2
A Igreja Apostólica, 30-100 a.D.
Primeira Parte. Igreja do Período Pentecostal.
CAPÍTULO 3
A Igreja Apostólica, 30-100 a.D.
Segunda Parte. A Expansão da Igreja.
CAPÍTULO 4
A Igreja Apostólica, 30-100 a.D.
Terceira Parte. A Igreja Entre os Gentios.
CAPÍTULO 5
A Igreja Apostólica, 30-100 a.D.
Quarta Parte. A Era Sombria.
CAPÍTULO 6
A Igreja Perseguida, 100-313 a.D.
Primeira Parte. As Perseguições Imperiais.
CAPÍTULO 7
A Igreja Perseguida, 100-313 a.D.
Segunda Parte. A Formação do Cânon do Novo Tes­tamento.
Desenvolvimento da Organização Eclesiástica.
Desenvolvimento da Doutrina.
CAPÍTULO 8
A Igreja Perseguida, 100-313 a.D.
Terceira Parte. O Aparecimento de Seitas e Here­sias.
A Condição da Igreja.
CAPÍTULO 9
A Igreja Imperial, 313-476 a.D.
Primeira Parte. Vitória do Cristianismo.
CAPÍTULO 10
A Igreja Imperial, 313-476 a.D.
Segunda Parte. Fundação de Constantinopla.
Divisão do Império.
Supressão do Paganismo.
Controvérsias e Concílios.
Nascimento do Monacato.
CAPÍTULO 11
A Igreja Imperial, 313-476 a.D.
Terceira Parte. Desenvolvimento do Poder na Igreja
Romana.
A Queda do Império Romano Ocidental.
Dirigentes do Período.
CAPÍTULO 12
A Igreja Medieval, 476-1453 a.D.
Primeira Parte. Progresso do Poder Papal.
CAPÍTULO 13
A Igreja Medieval, 476-1453 a.D.
Segunda Parte. Crescimento do Poder Maometano.
CAPÍTULO 14
A Igreja Medieval, 476-1453 a.D.
Terceira Parte. O Sacro Império Romano.
A Separação das Igrejas Latina e Grega.
CAPÍTULO 15
A Igreja Medieval, 476-1453 a.D.
Quarta Parte. As Cruzadas.
CAPÍTULO 16
A Igreja Medieval, 476-1453 a.D.
Quinta Parte. Desenvolvimento da Vida Monástica.
Arte e Literatura Medievais.
CAPÍTULO 17
A Igreja Medieval, 476-1453 a.D.
Sexta Parte. Início da Reforma Religiosa.
A Queda de Constantinopla.
Eruditos e Dirigentes.
CAPÍTULO 18
A Igreja Reformada, 1453-1648 a.D.
Primeira Parte. Influências Anteriores.
A Reforma na Alemanha.
CAPÍTULO 19
A Igreja Reformada, 1453-1648 a.D.
Segunda Parte. A Reforma em Outros Países.
Princípios da Reforma.
CAPÍTULO 20
A Igreja Reformada, 1453-1648 a.D.
Terceira Parte. A Contra-Reforma.
Dirigentes do Período.
CAPÍTULO 21
A Igreja Moderna, 1648-1970 a.D.
Primeira Parte. O Movimento Puritano.
O Avivamento Wesleyano.
O Movimento Racionalista.
O Movimento Anglo-católico.
CAPÍTULO 22
Segunda Parte. O Movimento Missionário Moderno.
Dirigentes do Período.
A Igreja no Século Vinte.
CAPÍTULO 23
As Igrejas Cristãs nos Estados Unidos.
Primeira Parte.
CAPÍTULO 24
As Igrejas Cristãs nos Estados Unidos.
Segunda Parte.
CAPÍTULO 25
As Igrejas no Canadá.
CAPÍTULO 26
O Evangelho na América Latina.
CAPÍTULO 27
Origem e Desenvolvimento das Assembleias de
Deus.
CAPÍTULO 28
O Movimento Pentecostal no Brasil e em Portugal.
APÊNDICE
Perguntas para revisão.
 
ESBOÇO DOS CAPÍTULOS 1 -5
I. A IGREJA APOSTÓLICA.
Desde a Ascensão de Cristo, 30 a.D. Até à Morte de João, 100 a.D.
II. A IGREJA PERSEGUIDA: Desde a Morte de João, 100 a.D. Até ao Edito de Constantino, 313 a.D.
III. Desde o Edito de Constantino, 313 a.D. Até à Queda de Roma, 476 a.D.
IV.  A IGREJA MEDIEVAL. Desde a Queda de Roma,  476 a.D.
Até à Queda de Constantinopla, 1453 a.D.
V. A IGREJA REFORMADA.
Desde a Queda de Constantinopla, 1653 a.D. Até ao Fim da Guerra dos Trinta Anos, 1648 a.D.
VI. A IGREJA MODERNA.
Desde o Fim da Guerra dos Trinta anos, 1648 a.D. Até ao Século Vinte, 1970 a.D.
O PRIMEIRO PERÍODO GERAL
— A IGREJA APOSTÓLICA. Desde a Ascensão de Cristo, 30 a.D. Até à Morte de João, 100 a.D.
/. IGREJA PENTECOSTAL (Capítulo 2).
Desde a Ascensão de Cristo, 30 a.D. Até à Pregação de Estêvão, 35 a.D.
1.    Definição da Igreja.
2.    Seu Início: O Dia de Pentecoste, 30 a.D.
3.  Seu Revestimento: O Espírito Santo.
(a) Iluminou.
(b) Revigorou.
(c) Morou Internamente.
4.  Localização: A Cidade de Jerusalém.
5.  Seus Membros:
(a) Hebreus.
(b) Judeus, Gregos ou Helenistas.
(c) Prosélitos.
6.  Seus dirigentes: Pedro e João.
7.  Seu Governo: Os Doze Apóstolos.
8.  Suas Doutrinas.
(a) O Caráter Messiânico de Jesus.
(b) A Ressurreição de Jesus.
(c) A Volta de Jesus.
9.  Seu Testemunho Evangélico.
10.  Seus Milagres.
11.  Seu Espírito de Fraternidade. “Comunhão de Bens.”
(a) Voluntário.
(b) Pequena Comunidade.
(c) Pessoas Escolhidas.
(d) Esperavam a Volta de Cristo.
(e) Fracasso Financeiro.
(f) Produziu Males de Ordem Moral.
12.  O único Defeito da Igreja Pentecostal: Falta de Zelo Missionário.
//. A EXPANSÃO DA IGREJA (Capítulo 3). Desde a pregação de Estêvão, 35 a.D. Até ao Concílio de Jerusalém, 48 a.D.
1.  A Pregação de Estêvão.
2.  A Perseguição Realizada por Saulo.
3.  Filipe em Samaria.
4.  Pedro em Jope e Cesaréia.
(4) O Domingo da Ressurreição
(d) Seus Funcionários:
(1) Apóstolos.
(2) Anciãos ou Bispos.
(3) Diáconos.
(e) A Adoração.
(f) Estado Espiritual.
1

OS SEIS PERÍODOS GERAIS DA HISTÓRIA DA IGREJA

Antes de nos adentrarmos no estudo minucioso dos dezenove séculos em que a igreja de Cristo tem estado em atividade, situemo-nos mentalmente sobre o monte da visão, e contemplemos toda a paisagem, todo o campo que, passo a passo, teremos de percorrer.
De nosso ponto de observação, neste assombroso século vinte, lançando o olhar para o passado, veremos elevarem-se aqui e ali, sobre as planícies do tempo, quais sucessivos montes, os grandes acontecimentos da História Cristã, os quais servem como pontos divisó­rios, e cada um deles assinala o término de uma época e o início de outra. Considerando cada um desses pontos decisivos, seis ao todo, veremos que eles indicam os seis grandes períodos da História da Igreja. No primeiro capítulo faremos um exame geral desses períodos.
O topo culminante que assinala o ponto de partida da igreja de Cristo é o Monte das Oliveiras, não muito distante do muro oriental de Jerusalém. Ali, cerca do ano 30 a.D. Jesus Cristo, que havia ressurgido dentre os mortos, ministrou seus últimos ensinamentos aos discípulos e logo depois ascendeu ao céu, ao trono celestial.
Um pequeno grupo de judeus crentes no seu Senhor, elevado como Messias-Rei de Israel, esperou algum tempo em Jerusalém, sem considerar, inicialmente, a existência de uma igreja fora dos limites do Judaísmo. Contudo, alargaram gradualmente seus conceitos e ministério, até que sua visão alcançou o mundo inteiro, para ser levado aos pés de Cristo. Sob a direção de Pedro, Paulo e seus sucessores imediatos, a igreja foi estabelecida no espaço de tempo de duas gerações, em quase todos os países, desde o Eufrates até ao Tibre, desde o Mar Negro até ao Nilo. O primeiro período terminou com a morte de João, o último dos doze após­tolos, que ocorreu, conforme se crê, cerca do ano 100 (a.D). Consideremos, pois, essa época — “O Período da Era Apostólica”.
Durante o período que se seguiu à Era Apostólica, e que durou mais de duzentos anos, a igreja esteve sob a espada da perseguição. Portanto, durante todo o se­gundo século, todo o terceiro e parte do quarto, o impé­rio mais poderoso da terra exerceu todo o seu poder e influência para destruir aquilo a que chamavam “su­perstição cristã”. Durante sete gerações, um nobre exército de centenas de milhares de mártires conquis­tou a coroa sob os rigores da espada, das feras na arena e nas ardentes fogueiras. Contudo, em meio à incessante perseguição, os seguidores de Cristo aumentaram em número, até alcançar quase metade do Império Romano. Finalmente, um imperador cristão subiu ao trono e por meio de um decreto conteve a onda de mortes.
Evidentemente, os cristãos que durante tanto tempo estiveram oprimidos, de forma rápida e inesperada, por assim dizer, passaram da prisão para o trono. A igreja perseguida passou a ser a igreja imperial. A Cruz tomou o lugar da águia como símbolo da bandeira da nação e o Cristianismo converteu-se em religião do Império Romano. Uma capital cristã, Constantinopla, ergueu-se e ocupou o lugar de Roma. Contudo, Roma, ao aceitar o Cristianismo, começou a ganhar prestígio como capital da igreja. O Império Romano Ocidental foi derrotado pelas hordas de bárbaros, porém estes foram conquistados pela igreja, e fundaram na Europa nações cristãs, em lugar de nações pagãs.
Com a queda do Império Romano Ocidental, iniciou-se o período de mil anos, conhecido como Idade Média. No início, a Europa era um caos, um continente de tribos sem governo e sem leis de nenhum poder central. Mas, gradativamente, foram-se organizando em reinos. Naquela época, o bispo de Roma esforçava-se não só para dominar a igreja, mas também para dominar o mundo. A religião e o império de Maomé conquistavam todos os países do Cristianismo primitivo. Encontramos, então, o Sacro Império Romano e seus inimigos. Observamos, também, o movimento ro­mântico das Cruzadas no vão esforço para conquistar a Terra Santa que estava em poder dos muçulmanos. A Europa despertava com a promessa de uma próxima reforma, na nova era. Assim como a História Antiga termina com a queda de Roma, a História Medieval termina com a queda de Constantinopla.
Depois do século quinze, a Europa despertou; o sé­culo dezesseis trouxe a Reforma da igreja. Encontra­mos Martinho Lutero afixando suas teses na porta da catedral de Wittemberg. Para defender-se, compare­ceu ante o imperador e os nobres da Alemanha, e que­brou os grilhões das consciências dos homens. Nessa época, vemos a igreja de Roma dividida. Os povos da Europa setentrional fundaram suas próprias igrejas nacionais, de caráter mais puro. Encontramos, tam­bém, em atividade a Contra-Reforma, iniciada nos países católicos, para conter o progresso da Reforma. Finalmente, após uma guerra que durou trinta anos, fez-se um tratado de paz em Westfália, em 1648, traçando-se então linhas permanentes entre as nações católico-romanas e as nações protestantes.
Estudaremos, adiante, ainda que rapidamente, os grandes movimentos que abalaram as igrejas e o povo nos últimos três séculos, na Inglaterra, na Europa e na América do Norte. Mencionaremos os movimentos Pu­ritano, Wesleyano, Racionalista, anglo-católico e os movimentos missionários atuais que contribuíram para edificação da igreja de nossos dias e que edificaram, não obstante suas variadas formas e nomes, uma igreja em todo o mundo.
Notaremos, também, a grande mudança que gra­dualmente transformou o Cristianismo nos séculos dezenove e vinte em uma poderosa organização não só para glória de Deus, mas também para servir aos ho­mens por meio de reformas, de elevação social, enfim, de uma série de esforços ativos para melhorar as condi­ções da humanidade.
2

A IGREJA DO PERÍODO PENTECOSTAL

Desde a Ascensão de Cristo, 30 d.C.
até à Pregação de Estêvão, 35 d.C.
A igreja cristã em todas as épocas, quer na passada, presente ou futura, é formada por todos aqueles que crêem em Jesus de Nazaré, o Filho de Deus. No ato de crer está implícita a aceitação de Cristo por seu Salva­dor pessoal, para obedecer-lhe como a Cristo, o Prín­cipe do reino de Deus sobre a terra.
A igreja de Cristo iniciou sua história com um movi­mento de caráter mundial, no Dia de Pentecoste, no fim da primavera do ano 30, cinquenta dias após a ressur­reição do Senhor Jesus, e dez dias depois de sua ascen­são ao céu.
Durante o tempo em que Jesus exerceu seu ministé­rio, os discípulos criam que Jesus era o almejado Mes­sias de Israel, o Cristo. Ora, Messias e Cristo são pala­vras idênticas. Messias é palavra hebraica e Cristo é palavra grega. Ambas significam “O Ungido”, o “Prín­cipe do Reino Celestial”. Apesar de Jesus haver aceito esse título de seus seguidores mais chegados, proibiu-lhes, contudo, proclamarem essa verdade entre o povo, antes que ele ressuscitasse de entre os mortos, e nos quarenta dias que precederam sua ascensão, isto é, até quando lhes ordenou pregassem o Evangelho. Mas de­viam esperar o batismo do Espírito Santo, para então serem testemunhas em todo o mundo.
Na manhã do Dia de Pentecoste, enquanto os segui­dores de Jesus, cento e vinte ao todo, estavam reuni­dos, orando, o Espírito Santo veio sobre eles de forma maravilhosa. Tão real foi aquela manifestação, que foram vistas descer do alto, como que línguas de fogo, as quais pousaram sobre a cabeça de cada um. O efeito desse acontecimento foi tríplice: a) Iluminou as mentes dos discípulos, dando-lhes um novo conceito do reino de Deus. b) Compreenderam que esse reino não era um império político mas um reino espiritual, na pessoa de Jesus ressuscitado, que governava de modo invisível a todos aqueles que o aceitavam pela fé. c) Aquela mani­festação revigorou a todos, repartindo com eles o fervor do Espírito, e o poder de expressão que fazia de cada testemunho um motivo de convicção naqueles que os ouviam.
O Espírito Santo, desde então, ficou morando  per­manentemente na igreja, não em sua organização ou mecanismo, mas como possessão individual e pessoal do verdadeiro cristão. Desde o derramamento do Espírito Santo, naquele dia, a comunidade daqueles primeiros anos foi chamada com muita propriedade, “Igreja Pentecostal”.
A igreja teve seu início na cidade de Jerusalém.
Evidentemente, nos primeiros anos de sua história, as atividades da igreja limitaram-se àquela cidade e arre­dores. Em todo o país, especialmente na província se­tentrional da Galiléia, havia grupos de pessoas que criam em Jesus como o Rei-Messias, porém não chega­ram até nós dados ou informações de nenhuma natureza que indiquem a organização, nem o reconhecimento de tais grupos como igreja. As sedes gerais da igreja da­quela época eram o Cenáculo, no Monte de Sião, e o Pórtico de Salomão, no Templo.
Todos os membros da Igreja Pentecostal eram ju­deus. Tanto quanto podemos perceber, nenhum dos seus membros, bem como nenhum dos integrantes da companhia apostólica, a princípio, podia crer que os gentios fossem admitidos como membros da igreja. Quando muito admitiam que o mundo gentio se tornaria judeu, para depois aceitar a Cristo. Os judeus da época dividiam-se em três classes, e as três estavam repre­sentadas na igreja de Jerusalém. Os hebreus eram aqueles cujos antepassados haviam habitado a Palestina durante várias gerações; eram eles a verdadeira raça israelita. Seu idioma era chamado “língua hebraica”, a qual, no decorrer dos séculos, havia mudado de hebraico clássico do Antigo Testamento para o dialeto que se chamava aramaico ou siro-caldaico. As Escrituras eram lidas nas sinagogas em hebreu antigo, porém eram traduzidas por um intérprete, frase por frase, em linguagem popular. Os judeus gregos ou helenistas eram descendentes dos judeus da dispersão, isto é, judeus cujo lar ou cujos antepassados estavam em terras estrangeiras. Muitos desses judeus haviam-se estabelecido em Jerusalém ou na Judéia e haviam formado sinagogas para atender a suas várias nacionalidades.
Depois da conquista do Oriente por Alexandre o Grande, o grego chegou a ser o idioma predominante em todos os países a este do Mar Adriático e até mesmo em Roma e por toda a Itália. Por essa razão os judeus de ascendência estrangeira eram chamados “gregos” ou “helenistas” apesar de a palavra “heleno” referir-se a grego. Os judeus-helenistas, como povo, fora da Pales­tina, eram o ramo da raça judaica mais numerosa, mais rica, mais inteligente e mais liberal.
Os prosélitos eram pessoas não descendentes de ju­deus, as quais renunciavam ao paganismo, aceitavam a lei judaica e passavam a pertencer à igreja judaica, recebendo o rito da circuncisão. Apesar de serem uma minoria entre os judeus, os prosélitos eram encontra­dos em muitas sinagogas em todas as cidades do Império Romano e gozavam de todos os privilégios do povo judeu. Os prosélitos não devem ser confundidos com “os devotos” ou “tementes a Deus”; estes eram gentios, que deixaram de adorar os ídolos e frequentavam as sinagogas, porém não participavam da circuncisão, nem se propunham observar as minuciosas exigências das leis judaicas. Por essa razão não eram considerados judeus, apesar de se mostrarem amigos deles.
A leitura dos primeiros seis capítulos do livro dos Atos dos Apóstolos dá a entender que durante esse período o apóstolo Simão Pedro era o dirigente da igreja. Em todas as ocasiões era Pedro quem tomava a iniciativa de pregar, de operar milagres e de defender a igreja que então nascia. Isso não significa que Pedro fosse papa ou dirigente oficial nomeado por Deus. Tudo acontecia como resultado da prontidão de Pedro em decidir, de sua facilidade de expressão e de seu espírito diretivo. Ao lado de Pedro, o homem prático, encon­tramos João, o homem contemplativo e espiritual, que raramente falava, porém tido em grande estima pelos crentes.
Em uma igreja comparativamente pequena em nú­mero, todos da mesma raça, todos obedientes à vontade do Senhor, todos na comunhão do Espírito de Deus, pouco governo humano era necessário. Esse governo era administrado pelos doze, os quais atuavam como um só corpo, sendo Pedro apenas o porta-voz. Uma frase que se lê em Atos 5:13 indica o alto conceito em que eram tidos os apóstolos, tanto pelos crentes como pelo povo.
No início, a teologia ou crenças da igreja eram simples. A doutrina sistemática foi desenvolvida mais tarde por meio de Paulo. Entretanto, podemos encontrar nos sermões de Pedro três pontos doutrinários considerados essenciais. O primeiro ponto, o maior, era o caráter messiânico de Jesus, isto é, que Jesus de Nazaré era o Messias, o Cristo durante tanto tempo esperado por Israel, e que agora reinava no reino invi­sível do céu, e ao qual todos os membros da igreja deviam demonstrar lealdade pessoal, reverência e obe­diência. Outra doutrina essencial era a ressurreição de Jesus. Em outras palavras, que Jesus fora crucificado, ressuscitado dos mortos e agora estava vivo, como cabeça da igreja, para nunca mais morrer. A terceira das doutrinas cardiais, contidas nos discursos de Pedro, era a segunda vinda de Jesus. Isto é, o mesmo Jesus que foi elevado ao céu, no tempo determinado voltaria à terra, para reinar com sua igreja. Apesar de Jesus haver declarado aos discípulos que nenhum homem nem anjo algum sabia quando se daria a sua vinda, era geral a expectação de que a vinda de Cristo poderia ocorrer a qualquer momento, naquela geração.
A arma usada pela igreja, através da qual havia de levar o mundo aos pés de Cristo, era o testemunho de seus membros. Dado que temos registrados vários discursos ou pregações de Pedro, e nenhum dos outros discípulos, nesse período, pode-se pensar que Pedro era o único pregador. Contudo, a leitura cuidadosa da História demonstra que todos os apóstolos e toda a igreja davam testemunho do Evangelho. Quando a igreja pos­suía cento e vinte membros, o Espírito desceu sobre eles e todos se transformaram em pregadores da Palavra. Enquanto o número de membros aumentava, au­mentavam as testemunhas, pois cada membro era um mensageiro de Cristo, sem que houvesse distinção entre clérigos e leigos. No fim desse período, encontramos Estêvão elevando-se a tal eminência como pre­gador, que os próprios apóstolos ficam ofuscados. Esse testemunho universal foi uma influência poderosa no crescimento rápido da igreja.
Inicialmente, o grandioso esforço desse punhado de homens de visão necessitava de auxílio sobrenatural, uma vez que se propunha, sem armas materiais nem prestígio social, transformar uma nação, tendo de enfrentar também os poderes da igreja nacional e do Estado. Esse auxílio sobrenatural manifestou-se na forma de operação de maravilhas. Os milagres apostólicos foram considerados como “os sinos que chamam o povo à adoração”. Lemos no livro dos Atos dos Apóstolos sobre a cura do coxo que estava à porta Formosa. Esse milagre atraiu a multidão para ouvir a Pedro e aceitar a Cristo. Logo depois está descrita a morte de Ananias e Safira, ao serem repreendidos por Pedro por causa do egoísmo e da falsidade. Esse julgamento da parte de Deus foi uma advertência a quantos tiveram conheci­mento dos fatos. A esses milagres seguiram-se outros que incluíam cura de enfermidades. Contudo, esse poder não estava limitado a Pedro nem aos apóstolos. Está escrito que “prodígios e milagres” eram realizados por Estêvão. Essas obras poderosas atraíam a atenção “do povo, motivavam investigação e abriam os corações das multidões, para receberam a fé em Cristo.
O amor de Cristo ardia no coração daqueles homens e os constrangia a mostrarem esse amor para com seus condiscípulos, a viver em unidade de espírito, em gozo e comunhão, e, especialmente, a demonstrar interesse e abnegação pelos membros da igreja que necessitavam de socorros materiais. Lemos no livro dos Atos dos Apóstolos que os mais ricos davam suas propriedades, de forma tão liberal, que leva a sugerir o socialismo radical na comunhão de bens.
No entanto, é bom notar, que quanto a esse aspecto da Igreja Pentecostal, tudo era feito voluntariamente, ninguém era compelido pela lei ou pela exigência dos pobres em tomar as propriedades dos ricos. Os ricos davam voluntariamente. Deve considerar-se ainda que: foi uma experiência em uma pequena comunidade onde todos estavam juntos; naquela comunidade selecionada todos estavam cheios do Espírito Santo, aspirando, todos eles, em seu caráter, a executar os princípios do Sermão do Monte; a experiência surgiu com a expectativa da iminente volta de Jesus, quando então os bens terrenos não mais seriam necessários; como experiência financeira foi um fracasso, e logo abandonada, pois a igreja em Jerusalém ficou tão pobre, que durante uma geração se recolhiam ofertas nas outras igrejas para ajudá-la; o sistema provocou seus próprios males morais, pois despertou o egoísmo de Ananias e Safira. Na verdade, enquanto estamos sobre a terra somos influenciados pelo interesse próprio e pela necessidade. O espírito dessa dádiva liberal é digno de elogios, porém o plano, ao que tudo indica, não foi muito acertado.
De modo geral, a Igreja Pentecostal não tinha faltas. Era poderosa na fé e no testemunho, pura em seu caráter, e abundante no amor. Entretanto, o seu sin­gular defeito era a falta de zelo missionário. Permane­ceu em seu território, quando devia ter saído para outras terras e outros povos. Foi necessário o surgimento da severa perseguição, para que se decidisse a ir a outras nações a desempenhar sua missão mundial. E assim aconteceu mais tarde.
3

A EXPANSÃO DA IGREJA

Desde a Pregação de Estêvão, 35 a.D. Até ao Concílio de Jerusalém, 50 a.D.
Entramos agora em uma época da história da igreja cristã, que, apesar de curta — apenas quinze anos — é de alta significação. Nessa época decidiu-se a importan­tíssima questão: se o Cristianismo devia continuar como uma obscura seita judaica, ou se devia transformar-se em igreja cujas portas permanecessem para sempre abertas a todo o mundo. Quando se iniciou este período, a proclamação do evangelho estava limitada à cidade de Jerusalém e às aldeias próximas; os membros da igreja eram todos israelitas por nascimento ou por adoção. Quando terminou, a igreja já se havia estabelecido na Síria, na Ásia Menor e havia alcançado a Europa. Além disso, os membros da igreja agora não eram exclusivamente judeus; em alguns casos predominavam os gentios. O idioma usado nas assembléias na Palestina era o hebraico ou aramaico, porém, em outras regiões bem mais povoadas o idioma usado era o grego. Estudemos as épocas sucessivas desse movimento em expansão.
Na igreja de Jerusalém surgiu uma queixa contra o critério adotado na distribuição de auxílios aos pobres, pois as famílias dos judeus-gregos ou helenistas eram prejudicadas. Os apóstolos convocaram a igreja e pro­puseram a escolha de uma comissão de sete homens para cuidarem dos assuntos de ordem material. Esse plano foi adotado, e os sete foram escolhidos, figurando em primeiro lugar o nome de Estêvão, “homem cheio de fé e do Espírito Santo”. Apesar de haver sido escolhido para um trabalho secular, bem depressa atraiu as aten­ções de todos para o seu trabalho de pregador. Da acusação levantada contra ele, quando foi preso pelas autoridades judaicas, e da sua mensagem de defesa, é evidente que Estêvão proclamou a Jesus Cristo como Salvador, não somente para os judeus, mas também para os gentios. Parece que Estêvão foi o primeiro membro da igreja a ter a visão do evangelho para o mundo inteiro, e esse ideal levou-o ao martírio.
Entre aqueles que ouviram a defesa de Estêvão, e que se encolerizaram com suas palavras sinceras, mas incompatíveis com a mentalidade judaica daqueles dias, estava um jovem de Tarso, cidade das costas da Ásia Menor, chamado Saulo. Esse jovem havia sido educado sob a orientação do famoso Gamaliel, conhecido e res­peitado intérprete da lei judaica. Saulo participou do apedrejamento de Estêvão, e logo a seguir fez-se chefe de terrível e obstinada perseguição contra os discípulos de Cristo, prendendo e açoitando homens e mulheres. A igreja em Jerusalém dissolveu-se nessa ocasião, e seus membros dispersaram-se por vários lugares. Entre­tanto, onde quer que chegassem, a Samaria ou a Damasco, ou mesmo a longínqua Antioquia da Síria, eles se constituíam em pregadores do evangelho e estabeleciam igrejas. Dessa forma o ódio feroz de Saulo era um fator favorável à propagação do evangelho e da igreja.
Na lista dos sete nomes escolhidos para administrarem os bens da igreja, além de Estêvão, encontramos também Filipe, um dos doze apóstolos. Depois da morte de Estêvão, Filipe refugiou-se entre os samaritanos, um povo misto, que não era judeu nem gentio, e por isso mesmo desprezado pelos judeus. O fato significativo de Filipe começar a pregar o evangelho aos samaritanos demonstra que ele se havia libertado do preconceito dos judeus. Filipe estabeleceu uma igreja em Samaria, a qual foi reconhecida pelos apóstolos Pedro e João. Foi essa a primeira igreja estabelecida fora dos círculosjudaicos; contudo não era exatamente uma igreja composta de membros genuinamente gentios. Mais tarde encontramos Filipe a pregar e a estabelecer igrejas nas cidades costeiras de Gaza, Jope e Cesaréia. Essas eram consideradas cidades gentias, porém todas possuíam densa população judaica. Nessas cidades, forçosa­mente, o evangelho teria de entrar em contato com o mundo pagão.
Em uma de suas viagens relacionadas com a inspeção da igreja, Pedro chegou a Jope, cidade situada no lito­ral. Ali, Tabita ou Dorcas foi ressuscitada. Nessa ci­dade Pedro permaneceu algum tempo em companhia do outro Simão, o curtidor. O fato de Pedro, sendo judeu, permanecer em companhia de um curtidor significa que Pedro se libertara das restritas regras dos costumes judeus, pois todos os que tinham o ofício de curtidor eram considerados “imundos” pela lei cerimonial. Foi em Jope que Pedro teve a visão do que parecia ser um grande lençol que descia, no qual havia de todos os animais, e foi-lhe dirigida uma voz que dizia: “Não faças tu imundo ao que Deus purificou.” Nessa ocasião chega­ram a Jope mensageiros vindos de Cesaréia, que fica cerca de quarenta e oito quilômetros ao norte, e pediram a Pedro que fosse instruir a Cornélio, um oficial romano temente a Deus.
Pedro foi a Cesaréia sob a direção do Espírito, pre­gou o evangelho a Cornélio e aos que estavam em sua casa, e os recebeu na igreja mediante o batismo. O Espírito de Deus sendo derramado como no dia de Pentecoste, testificou sua aprovação divina. Dessa forma foi divinamente sancionada a pregação do evangelho aos gentios e sua aceitação na igreja.
Nessa época, possivelmente um pouco antes de Pedro haver visitado Cesaréia, Saulo, o perseguidor, foi surpreendido no caminho de Damasco por uma visão de Jesus ressuscitado. Saulo, que fora o mais temido perseguidor do evangelho, converteu-se em seu mais ardoroso defensor. Sua oposição fora dirigida especialmente contra a doutrina que eliminava a barreira entre judeus e gentios. Entretanto, quando se converteu, Saulo adotou imediatamente os mesmos conceitos de Estêvão, e tornou-se ainda maior que Estêvão, na ação de fazer prosperar o movimento de uma igreja universal, cujas portas estivessem abertas a todos os homens, quer fossem judeus, quer fossem gentios. Em toda a história do Cristianismo, nenhuma conversão a Cristo trouxe resultados tão importantes e fecundos para o mundo inteiro como a conversão de Saulo, o persegui­dor, e mais tarde.o apóstolo Paulo.
Na perseguição iniciada com a morte de Estêvão, a igreja em Jerusalém dispersou-se por toda parte. Al­guns de seus membros fugiram para Damasco; outros foram para Antioquia da Síria, distante cerca de 480 quilômetros. Em Antioquia os fugitivos frequentavam as sinagogas judaicas e davam seu testemunho de Jesus, como sendo o Messias. Em todas as sinagogas havia um local separado para os adoradores gentios; muitos destes ouviram o evangelho em Antioquia e aceitaram a fé em Cristo. Dessa forma floresceu uma igreja em Antioquia, na qual judeus e gentios adoravam juntamente e desfrutavam o mesmo privilégio. Quando as notícias desses fatos chegaram a Jerusalém, a igreja ficou alarmada e enviou um representante para exami­nar as relações dos judeus com os gentios.
Felizmente, e para o bem de todos, a escolha do representante recaiu sobre Barnabé, homem de idéias liberais, coração grande e generoso. Barnabé foi a An­tioquia, observou as condições, e, em lugar de condenar a igreja local por sua liberalidade, alegrou-se com essa circunstância, endossou a atitude dos crentes dali e permaneceu em Antioquia a fim de participar daquele movimento. Anteriormente Barnabé havia manifestado sua confiança em Saulo. Desta vez Barnabé viajou para Tarso, cerca de 160 quilómetros de distância, trouxe consigo para Antioquia a Paulo, e fê-lo seu companheiro na obra do evangelho. A igreja em Antioquia, com esses reforços, elevou-se a tal proeminência, que ali, pela primeira vez, os seguidores de Cristo foram chamados “cristãos”, nome dado não pelos judeus mas pelos gregos, e somente três vezes mencionado no Novo Testamento. Os discípulos de Antioquia enviaram auxílio aos crentes pobres da Judéia, no tempo da fome, e seus dirigentes foram figuras eminentes da igreja primitiva.
Até então, os membros gentios da igreja eram somente aqueles que espontaneamente a procuravam. Daí em diante, sob a direção do Espírito Santo e de acordo com os anciãos, os dois dirigentes de maior destaque na igreja de Antioquia foram enviados em missão evangelizadora a outras terras, pregando tanto para judeus como para gentios. Na história da primeira viagem missionária notamos certas características que se tor­naram típicas em todas as viagens posteriores de Paulo. Essa viagem foi realizada por dois obreiros. Inicial­mente menciona-se “Barnabé e Saulo”, depois “Paulo e Barnabé”, e finalmente, Paulo e seus companheiros, apontando Paulo como líder espiritual.
Em relação à mudança do nome de Saulo pode-se explicar da seguinte forma: Era comum naqueles dias um judeu usar dois nomes; um entre os israelitas e outro entre os gentios. Os dois missionários levaram como auxiliar um homem mais jovem chamado João Marcos, o qual os abandonou em meio à viagem. Eles escolheram como principal campo de trabalho as grandes cidades, visitando Salamina e Pafos, na Ilha de Chipre; Antio­quia e Icônio, na Pisídia; Listra e Derbe, na Licaônia.
Sempre que lhes era possível, iniciavam o trabalho de evangelização pregando nas sinagogas, pois nelas todos os judeus tinham o direito de falar; tratando-se de um mestre reputado como era Paulo, que havia cursado a famosa escola de Gamaliel, era sempre bem recebido. Além disso, por meio das sinagogas, não só anunciavam o evangelho aos judeus tementes a Deus mas também aos gentios, igualmente religiosos. Em Derbe, a última cidade visitada, estavam bem próximos de Antioquia, onde haviam iniciado a viagem. Em lugar de passarem pelas Portas da Cilicia e regressarem a Antioquia, to­maram a direção oeste e voltaram pelo caminho que haviam percorrido, visitando novamente as igrejas que haviam fundado em sua primeira viagem e nomeando anciãos, de acordo com o costume usado nas sinagogas. Em todas as viagens que o apóstolo Paulo fez mais tarde, o mesmo método de trabalho foi posto em prática.
Em todas as sociedades ou comunidades organizadas, há sempre duas classes de pessoas: os conservadores, olhando para o passado; e os progressistas, olhando para o futuro. Assim aconteceu naqueles dias. Os elementos ultrajudeus da igreja sustentavam que não podia haver salvação fora de Israel. Por essa razão, diziam, todos os discípulos gentios deviam ser circuncidados e observar a lei judaica.
Entretanto os mestres progressistas, encabeçados por Paulo e Barnabé, declaravam que o evangelho era para os judeus e para os gentios, sobre a mesma base da fé em Cristo, sem levar em conta as leis judaicas. Entre esses dois grupos surgiu então uma controvérsia que ameaçou dividir a igreja. Finalmente, realizou-se um concílio em Jerusalém para resolver o problema das condições dos membros gentios e estabelecer regras para a igreja no futuro. Convém registrar que nesse concílio estiveram representados não somente os após­tolos, mas também os anciãos e “toda a igreja”. Paulo e Barnabé, Pedro e Tiago, irmão do Senhor, participa­ram dos debates. Chegou-se, então, a esta conclusão: a lei alcançava somente os judeus e não os gentios crentes em Cristo. Com essa resolução completou-se o período de transição de uma igreja cristã judaica para uma igreja de todas as raças e nações. O evangelho podia, agora, avançar em sua constante expansão.
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A IGREJA ENTRE OS GENTIOS

Desde o Concílio de Jerusalém, 50 a.D. Até ao Martírio de Paulo, 68 a.D.
Por decisão do concílio realizado em Jerusalém, a igreja ficou com liberdade para iniciar uma obra de maior vulto, destinada a levar todas as pessoas, de todas as raças, e de todas as nações para o reino de Jesus Cristo. Supunha-se que os judeus, membros da igreja, continuassem observando a lei judaica, muito embora as regras fossem interpretadas de forma ampla por alguns dirigentes como Paulo. Contudo, os gentios podiam pertencer à  igreja cristã, mediante a fé em Cristo e uma vida reta, sem submeterem-se às exigências da lei.
Para tomarmos conhecimento do que ocorreu du­rante os vinte anos seguintes ao concílio de Jerusalém, dependemos do livro dos Atos dos Apóstolos, das epís­tolas do apóstolo Paulo, e talvez do primeiro versículo da Primeira Epístola de Pedro, que possivelmente se refere a países talvez visitados por ele. A estas fontes de informações pode-se juntar algumas tradições do período imediato à era apostólica, que parecem ser autênticas. O campo de atividades da igreja alcançava todo o Império Romano, que incluía todas as províncias nas margens do Mar Mediterrâneo e alguns países além de suas fronteiras especialmente a leste. Nessa época o número de membros de origem gentia continuava a crescer dentro da comunidade, enquanto o de judeus diminuía. À medida que o evangelho ganhava adeptos no mundo pagão, os judeus se afastavam dele e crescia cada vez mais o seu ódio contra o Cristianismo. Em quase todos os lugares onde se manifestaram persegui­ções contra os cristãos, nesse período, elas eram insti­gadas pelos judeus.
Durante aqueles anos, três dirigentes se destacaram na igreja. O mais conhecido foi Paulo, o viajante in­cansável, o obreiro indômito, o fundador de igrejas e o eminente teólogo. Depois de Paulo, aparece Pedro cujo nome apenas consta dos registros, porém foi  reconhecido por Paulo como uma das “colunas”. A tradição diz que Pedro esteve algum tempo em Roma, dirigiu a igreja nessa cidade, e, por fim, morreu como mártir no ano 67. O terceiro dos grandes nomes dessa época foi Tiago, um irmão mais moço do Senhor, e dirigente da igreja de Jerusalém. Tiago era fiel conservador dos costumes judaicos. Era reconhecido como dirigente dos judeus cristãos; todavia não se opunha a que o evangelho fosse pregado aos gentios. A epístola de Tiago foi escrita por ele. Tiago foi morto no Templo, cerca do ano 62. Assim, todos os três líderes desse período, entre muitos outros menos proeminentes perderam suas vidas como mártires da fé que abraçaram. O registro desse período, conforme se encontra nos 13 últimos capítulos de Atos, refere-se somente às atividades do apóstolo Paulo. Entretanto, nesse período outros missionários devem ter estado em atividade, pois logo após o fim dessa época mencionam-se nomes de igrejas que Paulo jamais visitou. A primeira viagem de Paulo através de algumas províncias da Ásia Menor já foi mencionada em capítulo anterior. Depois do concílio de Jerusalém Paulo empreendeu a segunda viagem missionária. Tendo por companheiro Silas ou Silvano, deixou Antioquia da Síria e visitou, pela terceira vez, as igrejas do continente, estabelecidas na primeira via­gem. Foi até às costas do Mar Egeu, a Trôade, antiga cidade de Tróia, e embarcou para a Europa, levando, assim, o evangelho a esse continente. Paulo e Silas estabeleceram igrejas em Filipos, Tessalônica e Beréia, na província de Macedônia. Fundaram um pequeno núcleo na culta cidade de Atenas e estabeleceram forte congregação em Corinto, a metró­pole comercial da Grécia. Da cidade de Corinto, Paulo escreveu duas cartas à igreja de Tessalônica, sendo essas as suas primeiras epístolas.
Navegou depois pelo Mar Egeu, para uma breve visita a Éfeso, na Ásia Menor. A seguir atravessou o Mediterrâneo e foi a Cesaréia; subiu a Jerusalém, a fim de saudar a igreja dessa cidade, e voltou ao ponto de partida em Antioquia da Síria. Em suas viagens, du­rante três anos, por terra e por mar, Paulo percorreu mais de três mil quilômetros, fundou igrejas em pelo menos sete cidades e abriu, pode-se dizer, o continente da Europa à pregação do Evangelho. Após um breve período de descanso, Paulo iniciou a terceira viagem missionária, ainda de Antioquia, porém destinada a terminar em Jerusalém, como prisioneiro do governo romano. Inicialmente seu único companheiro fora Timóteo, o qual se havia juntado a ele na segunda viagem e permaneceu até ao fim, como auxiliar fiel e “filho no Evangelho”. Contudo, alguns outros companheiros es­tiveram com o apóstolo, antes de findar esta viagem. A viagem iniciou-se com a visita às igrejas da Síria e Cilicia, incluindo, sem dúvida, a cidade de Tarso, onde nasceu. Continuou a viagem pela antiga rota e visitou, pela quarta vez, as igrejas que estabeleceu na primeira viagem.[1]
Entretanto, após haver cruzado a província de Fri­gia, em lugar de seguir rumo norte, para Trôade, foi para o Sul, rumo a Efeso, a metrópole da Ásia Menor. Na cidade de Éfeso permaneceu por mais de dois anos, o período mais longo que Paulo passou em um só lugar, durante todas as suas viagens. Seu ministério teve êxito não apenas na igreja em Éfeso mas também na propagação do evangelho em toda a província. As sete igrejas da Ásia, foram fundadas quer direta, quer indiretamente por Paulo. De acordo com seu método de voltar a visitar as igrejas que estabelecera, Paulo navegou de Éfeso para a Macedônia, visitou os discípulos em Filipos, Tessalônica, Beréia e bem assim aqueles que estavam na Grécia. Depois disso sentiu que devia voltar pelo mesmo trajeto, para fazer uma visita final àquelas igrejas. Navegou para Trôade e dessa cidade passou pela costa da Ásia Menor. De Mileto, o porto de Éfeso, mandou chamar os anciãos da igreja de Éfeso, e despediu-se deles com emocionante exortação. Recomeçou a viagem para Cesaréia, e subiu a montanha até Jerusalém. Nesta cidade Paulo terminou a terceira viagem missionária, quando foi atacado pela multidão de judeus no templo, aonde fora adorar. Os soldados romanos protegeram o apóstolo da ira do populacho, e o recolheram à fortaleza de Marco António.
A terceira viagem missionária de Paulo foi tão longa quanto a segunda, exceto os 480 quilômetros entre Jerusalém e Antioquia. Seus resultados mais evidentes foram a igreja de Éfeso e duas das suas mais importan­tes epístolas, uma à igreja em Roma, expondo os prin­cípios do evangelho de acordo com a sua própria ma­neira de pregar, e outra aos Gálatas dirigida às igrejas que estabelecera na primeira viagem, onde os mestres judaizantes haviam pervertido muitos discípulos.
Durante mais de cinco anos, após sua prisão, Paulo esteve prisioneiro; algum tempo em Jerusalém, três anos em Cesaréia e pelo menos dois anos em Roma. Podemos considerar a acidentada viagem de Cesaréia a Roma, como a quarta viagem de Paulo, pois, mesmo preso, era ele um intrépido missionário que aproveitava todas as oportunidades para anunciar o evangelho de Cristo. O motivo da viagem de Paulo foi a petição que ele fez. Na qualidade de cidadão romano apelou para ser julgado pelo imperador, em Roma. Seus companheiros nessa viagem foram Lucas e Aristarco, os quais talvez tenham viajado como seus auxiliares. Havia, a bordo do navio em que viajavam, criminosos confessos que eram levados para Roma a fim de serem mortos nas lutas de gladiadores. Havia, também, soldados que guardavam os presos que viajavam no navio. Podemos estar certos de que toda essa gente que participou da longa e perigosa viagem, ouviu o evangelho anunciado pelo apóstolo. Em Sidom, Mirra e Creta, onde o navio aportou, Paulo proclamou a Cristo. Em Melita (Malta) onde estiveram durante três meses após o naufrágio, também se converteram muitas pessoas.
Finalmente Paulo chegou a Roma, a cidade que du­rante muitos anos foi o alvo de seu trabalho e esperança. Apesar de se tratar de um preso à espera de julgamento, contudo a Paulo foi permitido viver em casa alugada, acorrentado a um soldado. O esforço principal de Paulo, ao chegar a Roma, foi evangelizar os judeus, tendo para esse fim convocado seus compatriotas para uma reunião que durou o dia inteiro. Verificando que apenas uns poucos dos judeus estavam dispostos a aceitar o Evangelho, voltou-se então para os gentios. Por espaço de dois anos, a casa em que Paulo morava em Roma funcionou como igreja, onde muitos encontraram a Cristo, especialmente os soldados da guarda do Pre­tório. Contudo seu maior trabalho realizado em Roma foi a composição de quatro epístolas, que se contam entre os melhores tesouros da igreja. As epístolas foram as seguintes: Efésios, Filipenses, Colossenses e Filemom. Há motivos para crer que após dois anos de prisão, Paulo foi absolvido e posto em liberdade.
Podemos, sem dúvida, considerar os três ou quatro anos de liberdade de Paulo, como a continuação de sua quarta viagem missionária. Notamos alusões ou esperanças de Paulo, de visitar Colossos ou Mileto. Se es­tava tão próximo de Éfeso, como o estavam os dois mencionados lugares, parece certo que visitou esta úl­tima cidade. Visitou, também, a Ilha de Creta, onde deixou Tito responsável pelas igrejas, e esteve em Nicópolis no Mar Adriático, ao norte da Grécia. A tradição declara que neste lugar Paulo foi preso e enviado outra vez para Roma, onde foi martirizado no ano 68. A este último período podem pertencer estas três epístolas: Primeira a Timóteo, Tito e Segunda a Timóteo, sendo que a última foi escrita na prisão, em Roma.
No ano 64 uma grande parte da cidade foi destruída por um incêndio. Diz-se que foi Nero, o pior de todos os imperadores romanos, quem ateou fogo à cidade.
Contudo essa acusação ainda é discutível. Entretanto a opinião pública responsabilizou Nero por esse crime. A fim de escapar dessa responsabilidade, Nero apontou os cristãos como culpados do incêndio de Roma, e moveu contra eles tremenda perseguição. Milhares de cristãos foram torturados e mortos, entre os quais se conta o apóstolo Pedro, que foi crucificado no ano 67, e bem assim o apóstolo Paulo, que foi decapitado no ano 68. Essas datas são aproximadas, pois os apóstolos acima citados ja podem ter sido martirizados um ou dois anos antes. E uma das “vinganças” da História , que naque­les jardins onde multidões de cristãos foram queimados como “tochas vivas” enquanto o imperador passeava em sua carruagem, esteja hoje o Vaticano, residência do sumo-pontífice católico-romano, e a basílica de São Pedro, o maior edifício da religião cristã.
Na época do concílio de Jerusalém, no ano 50, não havia sido escrito nenhum dos livros do Novo Testamento. A igreja, para conhecimento da vida e dos ensi­nos do Salvador, dispunha tão-somente das memórias dos primitivos discípulos. Entretanto, antes do final deste período, 68 a. D., grande parte dos livros do Novo Testamento já estavam circulando, inclusive os evan­gelhos de Mateus, Marcos e Lucas e as epístolas de Paulo, Tiago, 1 Pedro e talvez 2 Pedro, embora ques­tões tenham sido levantadas quanto a autoria dessa última. Deve-se lembrar que é provável que a epístola aos Hebreus tenha sido escrita depois da morte de Paulo, não sendo, portanto, de sua autoria.
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A ERA SOMBRIA

Desde o Martírio de Paulo, 68 a.D.
Até à Morte de João, 100 a.D.
À última geração do primeiro século, a que vai do ano 68 a 100, chamamos de “Era Sombria”, em razão de as trevas da perseguição estarem sobre a igreja, e também porque de todos os períodos da História é o que menos conhecemos. Para iluminar os acontecimentos desse período, já não temos a luz do livro dos Atos dos Apóstolos. Infelizmente, nenhum historiador da época preencheu o vácuo existente. Gostaríamos de ler a des­crição dos fatos posteriores relacionados com os auxiliares de Paulo, principalmente de Tito, Timóteo e Apolo. Entretanto, estes e outros amigos de Paulo, após a morte do apóstolo, permanecem ausentes dos co­mentários e registros.
Após o desaparecimento de Paulo, durante um pe­ríodo de cerca de cinquenta anos uma cortina pende sobre a igreja. Apesar do esforço que fazemos para olhar através da cortina, nada se observa. Finalmente, cerca do ano 120, nos registros feitos pelos “Pais da Igreja”, deparamos com uma igreja em vários aspectos, muito diferente da igreja apostólica dos dias de Pedro e de Paulo.
A queda de Jerusalém no ano 70 impôs grande transformação nas relações existentes entre cristãos e judeus. De todas as províncias dominadas pelo governo de Roma, a única descontente e rebelde era a Judéia. Os judeus, de acordo com a interpretação que davam às profecias, consideravam-se destinados a conquistar e a governar o mundo; baseados nessa esperança, somente forçados pelas armas e pelas ameaças é que se subme­tiam ao domínio dos imperadores romanos. Temos de admitir, também, que muitos procuradores e governa­dores romanos fracassaram inteiramente na interpre­tação dos sentimentos e caráter judaicos, e, por essa razão, tratavam os judeus com aspereza e arrogância.
Por volta de 66, os judeus rebelaram-se, aberta­mente, apesar de não terem, desde o início, condição de vencer. Que poderia fazer uma das mais pequenas pro­víncias, cujos homens desconheciam o adestramento militar, contra um império de cento e vinte milhões de habitantes, com duzentos e cinquenta mil soldados dis­ciplinados e peritos na arte de guerra? Além disso, os próprios judeus estavam uns contra os outros, e matavam-se entre si, com tanta violência como se a luta fosse contra Roma, o inimigo comum. Vespasiano, o principal general romano, conduziu um grande exército até à Palestina. Entretanto, logo depois foi chamado a Roma, para ocupar o trono imperial. Ficou então na Palestina, chefiando o exército romano, o general Tito, filho de Vespasiano. Após prolongado cerco, agravado pela fome e pela guerra civil dentro dos muros, a cidade de Jerusalém foi tomada e destruída pelos exércitos romanos. Milhares e milhares de judeus foram mortos, e outros milhares foram feitos prisioneiros, isto é, es­cravos. O famoso Coliseu de Roma foi construído pelos judeus prisioneiros, os quais foram obrigados a traba­lhar como escravos, e alguns deles trabalharam até morrer. A nação judaica, depois de treze séculos de existência, foi assim destruída. Sua restauração deu-se no dia 15 de maio de 1948.
Na queda de Jerusalém morreram poucos cristãos; quiçá, nenhum. Atentos às declarações proféticas de Cristo, os cristãos foram admoestados e escaparam da cidade ameaçada; refugiaram-se em Pela, no Vale do Jordão. Entretanto, o efeito produzido na igreja, pela des­truição da cidade foi que pôs fim, para sempre, nas relações entre o Judaísmo e o Cristianismo. Até então, a igreja era considerada pelo governo romano e pelo povo, em geral, como um ramo da religião judaica. Mas, dali por diante judeus e cristãos separaram-se definiti­vamente. Um pequeno grupo de judeus-cristãos ainda perseverou durante dois séculos, porém em número sempre decrescente. Esse grupo eram os ebionitas, somente reconhecidos pela igreja no sentido geral, porém desprezados e apontados como apóstatas, pelos judeus, gente da sua própria raça.
Cerca do ano 90, o cruel e indigno imperador Domiciano iniciou a segunda perseguição imperial aos cris­tãos. Durante esses dias, milhares de cristãos foram mortos, especialmente em Roma e em toda a Itália. Entretanto, essa perseguição, como a de Nero, foi es­porádica, local e não se estendeu a todo o império. Nessa época, João, o último dos apóstolos, que vivia na cidade de Éfeso, foi preso e exilado na ilha de Patmos, no Mar Egeu. Foi em Patmos que João recebeu a reve­lação que compõe o livro do Apocalipse, o último do Novo Testamento. Muitos eruditos, entretanto, afir­mam que foi escrito mais cedo, isto é, provavelmente no ano 69, pouco depois da morte de Nero. É provável que João tenha morrido em Éfeso por volta do ano 100.
Foi durante esse período que se escreveram os últi­mos livros do Novo Testamento — Hebreus e talvez a Segunda epístola de Pedro, as três epístolas e o evangelho de João, epístola de Judas e o Apocalipse.
Con­tudo, o reconhecimento universal destes livros, como inspirados e canônicos, só aconteceu mais tarde.
É interessante notar o estado do Cristianismo no fim do primeiro século, cerca de setenta anos depois da ascensão de Cristo. Por essa época havia famílias que durante três gerações vinham seguindo a Cristo.
No início do segundo século, os cristãos já estavam radicados em todas as nações e em quase todas as cida­des, desde o Tibre ao Eufrates, desde o Mar Negro até ao norte da África, e alguns crêem que se estendia até a Espanha e Inglaterra, no Ocidente. O número de membros da comunidade cristã subia a muitos milhões. A famosa carta de Plínio ao imperador Trajano, escrita lá pelo ano 112, declara que nas províncias da Ásia Menor, nas margens do Mar Negro os templos dos deuses estavam quase abandonados, enquanto os cris­tãos em toda parte formavam uma multidão, e perten­ciam a todas as classes, desde a dos nobres, a até a dos escravos, sendo que estes últimos, no império, excediam em número à população livre. Acontecia, porém, que na igreja o escravo era tratado igualmente como o livre. Um escravo podia chegar a ser bispo, enquanto seu amo e senhor não passava de simples membro.
No final do primeiro século, as doutrinas ensinadas pelo apóstolo Paulo na epístola aos Romanos eram aceitas por toda a igreja, como regra de fé. Os ensinos de Pedro e João, exarados nas respectivas epístolas, con­cordam com os de Paulo. Surgiam nesse tempo idéias heréticas e formavam-se seitas, cujos germens foram descobertos e expostos pelos apóstolos; contudo, o de­senvolvimento dessas heresias só aconteceu mais tarde.
O batismo, principalmente por imersão, era o rito de iniciação na igreja em toda parte. Contudo, no ano 120 aparecem menções do costume de batismo por aspersão; isso quer dizer que nesse tempo já estava em uso. O dia do Senhor era observado de modo geral, apesar de não o ser de forma estrita, como um dia absolutamente separado. Enquanto a igreja fora composta de maioria judaica, se observava o sábado; agora o primeiro dia da semana pouco a pouco tomava o lugar do sétimo. Já nos dias de Paulo havia igrejas que se reuniam no primeiro dia da semana, e no livro do Apocalipse esse dia é chamado “o dia do Senhor”.
A Ceia do Senhor era observada universalmente. A Ceia, no início, era celebrada no lar, assim como a páscoa, da qual se originou. Entretanto, nas igrejas gentílicas apareceu o costume de celebrar-se uma reunião da igreja como se fosse uma ceia qualquer, para a qual cada membro levava a própria provisão. O apóstolo Paulo repreendeu a igreja em Corinto pelo abuso que esse costume havia causado. No fim do século a Ceia do Senhor era celebrada onde os cristãos se reuniam, porém (talvez, por causa da perseguição), não em reuniões públicas. Somente os membros da igreja eram admitidos nas reuniões em que celebravam a Ceia, que era considerada como um “mistério”. O reconhecimento do domingo da ressurreição como aniversário da ressurreição de Cristo fora sancionado e aumentava dia a dia; contudo, nessa época ainda não era de guarda universal.
O último sobrevivente dos apóstolos foi João, que morou na cidade de Éfeso até ao ano 100. Não se lê em nenhum documento que houvesse sucessores para o cargo de apóstolo. Contudo, no ano 120 faz-se menção de “apóstolos”, que parece haverem sido evangelistas que visitavam as igrejas, porém sem autoridade apos­tólica. Evidentemente não eram muito respeitados, pois às igrejas recomendava-se que os hospedassem somente durante três dias.
No livro dos Atos dos Apóstolos e nas últimas epís­tolas, os títulos anciãos (presbíteros) e bispos são men­cionados como se fossem aplicados alternadamente à mesma pessoa. No entanto, no fim do primeiro século aumentava a tendência de elevar os bispos, acima de seus companheiros, os anciãos, costume que mais tarde conduziu ao sistema eclesiástico. Os diáconos são men­cionados nas últimas epístolas de Paulo como fun­cionários da igreja. Na epístola aos Romanos, escrita no ano 58, aproximadamente, Febe de Cencréia é chamada diaconisa, e uma referência em 1 Timóteo pode haver sido feita a mulheres que desempenhavam esse cargo.
O plano das reuniões nas assembléias cristãs era uma derivação das reuniões das sinagogas judaicas, Liam-se as Escrituras do Antigo Testamento e porções das cartas apostólicas, os evangelhos; os salmos da Bíblia e os hinos cristãos eram cantados; as orações diferiam das que se faziam nas sinagogas, porque nas assembléias cristãs eram espontâneas; o uso da palavra era ofere­cido, sem restrições, aos irmãos visitantes. No final das reuniões era frequente participarem da Ceia do Senhor. Quando lemos as últimas epístolas e o livro do Apoca­lipse, encontramos misturadas luz e sombra, nos rela­tos que se referem às igrejas. As normas de caráter moral eram elevadas, porém o nível da vida espiritual era inferior ao que se manifestara nos primitivos dias apostólicos. Contudo, por toda parte a igreja era forte, ativa, próspera e se esforçava por predominar em todos os extremos do Império Romano.
ESBOÇO DOS CAPÍTULOS 6 – 8
 
SEGUNDO PERÍODO GERAL AS PERSEGUIÇÕES IMPERIAIS
Desde a morte de João, 100 a.D. Até ao Edito de Constantino, 313 a.D.
I. CAUSAS DAS PERSEGUIÇÕES IMPERIAIS (Capítulo 6)
1.  O Caráter Inclusivo do Paganismo e Caráter Exclusivo do Cristianismo.
2. A Adoração aos ídolos Entrelaçada com a Vida
3.  A Adoração ao Imperador
4.  O Judaísmo Reconhecido
5.  As Reuniões Secretas dos Cristãos
6.  A Igualdade na Igreja Cristã
7.  Os Interesses Econômicos
II.  FASES DA PERSEGUIÇÃO
1.  Desde Trajano até Antonino Pio, 98-161 d.C. Mártires: (a) Simeão (b) Inácio
2.  Marco Aurélio, 161-180
Mártires: (a) Policarpo (b) Justino Mártir
3.  Septímio Severo, 193-211
Mártires: (a) Leônidas (b) Perpétua e Felicitas
4.  Décio, 249-251
5.  Valeriano, 253-260
Mártires: (a) Cipriano (b) Sexto, 258
  1. Diocleciano, 284-305, Galério, 305-311
  2. Edito de Constantino 313
III. FORMAÇÃO DO CÂNON DO NOVO
TESTA­MENTO (Capítulo 7).
 
IV. DESENVOLVIMENTO DA ORGANIZAÇÃO ECLESIÁSTICA (Capítulo 7). Causas:
1.  Perda de Autoridade Apostólica.
2.  Crescimento e Expansão da Igreja.
3.  Perseguições Imperiais.
4.  O Aparecimento de Seitas e Heresias.
5.  Analogia do Governo Imperial.
V. DESENVOLVIMENTO DA DOUTRINA (Ca­pítulo 7)
1.  Escola de Alexandria.
2.  Escola de Ásia Menor.
3.  Escola do Norte da África.
VI. O APARECIMENTO DE SEITAS E HERE­SIAS
(Capítulo 8)
.
1.  Agnósticos.
2.  Ebionitas.
3.  Maniqueus.
4.  Montanistas.
VII. A CONDIÇÃO DA IGREJA (Capítulo 8).
1.  Uma Igreja Purificada.
2.  O Ensino Unificado da Igreja.
3.  A Organização da Igreja.
4.  O Crescimento da Igreja.
6

AS PERSEGUIÇÕES IMPERIAIS

SEGUNDO PERÍODO GERAL
Desde a Morte de João, 100 a.D. Até ao Edito de Constantino, 313 a.D.
O fato de maior destaque na História da Igreja no segundo e terceiro séculos foi, sem dúvida, a persegui­ção ao Cristianismo pelos imperadores romanos. Ape­sar de a perseguição não haver sido contínua, contudo ela se repetia durante anos seguidos, por vezes. Mesmo quando havia paz, a perseguição podia recomeçar a qualquer momento, cada vez mais violenta. A persegui­ção, no quarto século, durou até o ano 313, quando o Edito de Constantino, o primeiro imperador cristão, fez cessar todos os propósitos de destruir a igreja de Cristo. Surpreendente é o fato de se constatar que durante esse período, alguns dos melhores imperadores foram mais ativos na perseguição ao Cristianismo, ao passo que os considerados piores imperadores, eram brandos na oposição, ou então não perseguiam a igreja. Antes de apresentar a história, investiguemos alguns dos motivos que forçaram o governo, de um modo geral justo e que procurava o bem-estar de seus concidadãos, a tentar durante duzentos anos, suprimir uma institui­ção tão reta, tão obediente à lei e tão necessária, como era o Cristanismo. Podem-se apresentar várias causas para justificar o ódio dos imperadores ao Cristianismo.
O paganismo em suas práticas aceitava as novas formas e objetos de adoração que iam surgindo, enquanto o Cristianismo rejeitava qualquer forma ou objetos de adoração. Onde os deuses já se contavam aos centos, quiçá aos milhares, mais um ou menos um não represen­tava diferença. Quando os habitantes de uma cidade desejavam desenvolver o comércio ou a imigração, construíam templos aos deuses que se adoravam em outros países ou cidades, a fim de que os habitantes desses países ou cidades fossem adorá-los. Eis por que nas ruínas da cidade de Pompéia, Itália, se encontra um templo de ísis, uma deusa egípcia. Esse templo foi edificado para fomentar o comércio de Pompéia com o Egito, fazendo com que os comerciantes egípcios se sentissem como em seu próprio país. Por outro lado, o Cristianismo opunha-se a qualquer forma de adoração, pois somente admitia adoração ao seu próprio Deus. Um imperador desejou colocar uma estátua de Cristo no Panteão, um edifício que existe em Roma até hoje, e no qual se colocavam todos os deuses importantes. Porém os cristãos recusaram a oferta com desprezo. Não desejavam que o seu Cristo fosse conhecido mera­mente como um deus qualquer entre outros deuses.
A adoração aos ídolos estava entrelaçada com todos os aspectos da vida. As imagens eram encontradas em todos os lares para serem adoradas. Em todas as festividades eram oferecidas libações aos deuses. As imagens eram adoradas em todas as cerimônias cívicas ou provinciais. Os cristãos, é claro, não participavam dessas formas de adoração. Por essa razão, o povo não dado a pensar considerava-os como seres insociáveis, taciturnos, ateus que não tinham deuses, e aborrecedores de seus companheiros. Com reputação tão desfavorável por parte do povo em geral, apenas um passo os sepa­rava da perseguição.
A adoração ao imperador era considerada como prova de lealdade. Nos lugares mais visíveis de cada cidade havia uma estátua do imperador reinante, e ainda mais, a essa imagem era oferecido incenso, como se oferecia aos deuses. Parece que em uma das primeiras epístolas de Paulo há uma referência cautelosa contra essa forma de idolatria. Os cristãos recusavam-se a prestar tal adoração, mesmo um simples oferecimento de incenso sobre o altar. Pelo fato de cantarem hinos e louvores e adorarem a “outro Rei, um tal Jesus”, eram considera­dos pelo povo como desleais e conspiradores de uma revolução.
A primeira geração dos cristãos era tida como rela­cionada com os judeus e o Judaísmo era reconhecido pelo governo como religião permitida apesar de os ju­deus viverem separados dos costumes idólatras e não comerem alimentos usados nas festas dos ídolos. Essa suposta relação preservou os cristãos por algum tempo da perseguição. Entretanto, após a destruição de Jeru­salém, no ano 70, o Cristianismo ficou isolado, sem nenhuma lei que protegesse seus seguidores do ódio dos inimigos.
As reuniões secretas dos cristãos despertaram suspeitas. Eles se reuniam antes do nascer do sol, ou então à noite, quase sempre em cavernas ou nas catacumbas subterrâneas. A esse respeito circulavam falsos rumores de que entre eles praticavam-se atos imorais e criminosos. Além disso, o governo autocrático do império suspeitava de todos os cultos e sociedades secretas, temendo propósitos desleais. A celebração da Ceia do Senhor, da qual eram excluídos os estranhos, repetidas vezes era causa de acusações e de perseguições.
O Cristianismo considerava todos os homens iguais. Não havia nenhuma distinção entre seus membros, nem em suas reuniões. Um escravo podia ser eleito bispo na igreja. Tudo isso eram coisas inaceitáveis para a mentalidade dos nobres, para os filósofos e para as classes governamentais. Os cristãos eram considerados como “niveladores da sociedade”, portanto anarquistas, perturbadores da ordem social. Eis por que eram tidos na conta de inimigos do Estado.
Não raro os interesses econômicos também provacavam e excitavam o espírito de perseguição. Assim como o apóstolo Paulo, em Éfeso, esteve em perigo de morte, em razão de um motim incitado por Demétrio, o ourives, assim também, muitas vezes os governantes eram influenciados para perseguir os cristãos, por pessoas cujos interesses financeiros eram prejudicados pelo progresso da igreja: sacerdotes e demais servidores dos templos dos ídolos, os que negociavam com imagens, os escultores, os arquitetos que construíam templos, e todos aqueles que ganhavam a vida por meio da adora­ção pagã. Não era coisa rara ouvir-se o populacho gritar: “Os cristãos às feras, aos leões quando seus negócios e sua arte estavam em perigo, ou quando funcionários públicos ambiciosos desejavam apoderar-se das propriedades de cristãos ricos.
Durante todo o segundo e terceiro séculos, e mui especialmente nos primeiros anos do quarto século até ao ano 313, a religião cristã era proibida e seus partidários eram considerados fora da lei. Apesar dessas circunstâncias, a maior parte do tempo a espada da perseguição estava embainhada e os discípulos rara­mente eram molestados em suas observâncias de caráter religioso. Contudo, mesmo durante estes períodos de calma aparente, estavam sujeitos a perigo repentino a qualquer momento, sempre que um dos governantes desejasse executar os decretos, ou quando algum cristão eminente dava seu testemunho abertamente e sem medo.
Houve, contudo, alguns períodos de curta ou de longa duração, quando a igreja foi alvo de feroz perseguição. As perseguições do primeiro século, efetuadas por Nero (66-68) e por Domiciano (90-95) foram, não há dúvida, explosões de delírio e ódio, sem outro motivo, a não ser a ira de um tirano. Essas perseguições deram-se de forma esporádica e não se prolongavam por muito tempo. Entretanto, desde o ano 250 a 313 d.C. a igreja esteve sujeita a uma série sistemática e implacável de atentados governamentais em todo o império, a fim de esmagar a fé sempre crescente.
Desde o reinado de Trajano ao de Antonino Pio (98-161), o Cristianismo não era reconhecido, mas também não foi perseguido de modo severo. Sob o governo dos quatro imperadores Nerva, Trajano, Adriano e Antonino Pio (os quais, com Marco Aurélio, foram co­nhecidos como os “cinco bons imperadores”), nenhum cristão podia ser preso sem culpa definida e comprovada. O espírito da época inclinava-se a ignorar a religião cristã. Contudo, quando se formulavam acusações e os cristãos se recusavam a retratar-se, os governantes eram obrigados, contra a própria vontade, a pôr em vigor a lei e ordenar a execução. Alguns mártires proeminentes da fé executados nesse período foram os seguintes: Simeão (ou Simão; Marcos 6:3), o sucessor de Tiago, bispo da igreja em Jerusalém e, como aquele, era também irmão do Senhor. Diz-se que alcançou a idade de cento e vinte anos. Foi crucificado por ordem do governador romano na Palestina, no ano 107, durante o reinado de Trajano.
Inácio, bispo de Antioquia da Síria. Ele estava disposto a ser martirizado, pois durante a viagem para Roma escreveu cartas às igrejas manifestando o desejo de não perder a honra de morrer por seu Senhor. Foi lançado às feras no anfiteatro romano, no ano 108 ou 110. Apesar de a perseguição durante estes reinados não haver sido tão forte como a que se manifestou depois, contudo, registraram-se vários casos de martírios, além dos dois que já registramos.
O melhor dos imperadores romanos, e um dos mais eminentes escritores de ética, foi Marco Aurélio, que reinou de 161 a 180. Sua estátua equestre ainda existe diante as ruínas do Capitólio em Roma. Apesar de possuir tão boas qualidades como homem e governante justo, contudo foi acérrimo perseguidor dos cristãos. Ele procurou restaurar a antiga simplicidade da vida romana e com ela a antiga religião. Opunha-se, pois, aos cristãos por considerá-los inovadores. Milhares de crentes em Cristo foram decapitados e devorados pelas feras na arena. Entre a multidão de mártires desse período, desejamos mencionar apenas dois.
Policarpo, bispo de Esmirna, na Ásia Menor; morreu no ano 155. Ao ser levado perante o governador, e instado para abjurar a fé e negar o nome de Jesus, assim respondeu: “Oitenta e seis anos o servi, e somente bens recebi durante todo o tempo. Como poderia eu agora negar ao meu Senhor e Salvador?” Policarpo foi queimado vivo.
Justino Mártir era filósofo antes de se converter, e continuou, ensinando depois de aceitar o Cristianismo. Era um dos homens mais competentes de seu tempo, e um dos principais defensores da fé. Seus livros, que ainda existem, oferecem valiosas informações acerca da vida da igreja nos meados do segundo século. Seu mar­tírio deu-se em Roma, no ano 166.
Depois da morte de Marco Aurélio, no ano 180, seguiu-se em período de confusão. Os imperadores fra­cos e sem dignidade estavam demasiado ocupados com as guerras civis e com seus próprios prazeres, de modo que não lhes sobrava tempo para dar atenção aos cristãos. Entretanto, Septímio Severo, no ano 202, iniciou uma terrível perseguição que durou até à sua morte, no ano 211. Severo possuía uma natureza mórbida e melancólica; era muito rigoroso na execução da disciplina. Procurou, em vão, restaurar as religiões decadentes, do passado. Em todos os lugares havia perseguição contra a igreja; porém, onde ela se manifestou mais intensa foi no Egito e no norte da África. Em Alexandria, Leônidas, pai do grande teólogo Orígenes, foi decapitado. Perpétua, nobre mulher de Cartago, e Felicitas, sua fiel escrava, foram despedaçadas pelas feras, no ano 203. Tão cruel fora o espírito do imperador Septímio Severo, que era considerado por muitos escri­tores cristãos como o anticristo.
No governo dos numerosos imperadores que se seguiram em rápida sucessão, a igreja foi esquecida pelo período de quarenta anos. O imperador Caracala (211-217) confirmou a cidadania a todas as pessoas que não fossem escravas, em todo o império. Essa medida foi um benefício indireto para os cristãos, pois não podiam ser crucificados nem lançados às feras a menos que fossem escravos. Entretanto, no governo de Décio (249-251) iniciou-se outra terrível perseguição; felizmente seu governo foi curto e com sua morte cessou a perseguição durante algum tempo.
Com a morte de Décio seguiram-se mais de cinquenta anos de relativa calma, somente quebrada em alguns períodos por breves levantes contra os cristãos. Um desses períodos foi no tempo de Valeriano, no ano 257. O célebre Cipriano, bispo de Cartago, um dos maiores escritores e dirigentes da igreja desse período, foi morto, e bem assim o bispo romano Sexto.A última, a mais sistemática e a mais terrível de todas as perseguições deu-se no governo de Diocleciano e seus sucessores de 303 a 310. Em uma série de editos determinou-se que todos os exemplares da Bíblia fossem queimados. Ao mesmo tempo ordenou-se que todos os templos construídos em todo o império durante meio século de aparente calma, fossem destruídos. Além disso, exigiu-se que todos renunciassem ao Cristianismo e à fé. Aqueles que o não fizessem, perderiam a cidadania romana, e ficariam sem a proteção da lei.
Em alguns lugares os cristãos eram encerrados nos templos, e depois ateavam-lhe fogo, com todos os mem­bros no seu interior. Consta que o imperador Diocle­ciano erigiu um monumento com esta inscrição: “Em honra ao extermínio da superstição cristã”.[2]
Entretanto, setenta anos mais tarde o Cristianismo era a religião oficial do imperador, da corte e do impé­rio. Os imensos Banhos de Diocleciano, em Roma, foram construídos pelo trabalho forçado de escravos cristãos. Porém, doze séculos depois de Diocleciano, uma parte do edifício foi por Miguel Ângelo transformada em igreja de Sta. Maria dos Anjos, dedicada em 1561, e ainda hoje serve para adoração da igreja católico-romana. Diocleciano renunciou ao trono no ano 305, porém seus subordinados e sucessores, Galério e Constâncio, continuaram a perseguição durante seis anos. Constantino, filho de Constâncio, servindo como co-imperador, o qual nesse tempo ainda não professava o Cristianismo, expediu o memorável Edito de Tolerân­cia, no ano 313. Por essa lei o Cristianismo foi oficializado, sua adoração tornou-se legal e cessou a persegui­ção, para não mais voltar, enquanto durou o Império Romano.
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A IGREJA PERSEGUIDA

SEGUNDA PARTE
Formação do Cânon do Novo Testamento.
Desenvolvimento da Organização Eclesiástica.
Desenvolvimento da Doutrina.
Apesar de considerarmos as perseguições o fato mais importante da história da igreja, no segundo e terceiro séculos, contudo, a par desse acontecimento efetuaram-se grandes progressos no campo da oranização e vida da comunidade cristã. Vamos considerar alguns desses fatos.
Já vimos que os escritos do Novo Testamento foram terminados pouco depois do início do segundo século. Entretanto, a formação do Novo Testamento com os livros que o compõem, como cânon ou regra de fé com autoridade divina, não foi imediata. Nem todos os livros eram aceitos em todas as igrejas, como escritos inspira­dos. Alguns deles, especialmente Hebreus, Tiago, Se­gunda de Pedro e Apocalipse, eram aceitos no Oriente, porém durante muitos anos foram recusados no Oci­dente. Por outro lado, alguns livros que hoje não são aceitos como canônicos, eram lidos no Oriente. Entre esses livros contam-se os seguintes: Epístola de Barnabé, Pastor de Hermas, Ensinos dos Doze Apóstolos e o Apocalipse de Pedro.
Gradual e lentamente os livros do Novo Testamento, tal como hoje os usamos, conquistaram a proeminência de escrituras inspiradas, ao passo que os outros livros foram gradualmente postos de lado e rejeitados pelas igrejas. Os concílios que se realizavam de quando em quando, não escolheram os livros para formar o Cânon. Os concílios apenas ratificaram a escolha já feita pelas igrejas. Não é possível determinar-se a data exata do reconhecimento completo do Novo Testamento, tal como o usamos atualmente, porém sabe-se que não aconteu antes do ano 300. Qualquer pessoa que leia o “Novo Testamento Apócrifo”, e o compare com o conteúdo do Novo Testamento, notará imediatamente a razão por que tais livros foram recusados e não reconhecidos como canônicos.
Enquanto os primitivos apóstolos viveram, a reve­rência geral para com eles, como os companheiros esco­lhidos por Cristo, como fundadores da igreja e como homens dotados de inspiração divina, dava-lhes o lugar indiscutível de dirigentes da igreja até onde era necessário governá-la. Quando Lucas escreveu o livro dos Atos do Apóstolos, e Paulo as epístolas aos Filipenses e a Timóteo os títulos “bispos” e “anciãos” (presbíteros) eram dados livremente àqueles que serviam às igrejas. Entretanto, sessenta anos depois, isto é, cerca do ano 125, nota-se que os bispos estavam em toda parte, governando as igrejas, e cada um mandava em sua própria diocese, tendo presbíteros e diáconos sob suas ordens. O concílio de Jerusalém, no ano 50, era com­posto de “apóstolos e anciãos”, e expressavam a voz de toda a igreja, tanto dos ministros (se é que existiam, o que é duvidoso), como de todos os leigos. Porém, du­rante o período da perseguição seguramente depois do ano 150, os concílios eram celebrados e as leis eram ditadas somente pelos bispos. A forma episcopal de governo dominava universalmente. A história de então não explica as causas que conduziram a essa mudança de organização, contudo não é difícil descobri-las.
A perda de autoridade apostólica fez com que se realizassem eleições de novos dirigentes. Os fundado­res da igreja, Pedro, Paulo, Tiago, o irmão do Senhor, e João, o último dos apóstolos, haviam morrido sem dei­xarem homens iguais a eles, com a mesma capacidade que eles possuíam. Depois da morte dos apóstolos Pedro e Paulo, num período de cerca de cinquenta anos, a História da Igreja tem suas páginas em branco. As realizações de homens como Timóteo, Tito e Apolo são desconhecidas. Entretanto, na geração seguinte, surgem novos nomes como bispos com autoridade sobre várias dioceses.
O crescimento e a expansão da igreja foi a causa da organização e da disciplina. Enquanto as igrejas esta­vam dentro dos limites que tornavam possível receber a visita dos apóstolos, poucas autoridades eram necessárias. Porém, quando a igreja se expandiu para além dos limites do Império Romano, chegando até às fronteiras da índia, abarcando muitas nações e raças, então se julgou necessária a autoridade de um dirigente para suas diferentes secções.
A perseguição — um perigo comum — aproximou as igrejas umas das outras e exerceu influência para que elas se unissem e se organizassem. Quando os poderes do Estado se levantavam contra a igreja, sentia-se, então, a necessidade de uma direção eficiente.
Apareciam, pois, os dirigentes para a ocasião. Essa situação durou sete gerações e fez com que a forma de governo se estabelecesse em caráter permanente.
O aparição de seitas e heresias na igreja impôs, tam­bém, a necessidade de se estabelecerem alguns artigos de fé, e, com eles, algumas autoridades para executá-los.
Veremos, neste capítulo, algumas divisões de caráter doutrinário que ameaçaram a existência da própria igreja. Notaremos, também, como as contro­vérsias sobre elas suscitaram o imperativo disciplinar para se impor aos herejes e manter a unidade da fé.
Ao inquirir-se por que foi adotada essa forma de governo, isto é, um governo hierárquico, em lugar de um governo exercido por um ministério em condições da igualdade, descobrimos que, por analogia, o sistema de governo imperial serviu de modelo usado no desen­volvimento da igreja. O Cristianismo não se iniciou em uma república na qual os cidadãos escolhiam os gover­nantes, mas surgiu em um império governado por auto­ridades. Eis por que quando era necessário algum go­verno para a igreja, surgia a forma autocrática, isto é, o governo de bispos, aos quais a igreja se submetia, por estar acostumada à mesma forma de governo do Estado. Convém notar que durante todo o período que estamos considerando, nenhum bispo reclamou para si a autoridade de bispo universal — autoridade sobre outros bispos — como mais tarde o fez o bispo de Roma.
Outra característica que distingue esse período é, sem dúvida, o desenvolvimento da doutrina. Na era apostólica a fé era do coração, uma entrega pessoal da vontade a Cristo como Senhor e Rei. Era uma vida de acordo com o exemplo da vida de Jesus, e como resul­tado o Espírito Santo morava no coração. Entretanto, no período que agora focalizamos, a fé gradativamente passara a ser mental, era uma fé do intelecto, fé que acreditava em um sistema rigoroso e inflexível de dou­trinas. Toda a ênfase era dada à forma de crença, e não à vida espiritual interna. As normas de caráter cristão eram aindas elevadas, e a igreja possuía ainda muitos santos enriquecidos pelo Espírito Santo, porém a dou­trina pouco a pouco se transformava em prova do Cris­tianismo. O Credo Apostólico, a mais antiga e mais simples declaração da crença cristã, foi escrito durante esse período. Apareceram, nessa época, três escolas teológicas. Uma em Alexandria, outra na Ásia Menor e ainda outra no norte da África. Essas escolas foram estabelecidas para instruir aqueles que descendiam de famílias pagãs, e que haviam aceitado a fé Cristã. En­tretanto, não tardou que tais escolas se transformassem em centros de investigação das doutrinas da igreja. Grandes mestres ensinavam nessas escolas.
A escola de Alexandria foi fundada no ano 180, por Panteno, que fora filósofo destestado na escola dos es­tóicos; porém, como cristão, era fervoroso em espírito e eloquente no ensino oral. Apenas alguns fragmentos de seus ensinos sobrevivem. Panteno foi sucedido por Clemente de Alexandria (que viveu em 150-215 apro­ximadamente), e vários de seus livros, (a maioria deles defendendo o cristianismo contra o paganismo) ainda existem. Entretanto, o maior vulto da escola de Ale­xandria, o expositor mais competente daquele período, foi Orígenes (185-254) o qual ensinou e escreveu sobre muitos temas, demonstrando possuir profundo saber e poder intelectual.
A escola da Ásia Menor não estava localizada em um determinado centro, mas consistia em um grupo de mestres e escritores de teologia. Seu mais expressivo representante foi Ireneu, que “combinou o zelo de evangelista com a habilidade de escritor consumado”. Nos últimos anos de sua vida, mudou-se para a França, onde chegou a ser bispo e por volta do ano 200 morreu como mártir.
A escola do norte da África estava estabelecida na cidade de Cartago. Mediante um elevado número de escritores e teólogos competentes fez mais do que as outras em favor do Cristianismo, no sentido de dar forma ao pensamento teológico da Europa. Os dois nomes de maior expressão que passaram por essa escola foram os do brilhante e fervoroso Tertuliano (160-220) e o do mais conservador, porém hábil e com­petente bispo Cipriano, o qual morreu como mártir na perseguição de Décio, no ano 258.
Os escritos desses eruditos cristãos, e bem assim os de muitos outros que com eles trabalharam e por eles foram inspirados, serviram de inestimável fonte de informações originais acerca da igreja, sua vida, suas doutrinas e suas relações com o mundo pagão que a cercava, durante os séculos de perseguição.
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A IGREJA PERSEGUIDA, 100-313

TERCEIRA PARTE
O Aparecimento de Seitas e Heresias. A Condição da Igreja.
Juntamente com o desenvolvimento da doutrina teo­lógica, desenvolviam-se também as seitas, ou como lhes chamavam, as heresias na igreja cristã. Enquanto a igreja era judaica em virtude de seus membros, e até mesmo depois, quando era orientada por homens do tipo judeu como Pedro e até mesmo Paulo, havia apenas uma leve tendência para o pensamento abstrato e especulativo. Entretanto, quando a igreja em sua maioria se compunha de gregos, especialmente de gregos místicos e desiquilibrados da Ásia Menor, apareceram opiniões e teorias estranhas, de toda sorte, as quais se desenvolveram rapidamente na igreja. Os cristãos do segundo e terceiro séculos lutaram não só contra as perseguições do mundo pagão, mas também contra as heresias e doutrinas corrompidas, dentro do próprio rebanho. Neste comentário consideraremos apenas algumas das mais importantes seitas desse período.
Os gnósticos (do grego “gnosis”, “sabedoria”) não são fáceis de definir, por serem demasiado variadas suas doutrinas, que diferiam de lugar para lugar, nos diversos períodos. Surgiram na Ásia Menor — foco de idéias fantásticas — e eram como que um enxerto do Cristia­nismo no paganismo. Eles criam que do Deus supremo emanava um grande número de divindades inferiores, algumas benéficas e outras malignas. Criam que por meio dessas divindades, o mundo foi criado com a mistura do bem e do mal, e que em Jesus Cristo, como uma dessas “emanações”, a natureza divina morou du­rante algum tempo. Igualmente interpretavam as Es­crituras de forma alegórica, de modo que cada declara­ção das Escrituras significava aquilo que ao intérprete parecesse mais acertado. Os gnósticos progrediram du­rante todo o segundo século, cessando suas atividades com o término do século.
Os ebionitas (palavra hebraica que significa “pobre”) eram judeus-cristãos que insistiam na observância da lei e dos costumes judaicos. Rejeitaram as cartas do apóstolo Paulo, porque nessas epístolas Paulo reconhecia os gentios convertidos como cristãos. Os ebionitas eram considerados apóstatas pelos judeus não-cristãos, mas também não contavam com a simpatia dos cristãos-gentios, os quais, depois do ano 70, constituíam a maioria na igreja. O ebionitas diminuíram, gradual­mente, no segundo século.
Os maniqueus, de origem persa, foram chamados por esse nome, em razão de seu fundador ter o nome de Mani, o qual foi morto no ano 276, por ordem do governo persa. O ensino dos maniqueus dava ênfase a este fato: “O universo compõe-se do reino das trevas e do reino da luz e ambos lutam pelo domínio da natureza e do próprio homem.” Recusavam a Jesus, porém criam em um “Cristo celestial”. Eram severos quanto à obediência ao ascetismo, e renunciavam ao casamento. Os maniqueus foram perseguidos tanto por imperadores pagãos, como também pelos cristãos. Agostinho, o maior teólogo da igreja, era maniqueu, antes de se converter.
Os montanistas, assim chamados por causa do seu fundador se chamar Montano, quase não podem ser incluídos entre as seitas hereges, apesar de seus ensi­nos haveram sido condenados pela igreja. Os montanistas eram puritanos, e exigiam que tudo voltasse à sim­plicidade dos primitivos cristãos. Eles criam no sacerdócio de todos os verdadeiros crentes, e não nos cargos do ministério. Observavam rígida disciplina na igreja. Consideravam os dons de profecia como um privilégio dos discípulos. Tertuliano, um dos principais entre os Pais da Igreja, aceitou as idéias dos montanistas e escreveu em favor deles.
Acerca dessas seitas, consideradas como heresias, a dificuldade em compreendê-las ou julgá-las está no fato de que (com exceção dos montanistas, e até mesmo estes, até certo ponto) seus escritos desapareceram. Para formar nossa opinião acerca deles, dependemos exclusivamente daqueles que contra eles escreveram, e todos sabemos que escreveram inspirados pelo interesse da causa que defendiam; não eram imparciais. Suponhamos, por exemplo, que a denominação meto­dista desaparecesse, com todos os seus escritos; e que mil anos mais tarde, estudiosos procurassem conhecer seus ensinos pesquisando os livros e panfletos comba­tendo John Wesley, publicados durante o século dezoito. Como seriam erradas suas conclusões, e, que versão distorcida do metodismo apresentariam!
Vamos agora, procurar descobrir a condição da igreja durante os séculos de perseguição, especialmente no término, no ano 313.
Um dos efeitos produzidos pelas provações por que passaram os cristãos desse período, foi uma igreja purificada. As perseguições conservavam afastados todos aqueles que não eram sinceros em sua confissão de fé. Ninguém se unia à igreja para obter lucros ou popularidade. Os fracos e os de coração dobre abandonavam a igreja. Somente aqueles que estavam dispostos a ser fiéis até à morte, se tornavam publicamente seguidores de Cristo. A perseguição cirandou a igreja, separando o joio do trigo.
De modo geral, nessa época, o ensino da igreja estava unificado. Tratava-se de uma comunidade de muitos milhões de pessoas, espalhadas em muitos países, incluindo muitas raças e falando vários idiomas. Apesar de tudo isso, tinham a mesma fé. As várias seitas surgiram, floresceram e pouco a pouco desapareceram. As controvérsias revelaram a verdade e até mesmo alguns movimentos heréticos deixaram atrás de si algumas verdades que enriqueceram o “depósito” da igreja. Apesar da existência de seitas e cismas, o Cristianismo do império e dos países vizinhos estava unido na doutrina, nos costumes e no espírito.
Era uma igreja inteiramente organizada. Já descre­vemos o sistema de organização na era apostólica. No terceiro século a igreja já estava dividida em dioceses, controlando as rédeas do governo, com mãos firmes. A igreja era um exército disciplinado e unido, sob uma direção competente. Dentro do império romano exte­riormente organizado, mas interiormente em decadên­cia, havia “outro” império de vida abundante e de poder sempre crescente, que era a igreja cristã.
A igreja multiplicava-se. Apesar das perseguições, ou talvez por causa delas, a igreja crescia com rapidez assombrosa. Ao findar-se o período de perseguição, a igreja era suficientemente numerosa para constituir a instituição mais poderosa do império. Gibbon, historia­dor dessa época, calculou que os cristãos, ao término da perseguição, eram pelo menos a décima parte da população. Muitos escritores aceitaram as declarações de Gibbon, apesar de não serem muito certas. Porém, o assunto foi recentemente cuidadosamente investigado e a conclusão a que os estudiosos chegaram, foi esta: O número de membros da igreja e seus aderentes chegou a vários milhões sob o domínio de Roma. Uma prova das mais evidentes desse fato foi descoberta nas catacumbas de Roma, túneis subterrâneos de vasta extensão, que durante dois séculos foram os lugares de refúgio e reunião, e de cimitério dos cristãos. As sepulturas dos cristãos nas catacumbas, segundo o demonstram as inscrições e símbolos sobre elas, conforme cálculos de alguns, sobem a milhões. Acrescente-se a esses milhões muitos outros que não foram sepultados nas catacumbas, e veja-se então quão elevado deve ter sido o número de cristãos em todo o Império Romano.
ESBOÇO DOS CAPÍTULOS 9-11
TERCEIRO PERÍODO GERAL
A IGREJA IMPERIAL.
Desde o Edito de Constantino, 313 d.C. Até à Queda de Roma, 476 d.C.
I. A VITORIA DO CRISTIANISMO. (Capítulo 9)
1.  Constantino o Primeiro Imperador Cristão.
2.  Bons Resultados para a Igreja.
a.  Fim da Perseguição.
b.  Igrejas Restauradas.
c.  Fim dos Sacrifícios Pagãos.
d. Dedicação de Templos Pagãos ao Culto Cristão.
e.  Doações às Igrejas.
f.  Privilégios Concedidos ao Clero.
g.  Proclamado o Domingo Dia de Descanso.
3.  Alguns Bons Resultados para o Estado.
a.  Crucificação Abolida.
b.  Repressão do Infanticídio.
c.  Influência no Tratamento dos Escravos.
d.  Proibição dos Jogos dos Gladiadores
4.  Alguns Maus Resultados da Vitória Cristã.
a.  Todos na Igreja.
b.  Costumes Pagãos Introduzidos na Igreja.
c.  A Igreja se Faz Mundana.
d.  Males Resultantes da União da Igreja com o Estado.
II.  FUNDAÇÃO DE CONSTANTINOPLA
(Capí­tulo 10).
1.  A Necessidade de uma Nova Capital.
2.  Sua Posição Geográfica.
3.  A Capital e a Igreja.
4.  A Igreja de Santa Sofia.
III. DIVISÃO DO IMPÉRIO. (Capítulo 10).
IV.  SUPRESSÃO DO PAGANISMO. (Capítulo 10).
1.  Constantino Tolerante.
2.  Seus Sucessores Intolerantes.
a.  Confiscação das Doações aos Templos Pa­gãos.
b.  A Repressão do Infanticídio.
c.  Muitos Templos Pagãos Destruídos.
d.  Destruição dos Escritos Anti-Cristãos.
e.  Proibida a Adoração de ídolos.
V. CONTROVÉRSIAS E CONCÍLIOS (Capítulo 10).
1.  Arianismo — A Doutrina da Trindade.
2. A Heresia Apolinária — A Natureza de Cristo.
3.  0 Pelagianismo — 0 Pecado e a Salvação.
VI.  O NASCIMENTO DO MONACATO (Capítulo 10).
1.  Sua Origem
2.  Seu Fundador
3.  Os Santos e as Colunas
4.  O Monacato na Europa
VII.  DESENVOLVIMENTO  DO  PODER  NA IGREJA ROMANA (Capítulo 11).
Causas:
1.  Semelhança com o Governo Imperial.
2.  A Afirmação da Sanção Apostólica.
3.  O Caráter da Igreja Romana.
a.  Os Bispos de Roma.
b.  A Igreja em Roma.
4. A Mudança da Capital.
VIII. A QUEDA DO IMPÉRIO ROMANO OCI­DENTAL (Capítulo 11).
1.  Causas de sua Ruína.
a.  Cobiçadas as Riquezas do Império.
b.  O Despreparo das Legiões Romanas.
c.  O Império Debilitado pelas Guerras Civis.
d.  O Movimento das Tribos Asiáticas.
2.  As Tribos Invasoras.
a.  Os Visigodos, 376 d.C.
b.  Os Vândalos, 406.
c.  Os Francos, 420.
d.  Os Anglos-Saxões, 440.
e.  Os Hunos, 450.
3.  A Queda de Roma, 476 d.C.
4.  A Igreja e os Bárbaros.
IX. DIRIGENTES DO PERlODO. (Capítulo 11).
1.  Atanásio, 293-373
2.  Ambrósio de Milão, 340-397
3. João Crisóstomo, 345407
4.  Jerónimo, 340-420
5.  Agostinho, 354430
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A IGREJA IMPERAL

TERCEIRO PERÍODO GERAL
Desde o Edito de Constantino, 313.
Até à Queda de Roma, 476.
Vitória do Cristianismo.
No período que agora vamos tratar, o fato mais notável, e também o mais influente, tanto para o bem como para o mal, foi a vitória do Cristianismo. No ano 305, quando Diocleciano abdicou o trono imperal, a religião cristã era terminantemente proibida, e aqueles que a professassem eram castigados com torturas e morte. Contra o Cristianismo estavam todos os poderes do Estado. Entretanto, menos de oitenta anos depois, em 380, o Cristianismo foi reconhecido como religião oficial do Império Romano, e um imperador cristão exercia autoridade suprema, cercado de uma corte formada de cristãos professos. Dessa forma passaram os cristãos, de um momento para o outro, do anfiteatro romano onde tinham de enfrentar os leões, a ocupar lugares de honra junto ao trono que governava o mundo!
Logo após a abdicação de Diocleciano, no ano 305, quatro aspirantes à coroa estavam em guerra. Os dois rivais mais poderosos eram Maxêncio e cujos exércitos se enfrentaram na ponte Múvia sobre o Tibre, a dezesseis quilômetros de Roma, no ano 312. Constantino era favorável aos cristãos, apesar de ainda não se confessar como tal. Ele afirmou ter visto no céu uma cruz luminosa com a seguinte inscrição: “In Hoc Signo Vinces” (por este sinal vencerás), e mais tarde, adotou essa inscrição como insígnia do seu exército. A vitória entre Constantino e Maxêncio pertenceu ao primeiro, sendo que Maxêncio morreu afogado no rio Tibre. Pouco tempo depois, em 313, Constantino pro­mulgou o famoso Edito de Tolerância, que oficialmente terminou com as perseguições. Somente no ano 323 foi que Constantino alcançou o posto supremo de impera­dor, e o Cristianismo foi então favorecido. O caráter de Constantino não era perfeito. Apesar de ser conside­rado justo, de um modo geral, contudo, ocasionalmente era cruel e tirano. Dizia-se que “a realidade do seu cristianismo era melhor do que a sua qualidade”. Ele retardou o ato de seu batismo até às vésperas da morte, julgando que o ato do batismo lavava todos os pecados cometidos anteriormente, idéia que prevalecia entre os cristãos, naquela época. Se Constantino não foi um grande cristão, foi, sem dúvida, um grande político, pois teve a idéia de unir-se ao movimento que dominaria o futuro de seu império.
Da repentina mudança de relações entre o império e a igreja surgiram resultados de alcance mundial. Alguns úteis e outros danosos, tanto para a igreja como para o Estado. É fácil de verificar em que sentido a nova ati­tude do governo benificiou a causa do Cristianismo.
Cessaram, como já dissemos, todas as perseguições, para sempre. Durante duzentos anos antes, em nenhum momento os cristãos estiveram livres de perigos, acusações e morte. Entretanto, desde a publicação do Edito de Constantino, no ano 313, até ao término do império, a espada foi não somente embainhada; foi en­terrada.
Os templos das igrejas foram restaurados e novamente abertos em toda parte. No período apostólico celebravam-se reuniões em casas particulares e em salões alugados. Mais tarde, nos períodos em que cessa­vam as perseguições, construíam-se templos para as igrejas. Na última perseguição, durante o tempo de Diocleciano, alguns desses templos foram destruídos e outros confiscados pelas autoridades. Todos os templos que ainda existiam quando Constantino subiu ao poder, foram restaurados e aqueles que tinham sido destruí­dos, foram pagos pelas cidades em que estavam. A partir dessa época os cristãos gozaram de plena liberdade para edificar templos que começaram a ser ergui­dos, por toda parte. Esses templos tinham a forma e tomavam o nome da “basílica” romana ou salão da corte, isto é, um retângulo dividido por filas de colunas, tendo na extremidade uma plataforma semicircular com as­sentos para os clérigos. O próprio Constantino deu o exemplo mandando construir templos em Jerusalém, Belém, e na nova capital, Constantinopla. Duas gerações após, começaram a aparecer as imagens nas igrejas. Os cristãos primitivos tinham horror a tudo que pudesse conduzir à idolatria.
Nessa época a adoração pagã ainda era tolerada, porém haviam cessado os sacrifícios oficiais. O fato significativo de uma mudança tão rápida e tão radical em costumes que estavam intimamente ligados a todas as manifestações cívicas e sociais prova que os costumes pagãos eram então mera formalidade e não expressa­vam a crença das pessoas inteligentes.
Em muitos lugares os templos pagãos foram dedicados ao culto cristão. Esses fatos sucediam principalmente nas cidades, enquanto nos pequenos lugares a crença e a adoração pagãs perduraram durante gera­ções. A palavra “pagão”, originalmente significava “morador do campo”. Mais tarde, porém, passou a sig­nificar, um idólatra, que não pratica a verdadeira ado­ração.
Em todo o império os templos dos deuses do paga­nismo eram mantidos pelo tesouro público, mas, com a mudança que se operara, esses donativos passaram a ser concedidos às igrejas e ao clero cristãos. Em pequena escala a princípio, mas logo depois de maneira generalizada e de forma liberal, os dinheiros públicos foram enriquecendo as igrejas, e os bispos, os ministros, todos os funcionários do culto cristão eram pagos pelo Estado. Era uma dádiva bem recebida pela igreja, porém, de benefício duvidoso.
Ao clero foram concedidos muitos privilégios, nem sempre dados pela lei do império, mas por costume, que pouco depois se transformava em lei. Os deveres cívicos obrigatórios para todos os cidadãos, não se exigiam dos clérigos; estavam isentos de pagamento de impostos. As causas em que estivessem envolvidos os clérigos, eram julgadas por cortes eclesiásticas e não civis. Os ministros da igreja formavam uma classe privilegiada acima da lei do país. Tudo isso foi, também, um bem imediato que se transformou em prejuízo tanto para o Estado como para a igreja.
O primeiro dia da semana (domingo) foi proclamado como dia de descanso e adoração, e a observância em breve se generalizou em todo o império. No ano 321, Constantino proibiu o funcionamento das cortes e tribunais aos domingos, exceto em se tratando de libertar os escravos. Os soldados estavam isentos de exercícios militares aos domingos. Mas os jogos públicos continuaram a realizar-se aos domingos o que o tornava mais um feriado que um dia santo.
Como se vê, do reconhecimento do Cristianismo como religião preferida surgiram alguns bons resulta­dos, tanto para o povo como para a igreja. O espírito da nova religião foi incutido em muitas ordens decretadas por Constantino e seus sucessores imediatos.
A crucificação foi abolida. Note-se que a crucificação era uma forma comum de castigo para os criminosos, exceto para os cidadãos romanos, os únicos que tinham direito a ser decapitados, se fossem condenados à morte. Porém a cruz, emblema sagrado para os cristãos, foi adotada por Constantino, como distintivo de seu exército e foi proibida como instrumento de morte.
O infanticídio foi reprimido. Na história de Roma e suas províncias, era fato comum que qualquer criança que não fosse do agrado do pai, podia ser asfixiada ou “abandonada” para que morresse. Algumas pessoas dedicavam-se a recolher crianças abandonadas; criavam-nas e depois vendiam-nas como escravos. A influência do Cristianismo imprimiu um sentido sagrado à vida humana, até mesmo à das crianças, e fez com que o infanticídio fosse banido do império.
Através de toda a história da república e do Império Romano antes que o Cristianismo chegasse a dominar, mais da metade da população era escrava, sem ne­nhuma proteção legal. Qualquer senhor podia matar os escravos que possuía, se o desejasse. Durante o domí­nio de um dos primeiros imperadores, um rico cidadão romano foi assassinado por um de seus escravos. Segundo a lei, como castigo todos os trezentos escravos daquele cidadão foram mortos, sem levar-se em consideração o sexo, a idade, a culpa ou a inocência. Entretanto, a influência do Cristianismo tornou mais humano o tratamento dado aos escravos. Foram-lhes outorga­dos direitos legais que antes não possuíam. Podiam, de acordo com a lei, acusar seu amo de tratamento cruel, e a emancipação foi assim sancionada e fomentada. Dessa forma as condições dos escravos foram melhoradas e a escravidão foi gradativamente abolida.
As lutas de gladiadores foram proibidas. Essa lei foi posta em vigor na nova capital de Constantino, onde o hipódromo jamais foi contaminado por homens que se matassem uns aos outros para prazer dos espectadores. Contudo, os combates ainda continuaram no anfiteatro romano até ao ano 404, quando o monge Telêmaco inva­diu a arena e tentou apartar os gladiadores. O monge foi assassinado, porém, desde então, cessou a matança de homens para prazer dos espectadores.
Apesar de os triunfos do Cristianismo haverem proporcionado boas coisas ao povo, contudo a sua aliança com o Estado, inevitavelmente devia trazer, como de fato trouxe, maus resultados para a igreja. Se o término da perseguição foi uma bênção, a oficialização do Cristianismo como religião do Estado foi, não há dúvida, maldição.
Todos queriam ser membros da igreja e quase todos eram aceitos. Tanto os bons como os maus, os que buscavam a Deus e os hipócritas buscando vantagens, todos se apressavam em ingressar na comunhão.
Homens mundanos, ambiciosos e sem escrúpulos, todos desejavam postos na igreja, para, assim, obterem  influência social e política. O nível moral do Cristanismo no poder era muito mais baixo do que aquele que des­tinguia os cristãos nos tempos de perseguição.
Os cultos de adoração aumentaram em esplendor, é certo, porém eram menos espirituais e menos sinceros do que no passado. Os costumes e as cerimônias do paganismo foram pouco a pouco infiltrando-se nos cul­tos de adoração. Algumas das antigas festas pagãs foram aceitas na igreja com nomes diferentes. Cerca do ano 405 as imagens dos santos e mártires começaram a aparecer nos templos, como objetos de reverência, ado­ração e culto. A adoração à virgem Maria substituiu a adoração a Vênus e a Diana. A Ceia do Senhor tornou-se um sacrifício em lugar de uma recordação da morte do Senhor. O “ancião” evoluiu de pregador a sacerdote.
Como resultado da ascenção da igreja ao poder, não se vê os ideais do Cristianismo transformando o mundo; o que se vê é o mundo dominando a igreja. A humildade e a santidade da igreja primitiva foram substituídas pela ambição, pelo orgulho e pela arrogância de seus membros. Havia, é certo, ainda alguns cristãos de espí­rito puro, como Mônica, a mãe de Agostinho, e bem assim havia ministros fiéis como Jerônimo e João Crisóstomo. Entretanto, a onda de mudanismo avançou, e venceu a muitos que se diziam discípulos do humilde Senhor.
Se tivesse sido permitido ao Cristianismo desenvolver-se normalmente, sem o controle do Estado, e se o Estado se tivesse mantido livre da ditadura da igreja, tanto um quanto a outra teriam sido mais felizes. Porém a igreja e o Estado tornaram-se uma só entidade quando o Cristianismo foi adotado como religião do império, e dessa união inatural surgiram males sem conta nas províncias orientais e ocidentais. No Oriente, o Estado dominava de tal modo a igreja, que esta perdeu todo o poder que possuía. No Ocidente, como veremos adiante, a igreja, pouco a pouco, usurpou o poder secular e o resultado não foi Cristianismo, e, sim, o estabelecimento de uma hierarquia mais ou menos corrompida que dominava as nações da Europa, fazendo da igreja uma máquina política.
10

A IGREJA IMPERIAL

SEGUNDA PARTE
Fundação de Constantinopla. Divisão do Império
Supressão do Paganismo. Constrovérsias e
Concílios. Nascimento do Monacato.
Logo após haver sido o Cristianismo elevado à condi­ção de religião do Império Romano, uma nova capital foi escolhida, construída e estabelecida como sede da autoridade do Império, fato que deu motivo a grandes acon­tecimentos tanto para a igreja como para o Estado.
O imperador Constantino compreendeu que a cidade de Roma estava intimamente ligada à adoração pagã, cheia templos e estátuas, e o povo inclinado à antiga forma de adoração;enfim, uma cidade dominada pelas tradições do paganismo. Além disso, a posição geográfica de Roma, em meio a imensas planícies, deixava-a exposta aos ataques dos inimigos. Em épocas primitivas da república, a cidade, mais de uma vez, fora cercada por exércitos estrangeiros. Mais tarde também fora cercada por exércitos das províncias que várias vezes destronaram e entronizaram impera­dores. O sistema de governo organizado por Diocle­ciano, e continuado por Constantino, não dava lugar para nenhuma parcela de autoridade do senado romano. Os imperadores possuíam agora poderes ilimitados, e Constantino desejava uma capital sem os laços da tradi­ção, uma capital sob os auspícios da nova religião.
Constantino demonstrou alta sabedoria ao escolher a nova capital. O local escolhido foi Bizâncio, cidade grega, cuja existência contava cerca de mil anos, e estava situada no ponto de contacto entre a Europa e a Ásia, onde os dois continentes estão separados pelo dois estreitos: ao norte o Bósforo e ao sul o Helesponto (atualmente Dardanelos), que, juntos, tinham noventa e seis quilômetros de comprimento, e em quase toda a extensão menos de um quilômetro de largura, com ex-ceção de alguns trechos em que alcança cinco ou seis quilômetros. A situação dessa cidade estava tão bem fortificada pela natureza que, durante mais de vinte e cinco séculos de história, raras vezes foi conquistada por seus inimigos, ao passo que a sua rival, a cidade de Roma, várias vezes fora saqueada e vencida. Em Bi­zâncio, Constantino estabeleceu a capital, e planejou a construção da grande cidade mundialmente conhecida durante muitos anos por Constantinopla, a cidade de Constantino, atualmente Istambul.
Na nova capital, o imperador e o patriarca (esse foi o título que posteriormente recebeu o bispo de Constan­tinopla), viviam em harmonia. A igreja era honrada e considerada, porém eclipsada pela autoridade do trono. Em razão da presença e do poder do imperador e bem assim pela índole submissa e dócil do povo, a igreja, no Império Oriental, tornou-se escrava do Estado, apesar de alguns patriarcas, como João Crisóstomo, afirma­rem sua independência.
Na nova capital não havia templos dedicados aos ídolos, porém não tardou que se edificassem várias igrejas. A maior de todas ficou conhecida como a de Santa Sofia, “Sabedoria Sagrada”. Foi edificada por ordem de Constantino. Algum tempo depois foi des­truída por um incêndio, mas reconstruída pelo impera­dor Justiniano (ano 537), com tanta magnificência, que sobrepujou todos os templos da época. Esse templo, durante onze séculos foi considerado como a catedral do Cristianismo, até o ano de 1453, quando a cidade foi tomada pelos turcos. Logo após, o templo foi transformado em mesquita, até depois da Segunda Guerra Mundial.
Logo depois da fundação da nova capital, deu-se a divisão do império. As fronteiras eram demasiado ex­tensas e o perigo de invasão dos bárbaros era tão grande, que um imperador sozinho já não podia prote­ger seus vastos domínios. Diocleciano havia iniciado a divisão de autoridade no ano 305. Constantino também nomeou imperadores aliados. No ano de 395, Teodósio completou a separação. Desde o governo de Teodósio, o mundo romano foi dividido em Oriental e Ocidental, separados pelo Mar Adriático. O Império Oriental era denominado Grego, ao passo que o Ocidental era cha­mado Latino, em razão do idioma que prevalecia em cada um deles. A divisão do império foi um presságio da futura divisão da igreja.
Um dos fatos mais notáveis da História foi a rápida transformação de um vasto império, de pagão que era, para cristão. Aparentemente, no início do quarto sé­culo, os antigos deuses estavam arraigados na reverên­cia do mundo romano; porém, antes que se iniciasse o quarto século, os templos haviam sido abandonados à própria ruína, ou então haviam sido transformados em templos cristãos. Os sacrifícios e as libações haviam cessado, e, oficialmente, o Império Romano era cristão. Vejamos como o paganismo caiu do elevado conceito que gozava.
Constantino era tolerante, tanto por temperamento como por motivos políticos, apesar de ser enfático no reconhecimento da religião cristã. Não sancionava ne­nhum sacrifício às imagens que antes eram adoradas, e determinou que cessassem as oferendas à estátua do imperador. Contudo, favorecia a tolerância para com todas as formas de religião, e procurava conversão gra­dativa do povo ao Cristianismo, mediante a evangeliza­ção, e não por decretos. Conservou alguns títulos pa­gãos do imperador, como o de “pontifex maximus”, sumo pontífice, título conservado por todos os papas desde esse tempo. Também manteve as virgens, as vestais, em Roma.
Entretanto, os sucessores de Constantino mostraram-se intolerantes. A conversão dos pagãos crescia rapidamente, demasiado rapidamente, para o bem-estar da igreja. Contudo, os primeiros imperado­res cristãos que sucederam a Constantino procuraram acelerar ainda mais o movimento de conversões, me­diante uma série de leis drásticas e opressoras. Todas as ofertas dadas aos templos pagãos ou aos seus sacer­dotes foram confiscadas e quase todas transferidas para os templos cristãos. Os sacrifícios e ritos de adoração pagãos foram proibidos, e a sua prática era considerada ofensa punida por lei. Logo após o reinado de Constan­tino, seu filho decretou a pena de morte e o confisco de propriedade, para todos os adoradores de ídolos. O paganismo, na geração que antecedeu a sua extinção, teve alguns mártires; contudo, muito poucos em con­fronto com os mártires do Cristianismo cuja persegui­ção durou dois séculos.
Muitos templos pagãos já tinham sido dedicados ao Cristianismo; e depois de alguns anos, foi ordenado que aqueles que ainda restavam fossem demolidos a não ser que se considerassem úteis para a adoração cristã. Um decreto proibia que se falasse ou escrevesse contra a religião cristã, e determinou-se que todos os livros contrários fossem queimados. O resultado desse de­creto foi que o único conhecimento que temos das seitas hereges ou anticristãs é obtido nos livros escritos con­tra elas. A execução dessas leis repressivas variava de intensidade nas diversas partes do império. Contudo, seu efeito extinguiu o paganismo no decorrer de três ou quatro gerações.
Logo que o longo conflito do Cristianismo com o pa­ganismo terminou em vitória daquele, surgiu uma nova luta, uma guerra no campo do pensamento, uma série de controvérsias dentro da igreja, acerca de doutrinas. Enquanto a igreja lutava para sua própria sobrevivên­cia contra a perseguição, conservou-se unida, apesar dos rumores de dissensões doutrinárias. Entretanto, quando a igreja se viu a salvo e no poder, surgiram acalorados debates acerca de suas doutrinas, e tão fortes se mostravam, que lhe abalavam os fundamentos. Durante esse período, surgiram três grandes controvérsias, além de outras de menor importância. A fim de resolver essas questões, convocavam-se concílios de toda a igreja. Nesses concílios somente os bispos ti­nham direito a voto. Todos os demais clérigos e leigos deviam submeter-se às decisões que aqueles tomassem. A primeira controvérsia apareceu por causa da doutrina da Trindade, especialmente em relação ao Pai e ao Filho.
Ário, presbítero de Alexandria, mais ou menos no ano 318, defendeu a doutrina que considerava Jesus Cristo como superior à natureza humana, porém inferior a Deus; não admitia a existência eterna de Cristo; pregava que Cristo teve princípio. O principal opositor dessa doutrina foi Atanásio, também de Alexandria. Atanásio afirmava a unidade do Filho com o Pai, a divindade de Cristo e sua existência eterna. A contenda estendeu-se a toda a igreja. Depois de Constantino haver feito tudo para solucionar a questão, sem obter êxito, convocou, então, um concílio de bispos, o qual se reuniu em Nicéia, Bitínia, no ano 325. Atanásio, que então era apenas diácono, teve direito a falar, mas não a voto. Apesar dessa circunstância, conseguiu que a maioria do concílio condenasse as doutrinas de Ário, no credo de Nicéia. Contudo, Ário estava politicamente bem amparado. Suas opiniões eram sustentadas por muitos membros influentes pertencentes às classes elevadas, inclusive pelo filho e sucessor de Constantino. Por essa razão foi Atanásio cinco vezes exilado, e o mesmo número de vezes trazido do desterro. Quando um amigo de Atanásio lhe disse: “Atanásio, o mundo está contra ti”, ele respondeu: “Assim seja — Atanásio contra o mundo.” Os últimos sete anos, Atanásio passou-os em Alexandria, onde morreu no ano 373. Suas idéias, muito depois de sua morte, foram vitoriosas e aceitas por toda a igreja, tanto no Oriente como no Ocidente. Foram consubstanciadas no Credo de Atanásio, que durante algum tempo se acreditava haver sido escrito por ele, porém mais tarde descobriu-se que outra pessoa o escreveu.
Posteriormente apareceu outro cisma acerca da na­tureza de Cristo. Apolinário, bispo de Laodicéia (ano 360), declarou que a natureza divina tomou o lugar da natureza humana de Cristo. Que Jesus, na terra, não era homem, era Deus em forma humana. A maioria dos bispos e dos teólogos sustentavam que a Pessoa de Jesus Cristo era uma união de Deus e homem, divin­dade e humanidade em uma natureza. A heresia apolinária foi condenada pelo Concílio de Constantinopla, no ano 381, o que deu motivo a Apolinário afastar-se da igreja.
A única controvérsia prolongada desse período, sur­gida na igreja ocidental, foi a que dizia respeito ao pecado e à salvação. Teve origem com Pelágio, monge que foi da Grã-Bretanha para Roma, cerca do ano 410. Sua doutrina declarava que nós não herdamos as ten­dências pecaminosas de Adão mas que a alma faz a sua própria escolha, seja para pecar, seja para viver retamente. Que a vontade humana é livre e cada um é responsável por suas decisões. Contra essa idéia sur­giu, então, o maior intelecto da história do Cristia­nismo, depois do apóstolo Paulo, o poderoso Agostinho, que sustentava que Adão representava toda a raça humana, que no pecado de Adão todos os homens peca­ram e são pecadores e todo o gênero humano é conside­rado culpado. Que o homem não pode aceitar a salvação unicamente por sua própria escolha, mas somente pela vontade de Deus, o qual é quem escolhe aqueles que devem ser salvos. A doutrina de Pelágio foi condenada pelo Concílio de Cartago, no ano 418, e a teologia de Agostinho tornou-se a regra ortodoxa da igreja. So­mente mais tarde, nos tempos modernos, na Holanda, sob a orientação de Armínio (ano de 1600), e no século dezoito com João Wesley, é que a igreja se afastou do sistema doutrinário agostiniano.
Enquanto esses movimentos de controvérsias se agitavam, iniciava-se outro grande movimento que alcançou imensas proporções na Idade Média: o nascimento do espírito monástico. Na igreja primitiva não havia monges nem freiras. Os cristãos viviam em família; apesar de evitarem misturar-se com os idólatras, eram, contudo, membros da sociedade em que viviam. Entretanto, no período que estamos considerando notamos o despontar e o desenvolvimento inicial de um movi­mento rumo à vida monástica.
Depois que o Cristianismo se impôs e dominou em todo o império, o mundanismo penetrou na igreja e fez prevalecer seus costumes. Muitos dos que anelavam uma vida espiritual mais elevada, estavam desconten­tes com os costumes que os cercavam e afastavam-se para longe das multidões. Em grupos ou isoladamente, retiravam-se para cultivar a vida espiritual, através da meditação, oração e costumes ascéticos. Esse espírito monástico teve início no Egito, favorecido pelo clima cálido e pelas escassas necessidades de vida.
Na primitiva história cristã podem encontrar-se casos de vida solitária. Entretanto, o fundador do mo­nasticismo foi Antão, no ano 320, pois foi a sua vida de asceta que chamou a atenção, e fez com que milhares de pessoas imitassem o seu exemplo. Ele viveu sozinho durante muitos anos em uma caverna, no Egito. Era conhecido de todos e todos o admiravam pela pureza e simplicidade de seu caráter. Foi assim que muitos o imitaram e se retiraram para as cavernas do norte do Egito. Esses que assim viviam eram chamados “anaco­retas”. Aqueles que formavam essa comunidade eram conhecidos por “cenobitas”. Do Egito esse movimento espalhou-se pelas igrejas do Oriente, onde a vida monástica foi adotada por muitos homens e mulheres.
Uma forma peculiar de ascetismo foi adotada pelos santos das colunas. O iniciador desse sistema foi Simão, ou Simeão Estilita, um monge sírio, apelidado “da Co­luna”. Ele deixou o mosteiro no ano de 423, e construiu vários pilares em fila; a construção dos primeiros pilares ou colunas foi seguida de outros mais altos, de modo que o último tinha dezoito metros de altura, e l,20m de largura. Nesses pilares ou colunas viveu Simão cerca de trinta e sete anos. Milhares de pessoas seguiram-lhe o exemplo, de modo que a Síria teve muitos santos dos pilares ou colunas, entre os séculos quinto e décimo-segundo. Contudo essa forma de vida não conseguiu discípulos na Europa.
O movimento monástico na Europa espalhou-se mais lentamente do que na Ásia e na África. A vida solitária e individual do asceta não tardou a fazer com que na Europa se fundassem mosteiros onde o trabalho estaria unido à oração. A Lei da Ordem dos Beneditinos, mediante a qual foram, de modo geral, organizados e dirigidos os mosteiros do Ocidente, foi promulgada no ano 529. O espírito monástico desenvolveu-se na Idade Média; mais tarde voltaremos a tratar do assunto e de sua ação na história.
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A IGREJA IMPERIAL

 TERCEIRA PARTE
Desenvolvimento do Poder na Igreja Romana.
A Queda do Império Romano Ocidental.
Dirigentes do Período.
Já sabemos que a cidade de Roma foi suplantada por Constantinopla em sua posição de capital política do mundo. Agora veremos a mesma Roma afirmando seu direito de ser a capital da igreja. No decurso dos anos anteriores, a igreja esforçou-se para conquistar prestí­gio e poder, e agora o bispo de Roma, que já se chamava papa, reclamava o trono de autoridade sobre todo o mundo cristão, e insistia em ser reconhecido como ca­beça da igreja em toda a Europa ao oeste do Mar Adriático. A essa altura a demanda do papa pelo poder, tanto sobre a igreja como sobre o Estado, ainda não tinha as proporções que viria a alcançar mais tarde na Idade Média, mas já se inclinava fortemente nessa direção. Vejamos quais foram as causas desse movimento.
A semelhança da igreja com o império, como organi­zação, fortalecia a tendência da nomeção de um cabeça. Em um Estado governado por uma autocracia, e não por autoridades eleitas, no qual um imperador gover­nava com poderes absolutos, era natural que a igreja, da mesma forma, fose governada por um chefe. Em toda parte os bispos governavam as igrejas, porém esta pergunta surgia constantemente: Quem governará os bispos? Qual o bispo que deve exercer na igreja a autoridade que o imperador exerce no império?
Os bispos que dirigiam igrejas em certas cidades eram chamados “metropolitanos” e mais tarde “patriarcas”. Havia pa­triarcas em Jerusalém, Antioquia, Alexandria, Constantiopla e Roma. O bispo de Roma tomou o título de “pai”, que mais tarde foi modificado para papa. Entre os cinco patriarcados acima mencionados havia frequentes e fortes disputas pela supremacia. Mais tarde essa disputa ficou somente entre o patriarca de Constantinopla e o papa de Roma, para saber-se qual dos dois seria chefe da igreja.
Roma reclamava para si autoridade apostólica. A igreja de Roma era a única que declarava poder men­cionar o nome de dois apóstolos como fundadores, isto é, os maiores de todos os apóstolos, Pedro e Paulo. Sur­giu, então, a tradição de que Pedro foi o primeiro bispo de Roma. Ora, como bispo, Pedro deveria, por certo, ser papa. Supunham que o título “bispo”, no primeiro século, tinha o mesmo significado que lhe davam no quarto século, isto é, chefe do clero e da igreja, e que Pedro, como principal entre os apóstolos, deveria exer­cer autoridade sobre toda a igreja. Citavam, dois textos dos evangelhos, como prova desses fatos. Um desses textos ainda pode ser visto, escrito em latim, na cúpula da basílica de S. Pedro, no Vaticano e diz: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha igreja.” O outro é “Apascenta as minhas ovelhas.” Argumentavam da seguinte forma: Se Pedro foi o chefe da igreja, então seus sucessores, os papas de Roma, devem continuar a exercer a mesma autoridade.
A organização da igreja de Roma e bem assim seus dirigentes primitivos defendiam fortemente essas afirmações. Os bispos da igreja de Roma, de um modo geral, eram muito mais fortes, sábios e enérgicos que os de Constantinopla; por essa razão sua influência era sentida em toda a igreja. A influência da antiga tradição imperial que fizera de Roma a senhora do mundo ainda estava presente na sociedade romana. Neste ponto há um constraste notável entre Roma e Constantinopla.
Originalmente Roma havia feito os imperadores, ao passo que os imperadores fizeram Constantinopla, e a povoaram com seus súditos submissos. A igreja de Roma sempre se mantivera conservadora na doutrina, pouco influenciada por seitas e heresias; permanecia, naqueles dias, como uma coluna do ensino ortodoxo. Esse fato aumentava sua influência em toda a igreja, de modo geral.
Além disso, a igreja de Roma apresentava um Cris­tianismo prático. Nenhuma outra igreja a sobrepujava no cuidado para com os pobres, não só entre seus mem­bros, mas também entre os pagãos, nas ocasiões em que se manifestava a peste e a fome. A igreja de Roma havia oferecido auxílio liberal às igrejas perseguidas em ou­tras províncias. Quando um funcionário pagão de Roma pediu à igreja os seus tesouros, o bispo reuniu os mem­bros pobres, e disse-lhes: “Aqui está o nosso tesouro.”
A transferência da capital de Roma para Constanti­nopla, longe de diminuir a influência do bispo ou papa romano, fê-la aumentar consideravelmente. Já verifi­camos que em Constantinopla o imperador e a corte dominavam a igreja; o patriarca, de um modo geral, estava sujeito ao palácio imperial. Entretanto, em Roma não havia imperador sobrepondo-se ao papa ou eclipsando-o. Portanto, o papa era a mais alta autori­dade na região.
A Europa inteira sempre olhara para Roma com certa reverência. Agora a capital do império estava longe; especialmente estando o próprio império em decadência, o sentimento de lealdade para com o papa, pouco a pouco, tomou o lugar da lealdade para com o imperador.
Foi assim que em todo o Ocidente o bispo de Roma, ou papa, chefe da igreja em Roma, começou a ser conside­rado como a autoridade principal de toda a igreja. Foi dessa forma que no Concílio de Calcedônia, na Ásia Menor, no ano 451, Roma ocupou o primeiro lugar e Constantinopla o segundo. Preparava-se dessa forma o caminho para pretensões ainda maiores da parte de Roma e do papa, nos séculos futuros. Durante esse período da igreja imperial, entretanto, outro movimento estava em progresso, isto é, a maior catástrofe de toda a história — a queda do Império Romano Ocidental. No reinado de Constantino, apa­rentemente o reino parecia estar tão bem protegido e invencível, como o estivera nos governos de Marco Aurélio e de Augusto. Contudo, estava corroído pela decadência moral e política, e pronto para ser desmoronado por invasores vizinhos, que estavam desejosos de invadi-lo. 25 anos após a morte de Constantino no ano 337, os muros do Império Ocidental foram derribados, as hordas de bárbaros (nome dado pelos romanos aos demais povos, exceto a si mesmos, aos gregos e aos judeus), começaram a penetrar por toda parte nas indefesas províncias, apoderando-se dos territórios e estabelecendo reinos independentes. Em menos de cento e quarenta anos, o Império Romano Ocidental, que exis­tiu durante mil anos, foi riscado do quadro das coisas existentes. Não é difícil encontrar as causas de tão fragorosa queda.
As riquezas do império eram cobiçadas pelos povos bárbaros, seus vizinhos. De um lado da fronteira havia cidades opulentas que viviam despreocupadamente, vastos campos com fartas colheitas, enfim, pessoas que possuíam tudo quanto as tribos pobres tanto desejavam. Por essa razão enfileiravam-se, agressivas, do outro lado da fronteira. Durante séculos a invasão dos bárbaros fora a principal preocupação dos imperadores romanos. As fronteiras do império estavam sempre defendidas contra as ameaças desses inimigos. A única razão de haver vários imperadores ao mesmo tempo decorria da necessidade de um governante investido de autoridade próximo aos locais de perigo, para que pu­desse agir, sem esperar ordens da capital distante.
Mesmo em seus melhores tempos, homem por homem, os romanos só estavam em igualdade de condi­ções com os bárbaros, e, após séculos de paz, haviam perdido a prática de guerrear. Em nossos dias as nações civilizadas possuem munições de guerra muito superiores àquelas que as tribos usavam. Nos tempos antigos uns e outros guerreavam com espadas e lanças; a única vantagem dos romanos consistia na magistral disciplina de suas legiões. Entretanto, a disciplina havia decaído nos tempos dos últimos imperadores, e os bárbaros eram fisicamente mais fortes, mais intrépidos, e esta­vam mais aptos para a guerra. O mal das forças deca­dentes do império romano estava nesta grave circuns­tância: As legiões eram adestradas pelos próprios bárbaros, os quais às vezes haviam sido contratados para defenderem a cidade de Roma, contra seus pró­prios povos. A maior parte das legiões, seus generais e bem assim muitos imperadores procediam de raças bárbaras. Nenhuma nação que habitualmente use es­trangeiros para defendê-la, quando necessário, poderá manter sua liberdade por muito tempo.
O Império Romano, não muito forte em seus recursos humanos, também estava enfraquecido pelas guerras civis, que duraram gerações, provocadas por vários pretendentes ao trono imperial. Os imperadores já não eram escolhidos pelo senado. Quando um deles era as­sassinado (como o foram em maioria), cada exército das várias províncias apresentava seu próprio candidato, e a decisão não era feita mediante votos, mas pelas armas. Durante o espaço de noventa anos, oitenta chefes foram proclamados imperadores e cada um reclamava o trono. Em certa época os chamados imperadores eram tantos, que passaram a ser denominados “os trinta tiranos”. As cidades eram saqueadas, e os exércitos eram pagos de forma extravagante e exagerada. O império empobreceu por causa da sede de poder. O resultado foi este: as guarnições militares foram retira­das das fronteiras, a terra foi deixada sem defesa, à mercê dos invasores.
A causa imediata de muitas invasões foi o movimento das tribos asiáticas. Quando os bárbaros que viviam a leste das províncias européias se lançaram sobre os romanos, declararam que foram a isso forçados, pois hostes irresistíveis de guerreiros asiáticos e suas famílias lhes haviam tomado suas terras, obrigando-os a dirigir-se para o Império Romano. Esse povo é conhecido pelo nome de hunos. Não se sabe por que motivo abandonaram seus lares na Ásia central; crê-se, contudo, que foi por causa da mudança de clima e escassez de chuva, que transformou campos férteis em desertos. Mais tarde os hunos, sob a orientação do feroz rei Átila, entraram em contato direto com os romanos e constituíram-se no inimigo mais terrível do império.
Considerando que a história que estamos narrando é a história da igreja e não a do Império Romano, a descrição das tribos invasoras deve ser apenas um breve esboço: As primeiras invasões foram realizadas pelas raças que viviam no Danúbio e no Mar Báltico. Os visigodos (godos do ocidente) dirigidos pelo capitão Alarico invadiram a Grécia e a Itália, capturaram e saquearam Roma, e estabeleceram um reino no sul da França. O vândalos, dirigidos por Genserico, invadiram a França, conquistaram a Espanha, passaram para o norte da África e conquistaram aqueles países.
Os fran­cos, uma tribo germânica, capturaram o norte da Gália e deram-lhe o nome de França. Mais tarde, um rei dos francos, chamado Clóvis, tornou-se cristão, e foi imi­tado por seu povo nesse gesto. Os francos ajudaram, muito na conversão do norte da Europa ao Cristia­nismo, embora às vezes empregassem a força. Os an­glos e os saxões da Dinamarca e dos países do norte, vendo que a Grã-Bretanha havia sido abandonada pelas legiões romanas, realizaram invasões em gerações seguidas, até quase extinguirem o Cristianismo. Somente mais tarde o reino anglo-saxão se converteu ao Cristianismo, mas através de missionários de Roma.
No ano 450, os temíveis hunos, dirigidos pelo cruel rei Átila, invadiram a Itália e ameaçaram destruir não somente o Império Romano, mas também todos os paí­ses que Roma governava. Os godos, os vândalos e os francos, sob o governo de Roma, uniram-se contra os hunos, e travaram então a batalha de Chalons, no norte da França. O hunos foram derrotados, após terrível matança, e com a morte de Átila logo depois, perderam seu poder agressivo e desapareceram. A batalha de Chalons (451) demonstrou que a Europa não seria go­vernada por asiáticos, mas que se desenvolveria de acordo com a sua própria civilização.
Por causa das sucessivas invasões e divisões, o ou­trora vasto império de Roma ficou reduzido a um pe­queno território em redor da capital. No ano 476, uma tribo de germânicos, aparentemente pequena, os hérulos dirigidos pelo rei Odoacro, apoderou-se de Roma, destronou o menino imperador Rômulo conhecido por Augusto o Pequeno, ou “Augústulo”. Odoacro tomou o título de rei da Itália, e desde esse ano, 476, o Império Romano Ocidental deixou de existir. Desde a fundação de Roma, até à queda do império, passaram-se mil e quinhentos anos. O Império Oriental que tinha como capital Constantinopla, durou até ao ano de 1453.
Quase todas as tribos invasoras eram pagãs de ori­gem. Os godos constituíam uma exceção, pois haviam sido convertidos ao Cristianismo por Ário, e possuíam a Bíblia em sua própria língua, cujas porções ainda exis­tentes formam a primitiva literatura teutônica.
Tam­bém é certo que quase todas as tribos conquistadoras tornaram-se cristãs, em parte por meio dos godos e em parte pelo contato com os povos entre os quais se esta­beleceram. Mais tarde os arianos chegaram a ser cren­tes ortodoxos.
O Cristianismo dessa época decadente ainda era vivo e ativo, e conquistou muitas raças invasoras. Essas raças vigorosas, por sua vez, contribuíram para a formação de uma nova raça européia. Como se vê, decaiu a influência do império, desfez-se o poder imperial de Roma, porém aumentou a influência da igreja de Roma e dos papas, em toda a Europa. Assim, o império caiu, porém a igreja ainda conservava sua posição imperial.
Devemos mencionar aqui alguns dos dirigentes da igreja imperial nesse período. Atánasio (296-373) foi ativo defensor da fé no início do período. Já vimos como ele se levantou e se destacou na controvérsia de Ário; tomou-se a figura principal no Concílio de Nicéia, em 325, apesar de não ter direito a voto; logo depois, foi escolhido bispo de Alexandria. Cinco vezes foi exilado, por causa da fé, mas lutou fielmente até ao fim, terminando sua carreira com paz e com honra.
Ambrósio de Milão (340-397), o primeiro dos pais latinos, foi eleito bispo enquanto era ainda leigo, e nem ao menos era batizado, mas recebera então instrução para tornar-se membro. Tanto os arianos como os ortodoxos notaram nele qualidades para ser bispo. Ambró­sio tornou-se uma figura destacada na igreja. Repreendeu o imperador Teodósio, por causa de um ato cruel, e obrigou-o a confessar-se. Mais tarde o próprio imperador o tratou com alta distinção, sendo eleito para pregar nos funerais desse imperador. O próprio Ambrósio foi autor de vários livros, porém a maior distinção, para ele, foi receber na igreja o poderoso Agostinho.
João, chamado Crisóstomo, “a boca de ouro”, em razão de sua eloquência inigualável, foi o maior prega­dor desse período. Nasceu em Antioquia, no ano 345. Chegou a ser bispo de Constantinopla, no ano 398 e pregou à imensa multidão que se reunia na catedral de Sta. Sofia. Entretanto, sua fidelidade, independência, zelo reformador e coragem, não agradavam à corte. João Crisóstomo foi exilado e morreu no exílio, no ano 407, porém sua memória foi vindicada; seu corpo foi levado para Constantinopla e sepultado com grandes homenagens. Foi poderoso pregador, estadista, e ex­positor competente da Bíblia.
Jerônimo (340-420) foi o mais erudito de todos os pais latinos. Estudou literatura e oratória em Roma.
Entretanto, renunciou às honras do mundo, para viver uma vida religiosa fortemente matizada de ascetismo. Estabeleceu um mosteiro em Belém e ali viveu durante muitos anos. De seus numerosos escritos, o que teve maior influência e aceitação foi a tradução da Bíblia para o latim, obra que ficou conhecida como Vulgata Latina, isto é, a Bíblia em linguagem comum, até hoje a Bíblia autorizada pela igreja católica romana.
O nome mais ilustre de todo esse período foi o de Agostinho, nascido no ano 354, no norte da África. Ainda jovem, já era considerado brilhante erudito, porém mundano, ambicioso e amante dos prazeres. Aos trinta e três anos de idade tornou-se cristão, por in­fluência de Mônica, sua mãe, e pelos ensinos de Ambró­sio, bispo de Milão, e bem assim pelo estudo das epísto­las de Paulo.
Agostinho foi eleito bispo de Hipona, no norte da África, no ano 395, ao tempo em que começaram as invasões dos bárbaros. Entre as muitas obras de Agos­tinho destaca-se “A Cidade de Deus”, na qual ele faz magnífica defesa, a fim de que o Cristianismo tome o lugar do dissolvente império. O livro “Confissões” encerra as profundas revelações da sua própria vida e coração. Porém a fama e a influência de Agostinho estão nos seus escritos sobre a teologia cristã, da qual ele foi o maior expositor, desde o tempo de Paulo. Agostinho morreu no ano 430.
ESBOÇO DOS CAPÍTULOS 12-17
QUARTO PERÍODO GERAL. A IGREJA MEDIEVAL.
Desde a Queda de Roma, 476 d.C.
Até à Queda de Constantinopla, 1453 d.C.
I. CRESCIMENTO DO PODER PAPAL (Capítulo 12).
1.  Período de Crescimento, 590-1073 d.C. Causas:
a.  Fortalecimento da Justiça
b.  Incertezas do Governo Secular.
c.  Firmeza do Governo da Igreja.
d.  As “Fraudes Pias”.
(1) A Falsa Doação de Constantino.
(2) Decretais Pseudo-Isidorianas.
(3) Evidências de Fraude.
2.  Período Culminante, 1073-1216 d.C.
a.  O Governo de Hildebrando (Gregório VII).
(1) Reforma do Clero.
(2) Separação entre a Igreja e o Estado.
(3) Supremacia da Igreja
b.  O Governo de Inocêncio III, 1198-1216.
(1) Suas Afirmações.
(2) Eleição do Imperador.
(3) Governo em Roma.
(4) Submissão do Rei da França.
(5) Submissão do Rei da Inglaterra.
3.  Período de Decadência.
a.  Bonifácio VIII, 1303 d.C.
b.  Cativeiro Babilônico, 1305-1377 d.C.
c. O Concílio de Constança, 1414 d.C.
II. O APARECIMENTO DO PODER MAOME­TANO (Capítulo 13).
1.  Seu Fundador, Maomé, 570-632 d.C.
2.  Sua Religião.
3.  O Progresso do Islamismo.
4.  Seus Elementos de Poder.
a.  A Fé Árabe.
b.  A Submissão Grego-Asiática.
c.  O Caráter da Religião Muçulmana.
5.  Aspectos Favoráveis do Maometismo
a.  Simplicidade de Doutrina.
b.  Oposição à Adoração de Imagens.
c. Recusa da Mediação Sacerdotal e dos Santos.
d.  Abstinência de Bebidas Alcoólicas.
e.  Promoção da Literatura e da Ciência.
6.  Aspectos Desfavoráveis do Maometismo.
a.  A Conversão por meio da Conquista.
b.  A Religião Secularizada.
c.  O Conceito de Deus.
d.  O Conceito de Cristo.
e.  O Conceito de Céu.
f.  A Degradação da Mulher.
g.  Incapacidade para Governar.
III.  O SACRO IMPÉRIO ROMANO (Capítulo 14).
1.  Seu Fundador Carlos Magno, 742-814 d.C.
2.  O Império.
3.  Grandes Imperadores.
4.  Imperadores e Papas.
5.  Decadência e Queda do Império.
IV.  A SEPARAÇÃO DAS IGREJAS LATINA E GREGA (Capítulo 14).
1.  Causa Doutrinária.
2.  Divergência Cerimonial.
3.  Causa Política.
4.  Reivindicações de Roma.
V.  AS CRUZADAS, 1095-1270 d.C. (Capítulo 15).
1.  Sua Origem.
2.  As Sete Cruzadas.
a.  Primeira Cruzada, 1095-1099. Godofredo de Bouillón.
b. Segunda Cruzada, 1147-1149. Luis VII, Conrado III.
c. Terceira Cruzada, 1188-1192. Frederico, Fe­lipe, Ricardo.
d. Quarta Cruzada, 1201-1204. (Constantino­pla)
e.  Quinta Cruzada, 1228-1229. Frederico II.
f.  Sexta Cruzada, 1248-1254. Luis IX.
g.  Sétima Cruzada, 1270-1272. Luis IX.
3.  Causas do Fracasso.
a.  Discórdia entre os Chefes.
b.  Falta de visão.
4.  Bons Resultados das Cruzadas.
a.  Proteção aos Peregrinos.
b.  Repressão das Agressões Muçulmanas.
c.  Melhor Relação entre as Nações.
d.  Impulso ao Comércio.
e.  Efeitos sobre o Poder Eclesiástico.
VI.  O DESENVOLVIMENTO DA VIDA MONÁS­TICA (Capítulo 16).
1.  As Ordens Monásticas.
a.  Os Beneditinos, 529. São Bento.
b.  Os Cistercenses, 1098. São Roberto e São Bernardo.
c.  Os Franciscanos, 1209. São Francisco.
d.  Os Dominicanos, 1215. São Domingo.
2.  Alguns Benefícios da Vida Monástica.
a.  Centros de Paz.
b.  Hospitalidade.
c.  Abrigo aos Indefesos c. Agricultura.
e.  Literatura.
f.  Educação.
g. Missões.
3. Alguns Males Resultantes da Vida Monástica
a.  Exaltação do Celibato.
b.  Efeitos sobre a Vida Social e Nacional.
c.  Luxo e Imoralidade.
d.  Contribuições Extorquidas.
VII. ARTE E LITERATURA MEDIEVAIS (Ca­pítulo 16).
1.  Universidades.
2.  Catedrais.
3.  O Despertar da Literatura.
4.  O Despertar da Arte.
VIII.  INICIO DA REFORMA RELIGIOSA (Capí­tulo 17).
1.  Albigenses, 1170 d.C.
2.  Valdenses, 1170.
3. João Wyclif, 1324-1384.
4. João Huss, 1369-1415.
5. Jerônimo Savonarola, 1452-1498.
IX.  A QUEDA DE CONSTANTINOPLA, 1453 d.C. (Capítulo 17).
X. ERUDITOS E DIRIGENTES (Capítulo 17).
1.  Anselmo, 1033-1109
2.  Abelardo, 1079-1142
3.  Bernardo de Clairvaux, 1091-1163
4.  Tomás de Aquino, 1226-1274.
12

A IGREJA MEDIEVAL

 QUARTO PERÍODO GERAL
Desde a Queda de Roma, 476
Até à Queda de Constantinopla, 1453.
Progresso do Poder Papal.
PRIMEIRA PARTE
No período que vamos considerar, que durou quase mil anos, nosso interesse se dirigirá para a Igreja Oci­dental, ou Latina, cuja sede de autoridade estava em Roma, que continuava a ser a cidade imperial, apesar de seu poder político haver desaparecido. Pouca atenção dispensaremos à Igreja Grega, governada de Constantinopla, exceto quando seus assuntos se relacionem com a história do Cristianismo europeu. Não relacionamos os acontecimentos por ordem cronológica, porém examinaremos os grandes movimentos, muitas vezes, paralelamente uns com os outros.
O fato mais notável nos dez séculos da Idade Média foi o desenvolvimento do poder papal. Já notamos em capítulos anteriores que o papa de Roma afirmava ser “bispo universal”, e chefe da igreja. Agora o veremos reclamando a posição de governante de nações, acima de reis e imperadores. Esse desenvolvimento teve três períodos: crescimento, culminância e decadência.
O período de crescimento do poder papal começou com o pontificado de Gregório I, o Grande, e teve o apogeu no tempo de Gregório VII, mais conhecido por Hildebrando. É bom notar que desde o princípio, cada papa, ao assumir o cargo, mudava de nome. Gregório VII foi o único papa cujo nome de família se destacou na história depois de sua ascensão à cadeira papal. É acerca de Gregório I, que se conta a conhecida história de que, ao ver alguns escravos em Roma, de cabelos louros e olhos azuis, perguntou quem eram.
Disseram-lhe, então, que eram “angli”, isto é, “ingle­ses”, ao que ele respondeu: “Non angli, sed angeli”, quer dizer, não ingleses, mas anjos. Mais tarde, quando foi eleito papa, enviou missionários à Inglaterra a fim de cristianizar o povo. Gregório expandiu o reino de sua igreja objetivando a conversão das nações da Europa que ainda se conservavam pagãs, conseguindo levar à fé ortodoxa os visigodos arianos da Espanha.
Gregório resistiu com êxito às pretensões do pa­triarca de Constantinopla, que desejava o título de bispo universal. Tormou a igreja praticamente gover­nadora da província nas vizinhanças de Roma, prepa­rando, assim, caminho para a conquista do poder tem­poral. Também desenvolveu certas doutrinas na igreja romana, especialmente a adoração de imagens, o pur­gatório, a transubstanciação, isto é, a crença de que na missa ou comunhão o pão e o vinho se transformam milagrosamente no verdadeiro corpo e sangue de Cristo.
O papa Gregório foi um dos fortes defensores da vida monástica, havendo sido ele mesmo um dos mon­ges da época. Foi um dos administradores mais compe­tentes da história da igreja romana, e por isso mereceu o título de Gregório o Grande. Sob o governo de uma série de papas, durante alguns séculos, a autoridade do pontificado romano aumentou e em geral era reconhe­cida. São várias as razões para justificar o crescente poder do papado.
Uma das razões por que o governo da sede romana era tão amplamente aceito no início desse período explica-se pelo fato de que, naquele período, a influên­cia dos papas era sentida principalmente no fortaleci­mento da justiça. A igreja se pôs entre os príncipes e seus súditos, a fim de reprimir a tirania e a injustiça, para proteger os fracos e para exigir os direitos do povo. Nos palácios dos governantes, mais de um gover­nante foi obrigado a receber a esposa que repudiara sem causa, e a observar pelo menos as formas exteriores da decência, por imposição dos papas. Houve, é certo, muitas exceções, pois houve papas que cortejavam reis e príncipes ímpios. Contudo, em sentido geral, o pa­pado, no início da Idade Média, era favorável aos go­vernos justos e honestos.
As rivalidades e as incertezas dos governos seculares estavam em acentuado contraste com a firmeza e uni­formidade do governo da igreja. Durante quase todos os séculos a Europa viveu em condições dissolventes, pois os governantes levantavam-se e caíam, lutava um castelo contra outro, enfim não havia autoridade com­pleta e duradoura. O antigo império caiu no quinto século, e a Europa esteve à beira de caos, até o nono século, quando o império de Carlos Magno se estabele­ceu. Quase todos os seus sucessores foram homens fra­cos; muitos deles procuraram o auxílio de Roma, e dispuseram-se a fazer concessões de poder a fim de obetê-lo. Uma vez conquistado poder que pertencera do Estado, a igreja o mantinha firmemente. Enquanto os governos dos Estados vacilavam e mudavam sucessi­vamente, o império da igreja permanecia cada vez mais forte. Durante esses séculos de instabilidade, a igreja era a única instituição firme. As reclamações de domí­nio por parte de Roma eram quase sempre apoiadas pelo clero, desde o arcebispo até ao sacerdote mais humilde. Durante a Idade Média, como veremos mais tarde, o monasticismo cresceu por toda parte. Monges e abades juntavam-se aos padres e bispos na luta pela conquista do poder. A igreja possuía fortes aliados em toda parte, e jamais falhavam na defesa de seus interes­ses.
Ainda que pareça estranho, o fato é que, na Idade Média, uma série de “fraudes pias” foram divulgadas a fim de manter o prestígio e a autoridade de Roma. Em uma época científica e de homens inteligentes, essas fraudes seriam investigadas, desaprovadas e desacre­ditadas. Entretanto, a erudição da Idade Média não entrava no terreno da crítica. Ninguém duvidava dos documentos que circulavam de modo amplo, e eram aceitos por todos, e por meio deles as afirmações de Roma eram sustentadas. Passaram-se vários séculos antes que alguém demonstrasse que esses documentos se baseavam em falsidade e não na verdade.
Um desses documentos fraudatórios foi a “Doação de Constantino”. Muito tempo depois da queda do Império Romano na Europa, circulou tal documento com o pro­pósito de demonstrar que Constantino, o primeiro im­perador cristão, havia dado ao bispo de Roma, Silvestre I (314-335), autoridade suprema sobre todas as provín­cias européias do império, e que havia proclamado esse bispo como governador até mesmo de imperadores. O documento apresentava como razão e principal motivo da mudança da capital de Roma para Constantinopla, o fato que o imperador não permitia a nenhum governa­dor permanecer em Roma, como rival do papa.
Mas o documento de maior influência da série frau­dulenta foi o que passou a ser conhecido como “Decre­tais Pseudo-Isidorianas”, publicado no ano 850. Afirmava-se que eram decisões adotadas pelos bispos primitivos de Roma, desde os apóstolos. Nesse docu­mento apresentavam as maiores reivindicações, tais como a supremacia absoluta do papa de Roma sobre a Igreja Universal; a independência da igreja do Estado; a inviolabilidade do clero em todos os aspectos, ao ponto de reconhecer-lhes o direito de não prestarem contas ao Estado, declarando que nenhum tribunal secular pode­ria julgar questões pertinentes ao clero e à igreja.
Em épocas de ignorância e na ausência da crítica, esses documentos eram aceitos sem contestação, e du­rante centenas de anos constituíram-se num baluarte para as reivindicações de Roma. Ninguém duvidou da autenticidade desses documentos até ao século doze, quando já estava a igreja ancorada no poder. Somente com o despertar da Reforma, no século dezesseis, foram examinados esses documentos e ficou provada a fraude. Algumas das evidências da fraude são as seguintes:
A linguagem empregada não era o latim primitivo dos séculos primeiro e segundo, e sim uma língua corrom­pida e mista usada nos séculos oitavo e nono. Os nomes e as condições históricas a que se referiam os documentos não eram os mesmos usados no império, mas exatamente iguais aos que eram usados na Idade Média. As frequentes citações eram da Vulgata Latina, quando todos sabem que essa versão somente apareceu depois do ano 400. Uma carta que fazia parte desses documen­tos, dizia que fora escrita por Vitor, bispo de Roma no ano 220 a Teófilo, bispo de Alexandria, que viveu no ano 400. Imagine-se o disparate das datas. Que pensariam, em nossa era, de uma carta enviada pela rainha Elisa­bete I a Jorge Washington?
O crescimento do poder papal, apesar de sempre estar em ascensão, não era constante. Houve alguns príncipes que se opuseram ao poder papal, assim como houve governantes fracos que se submeteram sem re­servas. Também houve papas fracos e papas perversos, principalmente entre os anos 850 a 1050, que desacredi­taram seu posto mesmo durante os tempos de sua mais elevada supremacia.
O período culminante foi entre os anos 1073-1216, cerca de cento e cinquenta anos em que o papado exer­ceu poder quase absoluto, não somente na igreja, mas também sobre as nações da Europa.
Essa elevada posição foi conquistada durante o go­verno de Hildebrando, o único papa mais conhecido pelo nome de família do que pelo nome de papa Gregório VII, nome que escolheu ao assumir o cargo.
Hilde­brando governou realmente a igreja, como o poder por trás do trono durante um período de vinte anos, antes de usar a tríplice coroa, e depois durante o governo papal, até à sua morte no ano de 1085.
Hildebrando reformou o clero que se havia corrom­pido, e interrompeu, ainda que por pouco tempo, o exercício da simonia, isto é, a compra de posições na igreja. Elevou as normas de moralidade de todo o clero, e exigiu o celibato dos secerdotes, que havia sido defen­dido, porém não estava em vigor, até então.
Libertou a igreja da influência do Estado, pondo fim à nomeação de papas e bispos pelos reis e imperadores; e decretando que qualquer acusação contra os sacerdotes e as relacionadas com a igreja, fossem julgadas por tribunais eclesiásticos. Até aquela data era costume o bispo receber um cajado e um anel do rei ou do príncipe governante, jurando fidelidade ao seu senhor secular. Isso praticamente significava que os bispos eram no­meados pelo governador. Hildebrando proibiu que os bispos fizessem tal juramento diante dos governantes.
Hildebrando impôs a supremacia da igreja sobre o Estado. O imperador Henrique IV, havendo-se ofen­dido com o papa Gregório, convocou um sínodo de bis­pos alemães induzindo-os (ou compelindo-os) a votar pela deposição do papa. Gregório, então, vingou-se com a excomunhão de Henrique IV, e isentou a todos os seus súditos da lealdade para com o imperador. Henrique IV viu-se totalmente impotente face à punição do papa. Por essa razão, no mês de janeiro de 1077, o imperador, pondo de lado todas as possessões reais, com os pés descalços e vestido de lã, permaneceu três dias de pé à porta do castelo do papa, em Canosa, no norte da Itália, a fim de fazer ato de submissão e receber perdão do papa.[3] Acrescente-se, porém, que logo que Henrique IV recuperou o poder, declarou guerra ao papa, e retirou-o de Roma. O papa Hildebrando morreu pouco depois, fazendo esta declaração. “Amei a justiça e abor­reci a iniquidade, por isso morro no exílio.” Seu triunfo, porém, foi maior do que a sua derrota.
Gregório VII não desejava abolir o governo do Es­tado, mas que este fosse subordinado ao governo da igreja. Aspirava a que o poder secular governasse o povo, porém sob a elevada jurisdição do reino espiri­tual, como ele o compreendia.
Outro papa cujo governo demonstrou elevado grau de poder foi Inocêncio III (1198-1216). Ele fez esta declaração no discurso de sua posse: “O sucessor de S. Pedro ocupa uma posição intermediária entre Deus e o homem. É inferior a Deus, porém superior ao homem. É juiz de todos, mas não é julgado por ninguém.”
Em uma de suas cartas, Inocêncio escreveu que ao papa “havia sido entregue, não somente a igreja, mas também o mundo inteiro, com o direito de dispor final­mente da coroa imperial e de todas as outras coroas”. Eleito aos trinta e sete anos para ocupar o lugar de papa, no correr dos anos sustentou com êxito essas grandes pretensões.
Inocêncio III elegeu para desempenhar as funções de imperador, a Otto Brunswick, o qual declarou publica­mente que alcançara a coroa “pela graça de Deus e da sede apostólica”. Em virtude da insubordinação de Otto, este foi deposto e outro imperador foi eleito. O papa assumiu o governo da cidade de Roma, decretando leis para os seus funcionários, figurando ele próprio como chefe. Em verdade, com esse ato estabeleceu um Estado sob o governo direto do papado, governo que foi o precursor dos “Estados da Igreja”. O papa obrigou o licencioso Filipe Augusto, rei da França, a aceitar no­vamente sua esposa da qual se divorciara injustamente. Excomungou o rei João Sem Terra (inglês), e obrigou-o a entregar a coroa ao legado papal, e a recebê-la de novo, mas como súdito do papa. Inocêncio III pode ser considerado o maior de todos os papas em poder au­tocrático. Contudo, não teria possuído tal autoridade, não fora a grandeza alcançada por Hildebrando, seu antecessor.
Porém enquanto a Europa saía do crepúsculo da Idade Média, e a lealdade nacional se levantou para competir com a eclesiástica, começou a decadência do poder papal com Bonifácio VIII, em 1303. Ele, sem dúvida, possuía pretensões tão elevadas como qualquer dos seus predecessores, porém não eram obedecidas.
Bonifácio proibiu o rei da Inglaterra de promulgar leis de impostos sobre as propriedades da igreja e sobre as receitas ou tesouros sacerdotais, porém foi obrigado a recuar, embora em forma de tratado, em que os sacer­dotes e bispos “davam” parte do que recebiam, para os gastos do reino. Questionou com Filipe, o Formoso, de França, o qual lhe declarou guerra, apoderou-se do papa e encarcerou-o. Apesar de mais tarde haver sido libertado, contudo morreu logo depois, de tristeza. A partir de 1305, durante mais de setenta anos, todos os papas foram escolhidos sob as ordens dos reis de França e estavam submissos à vontade destes.
O período de 1305 a 1377 é conhecido como “Cativeiro Babilônico”. Por ordem do rei de França a sede do papado foi transferida de Roma para Avinhão, no sul da França. Os papas tornaram-se títeres sob o controle do governo francês. Outros aspirantes ao papado surgi­ram em Roma, e por toda parte havia papas e antipapas em vários países. As ordens papais eram desrespeita­das; as excomunhões não eram levadas a sério. Eduardo III por exemplo, ordenou ao legado papal que abando­nasse o seu reino.
No ano de 1377, o papa reinante, Gregório XI, voltou a Roma, e em 1414 foi realizado o Concílio de Constança a fim de decidir as reclamações de quatro papas existen­tes. Aconteceu então que o Concílio depôs os quatro e escolheu um novo papa. Desde 1378, os papas continua­ram a morar em Roma, alimentando pretensões tão elevadas como sempre aconteceu, porém incapazes de colocá-las em vigor.
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A IGREJA MEDIEVAL

SEGUNDA PARTE
Crescimento do Poder Maometano
O movimento que agora chama a nossa atenção é a religião e o império fundados por Maomé, no início do sétimo século, o qual tomou uma após outra, várias províncias (nações) dos imperadores gregos que mora­vam em Constantinopla, até à sua extinção final. Esse movimento impôs à igreja oriental uma sujeição de escravatura, ao mesmo tempo que ameaçava conquis­tar toda a Europa. Após treze séculos, desde seu apare­cimento, a fé maometana ainda domina mais de seiscen­tos milhões de pessoas e continua a crescer no conti­nente africano.
O fundador da religião maometana foi Maomé, nas­cido em Meca, Arábia, no ano 570. Iniciou sua carreira como profeta e reformador no ano 610, aos quarenta anos de idade. No início, o movimento começado por Maomé conquistou poucos discípulos, porém o sufi­ciente para sofrer perseguições. Maomé fugiu da cidade de Meca em 622 e sua fuga, a Hégira, fornece a data em que se baseia o calendário maometano. O profeta Maomé alcançou pleno êxito na conquista das tribos árabes, impondo-lhes a sua religião. Voltou à cidade de Meca como conquistador. Quando morreu, no ano 632, Moamé era profeta e governador reconhecido por toda a Arábia.
Sua religião é conhecida como islamismo, “submissão”, isto é, obediência à vontade de Deus; os seguido­res de Maomé chamam-se muçulmanos, pois eles mes­mos jamais usam o nome “maometano” que lhes foi dado por outros povos. Os artigos de fé, base de sua religião, são os seguintes: “Há um só Deus, ao qual chamam Alá, palavra de origem comum com a similar hebraica “Eloí”; que todos os acontecimentos, bons e maus, são preordenados por Deus, e, como consequência, em cada ato estão fazendo a vontade de Deus; que há multidões de anjos bons e maus, invisíveis e que, não obstante, estão constantemente em contato com os homens. Que Deus fez sua revelação no Alcorão, uma série de men­sagens transmitidas a Maomé por meio do anjo Gabriel, apesar de não haverem sido coletadas senão depois da morte do profeta. Que Deus enviou profetas inspirados aos homens; que dentre esses profetas se destacam Adão, Moisés e Jesus e sobre todos eles, Maomé. Que todos os profetas bíblicos, os apóstolos cristãos e os santos que viveram antes de Maomé são reconhecidos e adotados pelos maometanos. Que no futuro haverá uma ressurreição final, o julgamento, o céu e o inferno para todos os homens.
A princípio Maomé dependia de influências morais ao pregar o seu evangelho. Depressa, porém, mudou seus métodos, fez-se guerreiro, conduzindo seus unidos e ferozes árabes a conquistar os incrédulos. Apresentou a todo o país e a todas as tribos a alternativa de escolher entre o islamismo, pagar tributo ou morte para aqueles que resistissem às suas armas. A Palestina e a Síria foram facilmente conquistadas pela força, e os lugares santos do Cristianismo ficaram sob o poder do isla­mismo.
Província após província, o império greco-romano foi conquistado, ficando apenas Constantinopla. Dessa forma todos os países do Cristianismo primitivo foram feitos súditos de Moamé. Onde os cristãos se subme­tiam, era-lhes permitida a adoração sob restrições. No Oriente, o império dos califas estendia-se além da Pér­sia, até à índia. Sua capital era Bagdá, nas margens do Tigre. Para o Ocidente as conquistas incluíam o Egito, todo o norte da África e a maior parte da Espanha. Quase todo esse vasto império foi conquistado durante os cem anos após a morte de Maomé. Entretanto, seu avanço na Europa ocidental foi contido no sul da França, por Carlos Martelo, que uniu várias tribos discordantes sob a direção dos francos e obteve a vitória decisiva em Tours, no ano 732. Não fora a batalha de Tours,  provavelmente, toda a Europa haveria sido um continente moametano e a meia lua teria substituído a cruz.
Eis aqui uma pergunta interessante: Por que será que a religião e as armas maometanas triunfaram sobre o mundo Oriental? Vamos enumerar algumas das ra­zões. Os primeiros crentes em Moamé eram guerreiros árabes ferozes, jamais vencidos por nenhum inimigo estrangeiro. Eles seguiam o seu profeta com inteira e sincera crença de tudo conquistar. Acreditavam estar cumprindo a vontade de Deus, e que, por isso mesmo, estavam predestinados a triunfar. Acreditavam que todo maometano que perecesse na luta contra os incré­dulos estava destinado a entrar, imediatamente, no céu de prazer sensual. Em contraste com esse espírito in­vencível, viril e conquistador, estava a natureza pací­fica, submissa e débil dos greco-asiáticos. Desde sécu­los remotos essas terras se haviam submetido pacifica­mente aos conquistadores. O povo havia perdido o vigor, preferiam render-se a usar a espada, e pagar tributo em lugar de defender a sua liberdade. Grande número da população do império grego compunha-se de monges e eclesiásticos, dispostos a orar mas não a lutar.
A religião do Islam era bem melhor do que o paga­nismo que destronara na Arábia e na parte oriental da península. Deve-se admitir que o Islamismo era mais forte do que o tipo de Cristianismo que encontrou e venceu. A igreja Oriental, ao contrário de igreja Oci­dental, havia cessado seus esforços missionários, havia perdido sua energia e inclinava-se para a especulação em lugar de esforçar-se moral e espiritualmente.
Na religião de Moamé em seu grau mais elevado encontravam-se e ainda se encontram alguns aspectos favoráveis, elementos de valor para o mundo. Um des­ses aspectos era a simplicidade da doutrina. Criam em um só Deus, ao qual todos os homens devem obedecer implicitamente. Não possuíam um sistema de teologia intrincado e misterioso que dera lugar a controvérsias intermináveis e inúteis. Não havia necessidade de eru­dição para entender os artigos da fé maometana.
Outro aspecto da religião maometana era a oposição à adoração de imagens. Em todos os países cristãos as estátuas dos deuses e deusas da antiga Grécia cederam lugar às imagens da virgem Maria e dos santos, que eram adorados em todos os templos. Os muçulmanos, por onde passavam as lançavam fora, destruíam e de­nunciavam como idolatria qualquer adoração às ima­gens, quer fossem esculpidas ou pintadas. Os maome­tanos também recusavam qualquer mediação sacerdo­tal ou dos santos. Naqueles dias, as igrejas cristãs admitiam que a salvação não dependia da fé pura e simples em Cristo e sim dos ritos sacerdotais e da intercessão dos santos que haviam partido. Os maome­tanos afastaram essas coisas e em suas doutrinas procu­ravam levar todas as almas diretamente a Deus.
Em todo o mundo muçulmano é regra a abstinência de bebidas fortes. A primeira “sociedade de tempe­rança” da história do mundo foi a dos nazireus de Israel; seus sucessores em maior escala estavam na região de Maomé, que proibia a seus fiéis tomar vinho ou licores embriagantes. Esse é ainda um princípio entre os mao­metanos, porém não é universalmente praticado, prin­cipalmente por aqueles que estão em contacto com os europeus.
No período primitivo, sob os governos dos califas, tanto a literatura como a ciência tiveram grande pro­gresso. Foram os árabes que nos deram a numeração arábica que teve grande vantagem sobre a numeração do sistema romano por meio de letras. No campo da astronomia os árabes fizeram reconhecer uma das prmeiras classificações das estrelas. As cortes dos califas de Bagdá eram centros literários. A Espanha maome­tana estava mais desenvolvida em cultura e civilização do que os reinos cristãos da península. Entretanto, todo o pregresso intelectual cessou quando os turcos bárba­ros sucederam aos ilustres sarracenos como chefes do movimento maometano.
A fim de não tornar o quadro do Islamismo mais favorável do que a verdade possa aprovar, devemos fixar, também, os pontos em que o Maometismo falhou, isto é, seus erros e males. Seu primeiro erro contra a humanidade consistiu no método de esforço missionário pela força da espada, implantando entre os homens o ódio em lugar de amor. Onde quer que uma cidade resistisse à sua conquista, os homens eram mortos a espada, as mulheres eram levadas para os haréns dos vencedores e as crianças educadas na fé maometana. Durante muitos séculos foi costume entre os turcos tomar milhares de crianças cristãs, para criá-las em países distantes, como muçulmanos fanáticos.
O antigo conceito islamita do Estado e da igreja era unicamente um, isto é, que o governo empregasse todo o seu poder até onde fosse possível, para o progresso da verdadeira religião e supressão da falsa.
Antes da Pri­meira Guerra Mundial (1914-1918) o sultão da Turquia era também califa (sucessor de Maomé). Quando a Tur­quia se transformou em república, o sultão foi destro­nado e o califado foi abolido. Outras transformações aconteceram com a modernização da Turquia. Um fato significativo foi a tradução do Alcorão para o vernáculo.
O conceito maometano de Deus baseia-se mais no Antigo Testamento do que no Novo. Para a mentali­dade árabe, Deus é um déspota oriental, implacável e temível, sem amor para com a humanidade, a não ser para com os seguidores de Maomé, o profeta.
O islamismo praticamente deixa a Pessoa de Cristo fora do seu sistema de doutrina. No conceito islamita, Cristo não é o Senhor do reino celestial, nem o Filho de Deus, nem o Salvador do mundo, mas apenas um pro­feta judeu, inferior, em todos os sentidos, a Maomé.
O conceito islamítico do céu e da morada dos bem-aventurados na vida futura é inteiramente destituído de espiritualidade e inteiramente sensual.
Uma das características mais humilhantes da religião maometana era a degradação da mulher. As mulheres eram consideradas apenas como escravas ou objetos para o divertimento do homem. A Turquia moderna remediou essa situação, pois em 1930 deu às mulheres o direito de votar e serem votadas nas eleições munici­pais. Com exceção da Turquia, as nações maometanas têm a mulher em pouca consideração.
No terreno da história e da política, talvez o mais destacado fracasso do estado maometano esteja de­monstrado na administração nacional. Os maometanos eram maravilhosos, quase milagrosos nas suas conquis­tas, levando de vencida irresistivelmente os povos desde a China até à Espanha. Entretanto, não demons­traram poder para estabelecer um governo justo e sábio nos impérios que fundaram. Os países islamitas eram os que possuíam piores governos em todo o mundo. Coloquem-se em confronto a história dos turcos com a dos romanos, no campo da administração, e ver-se-á que os romanos não somente souberam conquistar um grande império, mas também sabiam administrá-lo, le­vando o progresso a todas as nações que conquistavam.
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A IGREJA MEDIEVAL

TERCEIRA PARTE
O Sacro Império Romano. A Separação das Igrejas Latina e Grega.
Desde o século dez até ao décimo-nono existiu na Europa uma organização política singular, que demons­trou possuir características diferentes nas várias gera­ções. O nome oficial dessa organização era este: Sacro Império Romano, ainda que em forma comum, porém incorreta, era denominado Império Germânico. Até à sua aparição, a Europa situada ao oeste do Mar Adriático vivia em completa desordem, governada que era por tribos guerreiras em lugar de ser governada por Estados. Apesar de tudo, em meio a tanta confusão, o antigo conceito romano de ordem e unidade permane­ceu como aspiração por um império para ocupar o lugar do Império Romano que, mesmo desaparecido, ainda era tradicionalmente venerado.
Na última etapa do século oitavo levantou-se um dos maiores homens de todos os tempos, Carlos Magno (742-814). Era neto de Carlos Martelo, o vencedor da batalha de Tours, (732). Carlos Magno, rei dos francos, uma tribo germânica que dominava uma grande parte da França, constituiu-se a si mesmo senhor de quase todos os países da Europa Ocidental, norte da Espanha, França, Alemanha, Países-Baixos, Áustria e Itália, em verdade, um império. Ao visitar a cidade de Roma, no dia de Natal do ano 800, Carlos Magno foi coroado pelo Papa Leão III, como Carlos Augusto, imperador ro­mano, e, assim, considerado sucessor de Augusto, de Constantino e dos antigos imperadores romanos. Car­los Magno reinou sobre todo o vasto domínio com sabe­doria e poder. Era reformador, conquistador, legisla­dor, protetor da educação e da igreja.
Somente por um pouco de tempo, a autoridade de seu império foi efetiva na Europa. A fraqueza e a incapaci­dade dos descendentes de Carlos Magno, o desenvolvi­mento dos vários países, dos idiomas, dos conflitos pro­vocados por interesses regionais, fizeram com que a autoridade do Sacro Império Romano ou Germânico se limitasse ao oeste pelo Reno. Até mesmo na Alemanha os pequenos estados se tornaram praticamente inde­pendentes; guerreavam uns com os outros e a maior parte do tempo apenas nominalmente estavam sob o domínio do imperador. O imperador era reconhecido como chefe titular do Cristianismo europeu. Na França, na Inglaterra e nos Estados escandinavos, o imperador era honrado, porém, não obedecido. Pelo fato de sua autoridade ter-se limitado à Alemanha e em pequena escala à Itália, o reino foi comumente chamado de Império Germânico.
Mais tarde, quando os sucessores de Carlos Magno perderam o trono, o imperador era eleito por um corpo de eleitores formado por sete príncipes. Dos cinquenta e quatro imperadores somente mencionaremos os mais importantes: Henrique I (o Passarinheiro), 919-936, iniciou a restauração do império que havia decaído, porém seu filho, Otto I (o Grande), apesar de não haver sido coroado senão no ano 951, é considerado como o verdadeiro fundador do Sacro Império Romano, isto é, como uma entidade, e distinto do Império Romano. O reinado do Otto I estendeu-se até 973. Frederico Barbarroxa foi um dos imperadores mais poderosos nessa sucessão. Participou da Terceira Cruzada, porém afogou-se na Ásia Menor e sua morte fez a expedição fracassar.
Frederico II, neto de Barbarroxa foi chamado “a maravilha e o enigma da história; ilustre e progressista, o homem mais liberal de sua época”, em suas idéias políticas e religiosas. Foi excomungado duas vezes pelo papa, mas na Quinta Cruzada proclamou-se a si mesmo rei de Jerusalém.
Rodolfo de Habsburgo, fundador da Casa da Áustria, recebeu a coroa imperial no ano de 1273, quando esse ato não tinha maior significação do que um título qual­quer e sem valor. Entretanto, obrigou os príncipes e barões a submeterem-se à sua autoridade. A partir de então, a Áustria era o Estado mais poderoso da confe­deração Germânica e quase todos os imperadores eram descendentes do fundador da Casa da Áustria. Carlos V, imperador no tempo do início da Reforma (1519-1556), era também herdeiro da Áustria, da Espa­nha e dos Países-Baixos. Fez o que pode, porém não conseguiu manter sob o domínio da antiga religião todos os países que governava. No ano de 1556 abdicou volun­tariamente e passou os dois últimos anos de sua vida afastado de todos.
Durante muitos séculos a história do império regis­trou forte rivalidade e até mesmo guerras entre papas e imperadores; imperadores lutando para governar o im­pério. Já vimos como o papa Gregório VII (Hilde-brando), certa ocasião, exigiu a submissão de um impe­rador e como Inocêncio III nomeava e destituía impe­radores e reis. Porém a luta tornou-se menos intensa e cessou, depois da Reforma, quando se fixaram as linhas divisórias entre a igreja e o Estado.
Quando o reino da Áustria se tornou importante, os imperadores cuidavam mais de seus domínios. As mui­tas províncias do império alcançaram quase que a inde­pendência completa, de modo que o título de imperador tinha a significação de um título honorífico ou pouco mais do que isso. No século dezoito, o engenhoso Vol­taire declarou que “o Sacro Império Romano não era sacro nem romano, nem era império”. A sucessão de imperadores terminou no ano de 1806, quando Napo­leão alcançou o clímax do poder. Nesse ano Francisco II foi obrigado a renunciar ao título de imperador do Sacro Império Romano e tomou o de “imperador da Áustria”.
A separação das igrejas Grega e Latina realizou-se formalmente no século onze, ainda que praticamente se tivesse efetuado muito tempo antes. As relações nor­mais entre papas e patriarcas, durante séculos, caracterizaram-se pelas lutas, até que, finalmente, em 1054 o mensageiro do papa colocou sobre o altar da igreja de Sta. Sofia, em Constantinopla, o decreto de excomunhão. Por sua vez o patriarca expediu decreto de excomunhão de Roma e das igrejas que se submetes­sem ao papa. Desde então as igrejas Latina e Grega conservaram-se separadas, não reconhecendo uma a existência eclesiástica da outra. A maioria das questões que deram causa à separação, são consideradas triviais em nossos dias. Entretanto, durante séculos, elas foram temas de violentas controvérsias, e às vezes, de cruéis perseguições.
Doutrinariamente, a principal diferença consistia na doutrina conhecida como “a procedência do Espírito Santo”. Os latinos afirmavam que “o Espírito Santo procede do Pai e do Filho” — em latim “filioque”. Os gregos, por sua vez, declaravam que procedia “do Pai”, deixando fora a palavra “filioque”. Acerca dessa pala­vra realizaram-se intermináveis debates, escreveram-se livros em abundância e até mesmo sangue foi derramado nessa amarga contenda.
Nas cerimônias da igreja Oriental e da Ocidental os usos e costumes eram diferentes e alguns deles transformaram-se em lei. O casamento dos sacerdotes foi proibido na igreja Ocidental, enquanto na igreja Oriental foi sancionado. Atualmente, na igreja grega, qualquer sacerdote do povo (que tem o título de “papa”, equivalente a “padre” entre os católicos-romanos) deve ser casado. Nas igrejas ocidentais a adoração de ima­gens é praticada há mais de mil anos, enquanto nas igrejas gregas não se encontram estátuas, mas apenas quadros. Contudo os quadros são imagens em baixo-relevo, e são estimados com profunda reverência.
No exercício da missa o pão sem fermento (a hóstia) é usado nas igrejas romanas, ao passo que nas igrejas gregas é servido pão comum. Como protesto contra a observância judaica do sétimo dia, surgiu a prática do jejum aos sábados no Ocidente, mas jamais esse cos­tume foi observado no Oriente. Mais tarde, porém, o dia de jejum católico-romano foi transferido para as sextas-feiras, o dia da crucificação do Senhor.
Contudo, uma influência mais profunda do que estas diferenças cerimoniais, que provocou a separação das igrejas latina e grega, foi a causa política da separação ou independência da Europa do trono de Constantino­pla, com o estabelecimento do Sacro Império Romano (ano 800). Mesmo depois da queda do antigo império de Roma, em 476, o espírito imperial ainda exercia in­fluência e os novos reinos dos bárbaros: godos, francos e outras raças, de uma forma um tanto vaga, teorica­mente consideravam-se sob o governo ou domínio de Constantinopla. Porém quando o Sacro Império Ro­mano foi estabelecido por Carlos Magno, tomou o lugar do antigo Império, e era separado e independente dos imperadores de Constantinopla. Um Estado indepen­dente necessitava de uma igreja independente.
Mas o fator decisivo e poderoso que levou à separação foram as contínuas reclamações de Roma, alegando ser a sua igreja dominante e insistindo em que o papa era “o bispo universal”. Em Roma a igreja pouco a pouco dominava o Estado. Em Constantinopla a igreja conti­nuava submissa ao Estado. Diante dessas circunstân­cias era inevitável o rompimento entre as duas igrejas de conceitos opostos. A separação definitiva das duas grandes divisões da igreja, como já vimos, aconteceu no ano 1054.
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A IGREJA MEDIEVAL

 QUARTA PARTE
As Cruzadas
Outro grande movimento da Idade Média, sob a ins­piração e mandado da igreja, foram as Cruzadas, que se iniciaram no fim do século onze e prolongaram-se por quase trezentos anos. Desde o quarto século até aos nossos dias, numerosas perigrinações à Terra Santa foram organizadas. O número de peregrinos aumentou de modo considerável, no ano 1000, quando era crença quase universal que nesse ano se daria o grande evento da segunda vinda de Jesus. Apesar de tal aconteci­mento não se haver realizado nessa data, contudo as peregrinações continuaram.
A princípio as peregrinações eram facilitadas pelos governantes muçulmanos da Palestina. Porém mais tarde as peregrinações sofriam pressão, os peregrinos eram roubados e até mesmo mortos. Ao mesmo tempo, o debilitado Império Oriental estava ameaçado pelos maometanos. Foi por isso que o imperador Aleixo soli­citou ao papa Urbano II que lhe enviasse guerreiros da Europa para ajudá-lo. Nesse tempo manifestou-se na Europa o desejo de libertar a Terra Santa do domínio maometano. Desse impulso surgiram as Cruzadas.
As principais Cruzadas foram em número de sete, além de muitas outras expedições de menor importân­cia, às quais se dá também o nome de cruzadas. A primeira Cruzada foi anunciada pelo papa Urbano II, no ano 1095, no Concílio de Clermont, quando então ele­vado número de cavaleiros receberam a cruz como in­sígnia e se alistaram para combater os sarracenos. Antes que a expedição principal fosse inteiramente or­ganizada, um monge chamado Pedro, o Eremita, con­vocou uma multidão de cerca de 40.000 pessoas sem experiência e sem disciplina e enviou-as ao Oriente, esperando ajuda milagrosa para aquela multidão. Mas a desprovida e desorganizada multidão fracassou; muitos de seus membros foram mortos e outros foram feitos escravos.[4] Entretanto, a primeira e verdadeira Cru­zada foi integrada por 275.000 dos melhores guerreiros de todos os países da Europa. Era chefiada por Godofredo de Bouillon e bem assim outros chefes. Depois de sofrerem muitos contratempos, principalmente por falta de disciplina e por desentendimentos entre os dirigentes, conseguiram tomar a cidade de Jerusalém e quase toda a Palestina, no ano 1099. Estabeleceram então um reino sobre princípios feudais. Havendo Godofredo recusado o título de rei, foi nomeado “barão e defensor do Santo Sepulcro”. Com a morte de Godofredo, seu irmão Balduíno tomou o título de rei. O reino de Jerusalém durou até ao ano de 1187, apesar de haver estado constantemente em condições difíceis, cercado por todos os lados exceto pelo mar pelo império dos sarracenos, e por estar muito distante de seus aliados naturais, na Europa.
A Segunda Cruzada foi convocada em virtude das notícias segundo as quais os sarracenos estavam con­quistando as províncias adjacentes ao reino de Jerusa­lém, e a própria cidade de Jerusalém estava ameaçada. Sob a influência da pregação do piedoso Bernardo de Clairveaux, Luiz VII da França e Conrado III de Ale­manha conduziram um grande exército em socorro dos lugares santos. Enfrentaram muitas derrotas, mas, fi­nalmente, alcançaram a cidade. Não conseguiram recu­perar o território perdido, mas conseguiram adiar por uma geração a queda final do reino.
Em 1187 Jerusalém foi retomada pelos sarracenos sob as ordens de Saladino, e o reino de Jerusalém che­gou ao seu fim, apesar de o título “Rei de Jerusalém” ter sido usado ainda por muito tempo.
A queda da cidade de Jerusalém despertou a Europa para organizar a Terceira Cruzada (1188-1192), a qual foi dirigida por três soberanos proeminentes: Frederico Barbarroxa, da Alemanha, Filipe Augusto, da França e Ricardo I, “Coração de Leão”, da Inglaterra. Entre­tanto Frederico, o melhor general e estadista, morreu afogado e os outros dois desentenderam-se. Filipe Au­gusto voltou à sua pátria e toda a coragem de Ricardo não foi suficiente para conduzir seu exército até Jeru­salém. Contudo, fez um acordo com Saladino, a fim de que os peregrinos cristãos tivessem direito a visitar o Santo Sepulcro sem serem molestados.
A Quarta Cruzada (1201-1204) foi um completo fra­casso, porque causou grandes prejuízos à igreja cristã. Os cruzados (componentes das Cruzadas), se afastaram do propósito de conquistar a Terra Santa e fizeram então guerra a Constantinopla, conquistaram-na, saquearam-na e impuseram seu próprio governo ao Im­pério Grego, governo que durou cinquenta anos. Entre­tanto, não cuidaram da defesa do império e deixaram-no indefeso, um insignificante baluarte para enfrentar o crescente poder dos turcos “seljuks”, raça de guerrei­ros não civilizados, que sucederam aos sarracenos e maometanos no poder dominante depois do término do período das Cruzadas.
Na Quinta Cruzada (1228) o imperador Frederico II, apesar de excomungado pelo papa, conduziu um exér­cito até à Palestina e conseguiu um tratado no qual as cidades de Jerusalém, Haifa, Belém e Nazaré, eram cedidas aos cristãos. Sabendo que nenhum sacerdote o coroaria (pois estava sob a excomunhão papal), Frede­rico coroou-se a si mesmo rei de Jerusalém. Por esse motivo o título “rei de Jerusalém” foi usado por todos os imperadores germânicos e depois pelos da Áustria, até ao ano 1835. Por causa da contenda do papa com Frederico II, os resultados da Cruzada não foram aproveita­dos. A cidade de Jerusalém foi novamente tomada pelos maometanos, em 1244, e desde então permaneceu sob o seu domínio.[5]
A Sexta Cruzada (1248-1254) foi empreendida por Luiz IX, da França, conhecido como São Luiz. Ele invadiu a Palestina através do Egito. Apesar de haver alcançado algumas vitórias a princípio, contudo foi der­rotado e aprisionado pelos maometanos. Depois foi res­gatado por elevada soma e permaneceu na Palestina até ao ano 1252, quando a morte de sua mãe, que ficara em seu lugar como regente, o obrigou a voltar à França.
A Sétima Cruzada (1270-1272) teve também a direção de Luiz IX, juntamente com o príncipe Eduardo Plantagenet, da Inglaterra, que veio a ser Eduardo I. A rota escolhida para a Cruzada foi novamente a África, porém Luiz IX morreu em Tunísia. Seu filho propôs a paz e Eduardo voltou à Inglaterra a fim de ocupar o trono. Esta é, geralmente, considerada a última Cruzada, cujo fracasso foi total.
Houve ainda cruzadas de menor importância, porém nenhuma delas merece menção especial. Em verdade, a partir do ano 1270 qualquer guerra realizada em favor da igreja era considerada cruzada, ainda mesmo que tais guerras fossem contra os “hereges” em países cristãos.
As Cruzadas fracassaram no propósito de libertar a Terra Santa do domínio dos maometanos. Um olhar retrospectivo indicará quais as causas do fracasso. É fácil notar um fato em cada uma das Cruzadas: reis e príncipes que chefiavam tais Cruzadas estavam sempre em desacordo. Cada qual estava mais preocupado com os interesses próprios do que com a causa comum. Invejavam-se uns aos outros e temiam que o êxito pro­porcionasse influência e fama ao rival. Contra o esforço dividido que havia no meio das Cruzadas estava um povo unido, valente, uma raça valorosa na guerra sob as ordens absolutas de um comandante, quer se tratasse de um califa, ou de um sultão.
A causa maior e mais profunda do fracasso foi, sem dúvida, a falta de um estadista entre os chefes das Cruzadas. Nenhum deles possuía visão ampla e trans­cendente. O que eles desejavam era obter resultados imediatos. Não compreendiam que para fundar e man­ter um reino na Palestina, a milhares de quilômetros de distância de seus países, eram necessárias comunica­ções constantes com a Europa Ocidental, e bem assim uma base de provisões e reforço contínuo. A conquista da Palestina era uma intromissão e não uma libertação. O povo da Terra Santa foi praticamente escravizado pelos cruzados; como escravos, eram obrigados a cons­truir castelos, fortalezas e palácios para seus odiados senhores. Acolheram com satisfação o regresso de seus primitivos governantes muçulmanos, pois mesmo que o jugo deles fosse pesado, ainda assim era mais leve do que o dos reis cristãos de Jerusalém.
Contudo, apesar do fracasso em manter um reino cristão na Palestina, ainda assim a Europa obteve al­guns bons resultados das Cruzadas. É que depois de cessadas as expedições, os peregrinos cristãos eram protegidos pelo governo turco. Em verdade o país prosperou e nas cidades de Belém, Nazaré e Jerusalém cresceram em população e riqueza, por causa das cara­vanas de peregrinos que visitavam a Palestina, sob a garantia e segurança dos governantes turcos.
Depois das Cruzadas, as agressões muçulmanas na Europa foram reprimidas. A experiência desses séculos de lutas despertou a Europa para ver o perigo do isla­mismo. Os espanhóis animaram-se a fazer guerra aos mouros que dominavam a metade da península.
Co­mandados por Fernando e Isabel, os espanhóis, em 1492, venceram o reino mourisco e expulsaram os mao­metanos do país. Na fronteira oriental da Europa, a Polónia e a Áustria estavam alertas, de modo que em 1683 fizeram retroceder a invasão turca, em uma vio­lenta batalha travada próximo à cidade de Viena. Essa vitória marcou o início da decadência do poder do Impé­rio Turco.
Outro bom resultado alcançado pelas Cruzadas foi um melhor conhecimento das nações entre si. Não somente os governantes e chefes, mas também cavaleiros e sol­dados dos diferentes países, começaram a conhecer-se e a reconhecer os interesses comuns. Entre as nações nasceu um respeito mútuo e fizeram-se alianças. As Cruzadas contribuíram grandemente para o desenvol­vimento da Europa moderna.
As Cruzadas também deram um grande impulso ao comércio. A procura de mercadoria de todas as espécies — armas, provisões e navios — aumentou a indústria e o comércio. Os cruzados levaram para a Europa o co­nhecimento das riquezas do Oriente, seus tapetes, sedas e jóias e o comércio estendeu-se a toda a Europa Ocidental. Os mercadores enriqueceram; surgiu então uma classe média entre os senhores e os vassalos. As cidades progrediram e aumentaram seu poder e os cas­telos começaram a perder a ascendência que exerciam sobre elas. Nos séculos seguintes, as cidades transformaram-se em centros de liberdade e reformas, sacudindo, assim, o domínio autoritário tanto dos prín­cipes como dos prelados.
O poder eclesiástico aumentou consideravelmente ao se iniciar o movimento das Cruzadas. As guerras eram convocadas pela igreja que, dessa forma, demonstrava seu domínio sobre príncipes e nações. Além disso a igreja adquiria terras ou adiantava dinheiro aos cruza­dos que oferecessem suas terras como garantia. Foi dessa forma que a igreja aumentou suas possessões em toda a Europa. Na ausência dos governantes tempo­rais, os bispos e os papas aumentavam seu domínio. Contudo, ao fim de tudo isso, as grandes riquezas, a arrogância dos sacerdotes e o uso sem escrúpulo que faziam do poder, despertaram o descontentamento e ajudaram a preparar o caminho para o levante contra a igreja católica romana, isto é, a Reforma.
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A IGREJA MEDIEVAL

 QUINTA PARTE
Desenvolvimento da Vida Monástica.
Arte Literatura Medievais.
Já vimos em capítulos anteriores a origem da vida monástica, nas cavernas no norte do Egito, durante o quarto século. Na Europa o movimento monástico a princípio desenvolveu-se lentamente, mas na Idade Média esse movimento desenvolveu-se grandemente entre os homens e também entre as mulheres. O nú­mero de monges e de freiras aumentou consideavelmente, com resultados bons e maus.
No Oriente os ascetas primitivos viviam separados, cada qual em sua própria caverna, cabana ou coluna. Entretanto, na Europa Ocidental formavam comunida­des e viviam juntos. Com o crescimento dessas comuni­dades, tornava-se necessária alguma forma de organi­zação ou governo, de modo que nesse período surgiram quatro grandes ordens.
A primeira dessas ordens foi a dos Beneditinos, fun­dada por S. Bento, em 529, em Monte Cassino, entre Roma e Nápolis. Essa ordem tornou-se a maior de todas as ordens monásticas da Europa, e no início de sua existência promovia a evangelização e a civilização do Norte. Suas regras exigiam obediência ao superior do mosteiro, a renúncia a todos os bens materiais, e bem assim a castidade pessoal. Essa ordem era muito operosa. Cortava bosques, secava e saneava pântanos, la­vrava os campos e ensinava ao povo muitos ofícios úteis. Muitas das ordens fundadas posteriormente são ramifi­cações da ordem dos Beneditinos ou então surgiram como consequência dela.
Os Cistercienses surgiram em 1098, com o objetivo de fortalecer a disciplina dos Beneditinos, que se rela­xava. Seu nome deve-se à cidade francesa de Citeaux, onde a ordem foi fundada por S. Roberto. Em 1112, a ordem foi reorganizada e fortalecida por S. Bernardo de Clairvaux. Essa ordem deu ênfase às artes, à arquitetura, e, especialmente à literatura, copiando livros antigos e escrevendo outros novos.
A ordem dos Franciscanos foi fundada em 1209 por S. Francisco de Assis, um dos homens mais santos, mais devotos e mais amados. Da Itália a ordem dos Francis­canos espalhou-se rapidamente por toda a Europa, tornando-se a mais numerosa de todas as ordens. Diz a história que a peste negra, praga que se espalhou por toda a Europa no século catorze, matou mais de 124.000 monges Franciscanos, enquanto prestavam auxílio aos moribundos e enfermos. Por causa da cor do hábito que usavam, tornaram-se conhecidos como os “frades cin­zentos”.
Os Dominicanos formavam uma ordem espanhola, fundada por S. Domingos, em 1215, que também se estendeu por toda a Europa. Os Dominicanos e os Fran­ciscanos diferenciavam-se dos membros de outras or­dens, pois eram pregadores, iam por toda parte a for­talecer a fé dos crentes e opunham-se às tendências “hereges”, sendo eles, mais tarde, os maiores perse­guidores dos mesmos “hereges”. Eram conhecidos como os “frades negros”, por se vestirem de preto. Os Dominicanos, juntamente com os Franciscanos, eram também chamados os “frades mendicantes”, porque dependiam para o próprio sustento das esmolas que recolhiam de porta em porta. Além dessas ordens, havia ordens semelhantes para mulheres.
Todas essas ordens ascetas foram fundadas com nobres propósitos, por homens e mulheres que se sacrifi­caram por elas. A influência das ordens em parte foi boa e em parte foi má. No início, cada ordem monástica era um benefício para a sociedade. Vamos mencionar al­guns dos bons resultados do monacato.
Durante os séculos de guerra e de quase-anarquia, havia centros de paz e quietude nos mosteiros, nos quais aqueles que estivessem em dificuldade ou perigo encontravam abrigo. Os mosteiros davam hospedagem aos viajantes, aos enfermos e aos pobres. Tanto os modernos hoteis, como os hospitais desenvolveram-se por influência dos mosteiros. Frequentemente, os mos­teiros e os conventos serviam de abrigo e proteção aos indefesos, principalmente às mulheres e crianças. Os mosteiros primitivos, tanto da Grã-Bretanha como do continente desenvolveram a agricultura. Os monges dedicavam-se ao saneamento, a secar pântanos, a cana­lizar águas, a construir estradas e a cultivar a terra.
Nas bibliotecas dos mosteiros guardavam-se muitas das mais antigas obras da literatura clássica e cristã. Os monges copiavam livros, escreviam as biografias de personalidades importantes, crônicas do seu tempo e histórias do passado. Algumas das obras mais impor­tantes, como os cânticos de S. Bernardo e Imitação de Cristo, de Kempis, foram fruto dos mosteiros. Sem as obras escritas nos mosteiros, a Idade Média teria pas­sado em branco. Os monges eram os principais profes­sores da juventude, isto é, praticamente os únicos. Quase a totalidade das universidades e escolas da Idade Média foram criadas nas abadias e nos mosteiros.
Na expansão do evangelho os monges serviram como missionários. Entravam em contato com os bárbaros e os convertiam à religião cristã. Entre eles conta-se Santo Agostinho (não o teólogo), que foi de Roma à Inglaterra (597), e também S. Patrício, que inicou a evangelização da Irlanda, no ano 431; esses são alguns, entre os muitos missionários monásticos.
Apesar dos bons resultados que emanaram do sistema monástico, também houve péssimos resultados. Alguns desses manifestaram-se mesmo quando as insti­tuições estavam em progresso. Contudo, acentuaram-se no último período, quando o monacato dege­nerou, perdendo o fervor primitivo, seus ideais eleva­dos e a disciplina. Entre esses males contam-se os se­guintes:
O monacato apresentava o celibato como a vida mais elevada, o que é inatural e contrário às Escrituras. Impôs a adoção da vida monástica a milhares de homens e mulheres das classes nobres da época. Os lares e as famílias foram, assim, constituídos não pelos melhores homens e mulheres, mas por aqueles de ideais inferio­res, já que o monacato enclausurava os melhores ele­mentos, que não participavam da família, nem da vida social, nem da vida cívica nacional.
Tanto em tempos de guerra como em tempos de paz, os homens mais capazes e necessários ao Estado esta­vam inativos, nos mosteiros. Afirmam alguns que Constantinopla e o Império Oriental poderiam haver-se defendido contra os turcos, se os monges que viviam nos conventos tivessem pegado em armas para defen­derem o seu país. O crescimento da riqueza dos mostei­ros levou à indisciplina, ao luxo, à ociosidade e à imora­lidade. Muitos conventos transformaram-se em antros de iniquidade. Cada nova ordem que surgia procurava fazer reformas, porém seus membros degeneravam para os mais baixos níveis de conduta. Inicialmente os mosteiros eram mantidos pelo trabalho de seus ocupan­tes. Mais tarde, porém, o trabalho cessou quase que por completo, e monges e freiras mantinham-se com a renda das propriedades, que aumentavam constante­mente, mediante as contribuições que se impunham à força às famílias, ricas e pobres. Todas as propriedades e bens de raiz das casas monásticas estavam isentos de impostos. Desse modo encargos cada vez mais pesados, e que finalmente se tornaram insuportáveis, eram colo­cados sobre a sociedade que vivia fora dos conventos. A ganância dos mosteiros provocou sua extinção.
No início da Reforma do século dezesseis, os mostei­ros de todo o norte da Europa estavam tão desmorali­zados no conceito do povo, que foram suprimidos, e os que neles habitavam foram obrigados a trabalhar para se manterem.
A esse período chamou-se a “Idade do Obscuran­tismo”. Contudo, essa época também deu ao mundo algumas das maiores realizações naquilo que há de me­lhor na vida.
Durante a Idade Média fundaram-se quase todas as grandes universidades, iniciadas principalmente por eclesiásticos e com origem nas escolas ligadas às cate­drais e aos mosteiros. Entre essas universidades podem-se mencionar a de Paris, que no século onze sob a orientação de Abelardo, tinha milhares de alunos; as universidades de Oxford e de Cambridge, e bem assim a de Bolonha, nas quais estudavam alunos de todos os países da Europa. Todas as grandes catedrais da Eu­ropa, essas maravilhas de arquitetura gótica, que o mundo moderno admira, sem poder sobrepujar, nem ao menos igualar, foram desenhadas e construídas no pe­ríodo medieval. O despertar da literatura teve início na Itália com a famosa obra “A Divina Comédia”, de Dante, iniciada no ano de 1303, logo seguida pelos escri­tos de Petrarca (1340) e de Bocácio (1360).
No mesmo país e na mesma época iniciou-se o despertamento da arte, com Giotto, em 1298, seguido por uma série de grandes pintores, escultores e arquitetos. De­vemos lembrar que, sem exceção, os pintores primiti­vos usavam a sua arte para servir à igreja. Seus qua­dros, apesar de se encontrarem atualmente em galerias e em exposições, a princípio estavam nas igrejas e nos mosteiros.
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A IGREJA MEDIEVAL

SEXTA PARTE
Início da Reforma Religiosa.
A Queda de Constantinopla.
Eruditos e Dirigentes
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Durante este período, especialmente seu ocaso, manifestaram-se réstias de luz religiosa, presságios da futura Reforma. Cinco grandes movimentos de refor­mas surgiram na igreja; contudo, o mundo não estava preparado para recebê-los, de modo que foram repri­midos com sangrentas perseguições.
Os albigenses ou cátaros (cathari), “puritanos”, con­seguiram proeminência no sul da França, cerca do ano 1170. Eles rejeitavam a autoridade da tradição, distri­buíam o Novo Testamento e opunham-se às doutrinas romanas do purgatório, à adoração de imagens e às pretensões sacerdotais, apesar de terem algumas idéias estranhas relacionadas com os antigos maniqueus, e rejeitarem o Antigo Testamento. O papa Inocêncio III, em 1208, mobilizou uma “cruzada” contra eles, e a seita foi dissolvida com o assassínio de quase toda a popula­ção da região, tanto a católica como a herege.
Os valdenses apareceram ao mesmo tempo, em 1170, com Pedro Valdo, um comerciante de Lyon, que lia, explicava e distribuía as Escrituras, as quais contraria­vam os costumes e as doutrinas dos católicos romanos. Pedro Valdo fundou uma ordem de evangelistas, “os pobres de Lyon”, que viajavam pelo centro e sul da França, ganhando adeptos. Foram cruelmente perse­guidos e expulsos da França; contudo encontraram abrigo nos vales do norte da Itália. Apesar do séculos de perseguições, eles permaneceram firmes, e atualmente constituem uma parte do pequeno grupo de protestan­tes na Itália.
João Wyclif iniciou um movimento na Inglaterra a favor da libertação do domínio do poder romano e da reforma da igreja. Wyclif nasceu em 1324, educou-se na Universidade de Oxford, onde alcançou o lugar de dou­tor em teologia e chefe dos conselhos que dirigiam aquela instituição. Atacava os frades mendicantes e o sistema do monacato. Recusava-se a reconhecer a auto­ridade do papa e opunha-se a ela na Inglaterra. Escre­veu contra a doutrina da transubstanciação, conside­rando o pão e o vinho meros símbolos. Insistia em que os serviços divinos na igreja fossem mais simples, isto é, de acordo com o modelo do Novo Testamento. Se ele fizesse isso em outro país, certamente teria sido logo martirizado. Porém, na Inglaterra, era protegido pelos nobres mais influentes. Mesmo depois que algumas de suas doutrinas foram condenadas pela Universidade, ainda assim lhe foi permitido voltar à sua paróquia em Lutterworth, e a continuar como clérigo, sem ser mo­lestado. Seu maior trabalho foi a tradução do Novo Testamento para o inglês, terminado em 1380. O Antigo Testamento, no qual foi ajudado por alguns amigos, foi publicado em 1384, ano de sua morte. Os discípulos de Wyclif foram chamados “lolardos”, e chegaram a ser numerosos. Porém, no tempo de Henrique IV e Henri­que V foram intensamente perseguidos e, por fim, ex­terminados. A pregação de Wyclif e sua tradução da Bíblia sem dúvida, prepararam o caminho para a Re­forma.
João Huss, da Boêmia (nascido em 1369 e martirizado em 1445), foi um dos leitores dos escritos de Wyclif, pregou as mesmas doutrinas, e especialmente procla­mou a necessidade de se libertarem da autoridade papal. Chegou a ser reitor da Universidade de Praga, e durante algum tempo exerceu influência atuante em toda a Boêmia. O papa excomungou João Huss, e de­terminou que a cidade de Praga ficasse sujeita à cen­sura eclesiástica enquanto ele morasse ali. Huss, então retirou-se para lugar ignorado. Porém, de seu esconde­rijo enviava cartas confirmando suas idéias. Ao fim de dois anos consentiu em comparecer ao concílio da igreja católico-romana de Constança, que se realizou em Badem, na fronteira da Suíça, havendo para isso rece­bido um salvo-conduto do imperador Sigismundo. En­tretanto, o acordo foi violado, não respeitaram o salvo-conduto sob a alegação de que “Não se deve ser fiel a hereges”. Assim foi Huss condenado e queimado em 1415. Porém sua atividade e sua condenação foram ele­mentos decisivos na Reforma de sua terra natal, e in­fluenciaram a Boêmia, por muitos séculos, desde esse tempo.
Jerônimo Savonarola (nascido em 1452) foi um monge da Ordem dos Dominicanos, em Florença, Itália, e che­gou a ser prior do Mosteiro de S. Marcos. Pregava, tal qual um dos profetas antigos, contra os males sociais, eclesiásticos e políticos de seu tempo. A grande cate­dral enchia-se até transbordar de multidões ansiosas, não só de ouvi-lo, mas também para obedecer aos seus ensinos. Durante muito tempo foi praticamente o dita­dor de Florença onde efetuou evidente reforma. Final­mente foi excomungado pelo papa. Foi preso, conde­nado enforcado e seu corpo queimado na praça de Flo­rença. Seu martírio deu-se em 1498, apenas dezenove anos antes que Lutero pregasse as teses na porta da catedral de Wittenberg.
A queda de Constantinopla, em 1453, foi assinalada pelos historiadores como a linha divisória entre os tem­pos medievais e os tempos modernos. O Império Grego nunca se recuperou da conquista de Constantinopla pelos cruzados em 1204. Entretanto, as fortes defesas naturais e artificiais protegeram durante muito tempo a cidade de Constantinopla contra os turcos que sucederam aos árabes como poder maometano dominante. Província após província do grande império foi tomada, até ficar somente a cidade de Constantinopla, que fi­nalmente, em 1453, foi tomada pelos turcos sob as or­dens de Maomé II. Em um só dia o templo de Sta. Sofia foi transformado em mesquita (condição que perdurou até 1920) e Constantinopla tornou-se a cidade dos sul­tões e a capital do Império Turco. Depois da primeira guerra mundial, Ancara foi declarada a capital turca. A igreja grega continua com seu patriarca, despojado de tudo, menos de sua autoridade eclesiástica, com resi­dência em Constantinopla (Istambul). Com a queda de Constantinopla, em 1453, terminou o período da Igreja Medieval.
Vamos mencionar, ainda que ligeiramente, alguns dos homens eruditos e dirigentes do pensamento no período que estudamos. Durante os mil anos da igreja Medieval, levantaram-se muitos homens de valor, porém somente citaremos quatro deles como dirigentes intelectuais da época.
Anselmo nasceu em 1033, no Piomonte, Itália; era um erudito, como tantos outros homens de seu tempo, que vagava por vários países. Anselmo fez-se monge do Mosteiro de Bec, na Normandia, e alcançou o cargo de abade, em 1078. Foi nomeado arcebispo de Canterbury e primaz da igreja na Inglaterra por Guilherme Rufus, em 1093. Contudo lutou contra Guilherme e contra seu sucessor Henrique I, por causa da liberdade e autori­dade da igreja, e por isso foi exilado, por algum tempo. Escreveu várias obras teológicas e filosóficas, sendo por isso chamado “o segundo Agostinho”. Morreu no ano 1109.
Pedro Abelardo, que nasceu no ano 1079, e morreu em 1142, como filósofo e teólogo, foi o pensador mais ousado da Idade Média. Pode ser considerado como o fundador da Universidade de Paris, que foi a mãe das Universidades européias. A fama de Abelardo, como professor, atraiu milhares de estudantes de todas as partes da Europa. Muitos dos grandes homens da geração que lhe sucedeu foram influenciados por seus pen­samentos. Suas intrépidas especulações e opiniões in­dependentes o colocaram mais de uma vez sob a expul­são da igreja. Mais famosa do que seus ensinos e escri­tos foi a história romântica que manteve com a formosa Eloísa, por quem deixou a vida monástica. Casaram-se, porém logo depois foram obrigados a separar-se e a entrar para conventos. Abelardo morreu no posto de abade, e Eloísa quando era abadessa.
Bernardo de Clairvaux (1090-1153) foi um nobre per­tencente a uma família francesa. Educou-se para servir na corte, porém renunciou, a fim de entrar para um convento. Em 1115 fundou em Clairvaux um mosteiro da ordem dos cistercienses e foi ele o primeiro abade do convento. Essa ordem espalhou-se por muitos países e seus membros eram geralmente conhecidos como bernardinos. Bernardo era uma admirável união de pensa­dor místico e prático. Organizou a Segunda Cruzada em 1147. Foi um homem de mente esclarecida e coração bondoso. Opunha-se à perseguição aos judeus e escre­via contra ela. Alguns de seus hinos, como “Jesus, só o pensar em ti”, e ainda “Ó fronte ensanguentada”, cantam-se em todas as igrejas. Somente vinte anos depois da morte foi ele canonizado como São Bernardo. Lutero declarou o seguinte: “Se houve no mundo um monge santo e temente e Deus, esse foi S. Bernardo de Clairvaux.”
A mentalidade maior da Idade Média foi, sem dúvida, Tomás de Aquino, que viveu nos anos de 1225 a 1274, e foi chamado o “Doutor Universal, Doutor Angélico e Príncipe da Escolástica”. Nasceu na localidade de Aquino, no reino de Nápoles. Contra a vontade da família, os condes de Aquino, entrou para a ordem dos monges dominicanos. Quando ainda estudante, Tomás era tão calado que lhe deram o apelido de “boi mudo”. Mas o seu mestre Alberto Magno sempre dizia: “Um dia esse boi encherá o mundo com seus mugidos.” E, de fato, ele foi a autoridade mais célebre e mais elevada de todo o período medieval, na filosofia e na teologia. Seus escritos ainda hoje são citados, principalmente pelos eruditos católicos romanos. Tomás de Aquino morreu em 1274.
ESBOÇO DOS CAPÍTULOS 18 – 20.
QUINTO PERÍODO GERAL.
A IGREJA REFORMADA
Desde a Queda de Constaninopla, 1453
Até ao Fim da Guerra dos Trinta anos, 1648
I. INFLUÊNCIAS QUE CONDUZIRAM À RE­FORMA. (Capítulo 18).
1.  A Renascença.
2.  A Invenção da Imprensa.
3.  O Espírito Nacionalista.
II. A RE FORMA NA ALEMANHA. (Capítulo 18).
1.  A Venda de Indulgências.
2.  As Teses.
3.  Queima da Bula Papal.
4.  A Dieta de Worms.
5.  O Castelo de Wartzburg.
6.  O Nome Protestante.
III. A REFORMA EM OUTROS PAÍSES. (Capítulo 19).
1.  Na Suíça.
2.  No Reino da Escandinávia.
3.  Na França.
4.  Nos Países-Baixos.
5.  Na Inglaterra:
(a) Sob Henrique VIII.
(b) Sob Eduardo VI.
(c) Sob a Rainha Maria.
(d) Sob a Rainha Elisabete I.
6. Na Escócia.
IV. OS PRINCÍPIOS DA RELIGIÃO REFOR­MADA. (Capítulo 19).
1.  Religião Bíblica.
2.  Religião Racional.
3.  Religião Pessoal.
4.  Religião Espiritual.
5.  Religião Nacional.
V. A CONTRA-REFORMA. (Capítulo 20).
1.  Reforma Dentro da Igreja Católica Romana.
2.  A Ordem dos Jesuítas.
3.  Perseguição Ativa.
4.  Esforços Missionários dos Católicos Romanos.
5.  A Guerra dos Trinta Anos.
VI. DIRIGENTES DO PERÍODO. (Capítulo 20).
1.  Desidério Erasmo, 1466-1536.
2.  Martinho Lutero, 1483-1546.
3. João Calvino, 1509-1564.
4.  Tomás Crâmer, 1489-1556.
5. João Knox, 1505-1572.
6.  Inácio de Loiola, 1491-1556.
7.  Francisco Xavier, 1506-1552.
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A IGREJA REFORMADA

QUINTO PERÍODO GERAL
Desde a Queda de Constantinopla, 1453
Até ao Fim da Guerra dos Trinta Anos, 1648
PRIMEIRA PARTE
A Reforma na Alemanha.
Neste período de duzentos anos que vamos comen­tar, o grande acontecimento que despertou a atenção geral foi a Reforma; iniciada na Alemanha, espalhou-se por todo o norte da Europa e teve como resultado o estabelecimento de igrejas nacionais que não presta­vam obediência nem fidelidade a Roma. Anotemos al­gumas das forças que conduziram à Reforma e ajuda­ram de forma notável o seu progresso.
Uma dessas forças foi, sem dúvida, o notável movi­mento conhecido como Renascença, ou despertar da Europa para um novo interesse pela literatura, pelas artes e pela ciência, isto é, a transformação dos médo­dos e propósitos medievais em métodos modernos.
Durante a Idade Média o interesse dos estudiosos havia sido orientado para a verdade religiosa, com a filosofia relacionada com a religião. Os principais pen­sadores e escritores, conforme vimos, eram homens pertencentes à igreja. Porém, no período da Renas­cença, surgiu um novo interesse pela literatura clássica, pelo grego e pelo latim, pelas artes, de forma inteiramente separada da religião. Por via de tal interesse, apareceram os primeiros vislumbres da ciência moderna. Os dirigentes do movimento, de modo geral, não eram sacerdotes nem monges, e sim leigos, espe­cialmente na Itália, onde teve início a Renascença, não como um movimento religioso, mas literário; não aber­tamente anti-religioso, porém cético e investigador.
A maioria dos estudiosos italianos desse período eram homem destituídos de vida religiosa; até os pró­prios papas dessa época destacavam-se mais por sua cultura do que pela fé. No norte dos Alpes, na Alema­nha, na Inglaterra, e na França o movimento possuía sentimento religioso, despertando novo interesse pelas Escrituras, pelas línguas grega e hebraica, levando o povo a investigar os verdadeiros fundamentos da fé, independente dos dogmas de Roma. Por toda parte, de norte a sul, a Renascença solapava a igreja católica romana.
A invenção da imprensa veio a ser um arauto e aliado da Reforma que se aproximava. Essa descoberta foi realizada por Gutemberg, em 1455, em Mogúncia, no Reno, e consistia em imprimir livros com tipos móveis, fazendo-os circular, facilmente, aos milhares. Antes de se inventar a imprensa, os livros eram copiados a mão. Uma Bíblia, na Idade Média, custava o salário de um ano de um operário. É muito significativo o fato de o primeiro livro impresso por Gutemberg haver sido a Bíblia, demonstrando, assim, o desejo dessa época.
A imprensa possibilitou o uso comum das Escrituras, e incentivou a tradução e a circulação da Bíblia em todos os idiomas da Europa. As pessoas que liam a Bíblia, prontamente se convenciam de que a igreja papal es­tava muito distanciada do ideal do Novo Testamento. Os novos ensinos dos Reformadores, logo que eram escritos, também eram logo publicados em livros e fo­lhetos, e circulavam aos milhões em toda a Europa.
Nessa época começou a surgir na Europa o espírito nacionalista. Esse movimento era diferente das lutas medievais entre papas e imperadores. Tratava-se mais de um movimento popular do que mesmo um movi­mento relacionado com os reis. O patriotismo dos povos começou a manifestar-se, mostrando-se inconformados com a autoridade estrangeira sobre suas próprias igre­jas nacionais; resistindo à nomeação de bispos, abades e dignitários da igreja feitas por um papa que vivia em um país distante. Não se conformava, o povo, com a contri­buição do “óbolo de S. Pedro”, para sustentar o papa e para a construção de majestosos templos em Roma. Havia uma determinação de reduzir o poder dos concí­lios eclesiásticos, colocando o clero sob o poder das mesmas leis e tribunais que serviam para os leigos. Esse espírito nacionalista era um sustentáculo do mo­vimento da Reforma.
Enquanto o espírito de reforma e de independência despertava a Europa, a chama desse movimento come­çou a arder primeiramente na Alemanha, no eleitorado da Saxônia, sob a direção de Martinho Lutero, monge e professor da Universidade de Wittenberg. Vamos ano­tar algumas das causas originais.
O papa reinante, Leão X, em razão da necessidade de avultadas somas para terminar as obras do templo de S. Pedro em Roma, permitiu que um seu enviado, João Tetzel, percorresse a Alemanha vendendo bulas, assi­nadas pelo papa, as quais, dizia, possuíam a virtude de conceder perdão de todos os pecados, não só aos possui­dores da bula, mas também aos amigos, mortos ou vivos, em cujo nome fossem as bulas compradas, sem necessidade de confissão, nem absolvição pelo sacer­dote. Tetzel fazia esta afirmação ao povo: “Tão depressa o vosso dinheiro caia no cofre, a alma de vossos amigos subirá do purgatório ao céu.” Lutero, por sua vez, começou a pregar contra Tetzel e sua campanha de venda de indulgências, denunciando como falso esse ensino.
A data exata fixada pelos historiadores como início da grande Reforma foi registrada como 31 de outubro de 1517. Na manhã desse dia, Martinho Lutero afixou na porta da Catedral de Wittenberg um pergaminho que continha noventa e cinco teses ou declarações, quase todas relacionadas com a venda de indulgências; porém em sua aplicação atacava a autoridade do papa e do sacerdócio. Os dirigentes da igreja procuravam em vão restringir e lisonjear Martinho Lutero. Ele, porém, permaneceu firme, e os ataques que lhe dirigiam, ape­nas serviram para tornar mais resoluta sua oposição às doutrinas não apoiadas nas Escrituras Sagradas.
Após longas e prolongadas controvérsias e a publica­ção de folhetos que tornaram conhecidas as opiniões de Lutero em toda a Alemanha, seus ensinos foram for­malmente condenados. Lutero foi excomungado por uma bula [6] do papa Leão X, no mês de junho de 1520. Pediram então ao eleitor Frederico da Saxônia que entregasse preso Lutero, a fim de ser julgado e casti­gado. Entretanto, em vez de entregar Lutero, Frede­rico deu-lhe ampla proteção, pois simpatizava com suas idéias. Martinho Lutero recebeu a excomunhão como um desafio, classificando-a de “bula execrável do anti­cristo”. No dia 10 de dezembro, Lutero queimou a bula, em reunião pública, à porta de Wittemberg, diante de uma assembléia de professores, estudantes e do povo. Juntamente com a bula, Lutero queimou também có­pias dos cânones ou leis estabelecidas por autoridades romanas. Esse ato constituiu a renúncia definitiva de Lutero à igreja católica romana.
Em 1521 Lutero foi citado a comparecer ante a Dieta do Concílio Supremo do Reno. O novo imperador Carlos V concedeu um salvo-conduto a Lutero, para compare­cer em Worms. Apesar de advertido por seus amigos de que poderia ter a mesma sorte de João Huss, que nas mesmas circunstâncias, no Concílio de Constança, em 1415, apesar de possuir um salvo-conduto, foi morto por seus inimigos, Lutero respondeu-lhes: “Irei a Worms ainda que me cerquem tantos demônios quantas são as telhas dos telhados.” Finalmente, no dia 17 de abril de 1521 Lutero compareceu ante a Dieta, presidida pelo imperador. Em resposta a um pedido de que se retra­tasse, e renegasse o que havia escrito, após algumas considerações respondeu que não podia retratar-se, a não ser que fosse desaprovado pelas Escrituras e pela razão, e terminou com estas palavras: “Aqui estou. Não posso fazer outra coisa. Que Deus me ajude. Amém.” Instaram com o imperador Carlos para que prendesse Lutero, apresentando como razão, que a fé não podia ser confiada a hereges. Contudo, Lutero pôde deixar Worms em paz.
Enquanto viajava de regresso à sua cidade, Lutero foi cercado e levado por soldados do eleitor Frederico para o castelo de Wartzburg, na Turíngia. Ali permane­ceu Lutero guardado, em segurança e disfarçado, du­rante um ano, enquanto as tempestades de guerra e revoltas rugiam no império. Entretanto, durante esse tempo, Lutero não permaneceu ocioso; nesse período traduziu o Novo Testamento para a língua alemã, obra que por si só o teria imortalizado, pois essa versão é considerada como o fundamento do idioma alemão es­crito. Isto aconteceu no ano de 1521. O Antigo Testa­mento só foi completado alguns anos mais tarde. Ao regressar do castelo de Wartzburg a Wittenberg, Lu­tero reassumiu a direção do movimento a favor da igreja Reformada, exatamente a tempo de salvá-la de excessos extravagantes.
A divisão dos vários estados alemães, em ramos Re­formados e romanos, deu-se entre o Norte e o Sul. Os príncipes meridionais, dirigidos pela Áustria, aderiram a Roma, enquanto os do Norte se tornaram seguidores de Lutero. Em 1529 a Dieta reuniu-se na cidade de Espira, com o objetivo de reconciliar as partes em luta. Nessa reunião da Dieta os governadores católicos, que tinham maioria, condenaram as doutrinas de Lutero. Os príncipes resolveram proibir qualquer ensino do lute­ranismo nos estados em que dominassem os católicos. Ao mesmo tempo determinaram que nos estados em que governassem luteranos, os católicos poderiam exercer livremente sua religião. Os príncipes luteranos protestaram contra essa lei desequilibrada e odiosa. Desde esse tempo ficaram conhecidos como protestan­tes, e as doutrinas que defendiam também ficaram co­nhecidas como religião protestante.
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A IGREJA REFORMADA

SEGUNDA PARTE
A Reforma em Outros Países.
Princípios da Reforma.
Enquanto a Reforma estava ainda em início na Ale­manha, eis que o mesmo espírito despontou também em muitos países da Europa. No Sul, como na Itália e Espanha, a Reforma foi sufocada impiedosamente. Na França e nos Países-Baixos a causa da Reforma pendia na balança da incerteza. Entretanto, em todas as na­ções do Norte a nova religião apresentava-se vitoriosa sobre toda a oposição romana e começava a dominar esses países.
A Reforma na Suíça despontou independente por completo do movimento na Alemanha, apesar de se haver manifestado simultaneamente, sob a orientação de Ulrico Zuínglio, o qual, em 1517, atacou “a remissão de pecados”, que muitos procuravam por meio de pere­grinações a um altar da Virgem de Einsieldn. No ano de 1522, Zuínglio rompeu definitivamente com Roma. A Reforma foi então formalmente estabelecida em Zuri­que, e dentro em breve tornou-se um movimento mais radical do que na Alemanha. Entretanto, o progresso desse movimento foi prejudicado por uma guerra civil entre cantões católico-romanos e protestantes, na qual Zuínglio morreu em 1531. Apesar de tudo, a reforma continuou a sua marcha, e mais tarde teve como diri­gente João Calvino, o maior teólogo da igreja, depois de Agostinho; sua obra, “Instituições da Religião Cristã”, publicada em 1536, quando Calvino tinha apenas vinte e sete anos, tornou-se regra da doutrina protestante.
O reino escandinavo, que nessa época se compunha da Dinamarca, Suécia e Noruega, sob um mesmo go­verno, recebeu prontamente os ensinos de Lutero, os quais tiveram a simpatia do rei Cristiano II. As lutas políticas e a guerra civil, durante algum tempo parali­saram o progresso da Reforma. Porém, finalmente, os três países aceitaram as idéias luteranas.
Na França, a igreja católica romana possuía mais liberdade do que no resto da Europa. Por essa razão era menos sentida a necessidade de independência eclesiástica de Roma. Contudo, ali iniciou-se um movi­mento religioso, antes da Reforma na Alemanha. No ano de 1512, Jacques Lefevre escreveu e pregou a dou­trina da “justificação pela fé”.
Dois partidos surgiram então na corte e entre o povo. Os reis que se sucediam no governo, apesar de nomi­nalmente católicos romanos, alternadamente se coloca­vam ao lado de cada partido. Porém o protestantismo sofreu um golpe quase mortal, no terrível massacre da noite de São Bartolomeu, 24 de agosto de 1572, quando quase todos os chefes protestantes e milhares de seus adeptos foram covardemente assassinados. A fé refor­mada enfrentou terrível perseguição, mas uma parte do povo francês continuou protestante. Apesar de pe­queno em número, o protestantismo francês exerceu grande influência.
Os Países-Baixos, que se compunham dos atuais paí­ses da Bélgica e Holanda, estavam, no início da Re­forma, sob o domínio da Espanha. Esses países recebe­ram logo os ensinos da Reforma, porém foram perse­guidos pelos regentes espanhóis. Nos Países-Baixos a reforma era um clamor de liberdade política e religiosa e a tirania dos espanhóis levou o povo a rebelar-se. Após prolongada guerra e incrível sofrimento, os Países-Baixos, sob a direção de Guilherme, o Taciturno, finalmente conquistaram a independência desligando-se do governo da Espanha, apesar de somente haverem al­cançado o reconhecimento no ano de 1648, sessenta anos depois da morte de Guilherme. A Holanda, tornou-se protestante. Entretanto a Bélgica continuou em sua maioria católica romana.
O movimento da Reforma na Inglaterra passou por vários períodos de progresso e retrocesso, em razão das relações políticas, das diferentes atitudes dos sobera­nos e do espírito conservador natural aos ingleses. A Reforma iniciou-se no reinado de Henrique VIII, com um grupo de estudantes de literatura clássica e da Bíblia, alguns dos quais, como Tomás More, recuaram e continuaram católicos, enquanto outros avançaram co­rajosamente para a fé protestante.
Um dos dirigentes da Reforma na Inglaterra foi João Tyndale, que traduziu o Novo Testamento na língua “mater”, a primeira versão em inglês depois da inven­ção da imprensa; essa tradução, mais do que outra qualquer, modelou todas as traduções, a partir daí. Tyndale foi martirizado em Antuérpia, no ano de 1536. Outro dirigente da Reforma foi Tomás Cranmer, arce­bispo de Cantuária; Cranmer, após ajudar de modo notável a Inglaterra a tornar-se protestante, retratou-se no reinado da rainha católica Maria, na esperança de salvar a vida. Entretanto, ao ser conde­nado a morrer queimado, revogou a retratação. A re­forma na Inglaterra foi favorecida e também prejudi­cada por Henrique VIII, o qual se separou de Roma, porque o papa não quis sancionar seu divórcio da rainha Catarina, irmã do imperador Carlos V. Henrique VIII fundou uma igreja católica inglesa, sendo ele mesmo o chefe. Aqueles que não concordavam com suas idéias, quer católicos, quer protestantes, eram por ele conde­nados à morte.
Sob o governo de Eduardo VI, que era muito jovem, e cujo reinado foi curto, a causa da Reforma progrediu muito. Dirigida por Cranmer e outros, a igreja da In­glaterra foi fundada e o Livro de Oração foi compilado, com sua rica e rítmica forma de linguagem. A rainha Maria, que sucedeu a Eduardo VI, era uma fanática romanista e iniciou um movimento para reconduzir seus súditos a sua antiga igreja, usando para isso a persegui­ção. Ela governou somente cinco anos; porém nesse período mais de trezentos protestantes sofreram o mar­tírio. Com o acesso ao trono de Elizabete, a mais capaz de todos os soberanos da Inglaterra, as prisões se abri­ram, os exílios foram revogados, a Bíblia foi novamente honrada no púlpito e no lar, e durante seu longo go­verno, denominado a “época de Elisabete”, a mais reli­giosa da história inglesa, a igreja da Inglaterra firmou-se outra vez e tomou a forma que dura até hoje.
Na Escócia a Reforma teve progresso muito lento, pois a igreja e o Estado eram governados pela mão férrea do cardeal Beaton e pela rainha Maria de Guise, mãe da rainha Maria da Escócia. O cardeal foi assassi­nado, a rainha morreu, e logo a seguir João Knox, em 1559, assumiu a direção do movimento reformador. Mediante suas idéias radicais e inflexíveis, sua firme determinação e sua irresistível energia, mesmo contra o engenho e a atração de sua romanista soberana, a rainha Maria dos escoceses, Knox pôde fazer desapare­cer todos os vestígios da antiga religião, e levar a Re­forma muito mais longe, do que a da Inglaterra. A igreja Presbiteriana, segundo foi planejada por João Knox, veio a ser a igreja da Escócia.
No início do século dezesseis, a única igreja na Eu­ropa Ocidental era a católica romana, que se julgava segura da lealdade de todos os reinos. Contudo, antes de findar esse século todos os países do norte da Eu­ropa, ao oeste da Rússia, se haviam separado de Roma, e haviam estabelecido suas próprias igrejas nacionais. Embora nos países do norte da Europa houvesse diferença de doutrinas e de organização resultantes da Reforma, contudo não é difícil encontrar a plataforma comum de todas as igrejas protestantes. Os princípios da Reforma podem ser considerados cinco.
O primeiro grande princípio é que a verdadeira religião está baseada nas Escrituras. Os católicos romanos haviam substituído a autoridade da Bíblia pela autori­dade da igreja. Ensinavam que a igreja era infalível e que a autoridade da Bíblia procedia da autorização da igreja. Proibiam a leitura das Escrituras aos leigos e opunham obstáculos à sua tradução na linguagem usada pelo povo. Os reformadores afirmavam que a Bíblia continha as regras de fé e prática, e que não se devia aceitar nenhuma doutrina que não fosse ensinada pela Bíblia. A Reforma devolveu ao povo a Bíblia que se havia perdido, e colocou os ensinos bíblicos sobre o trono da autoridade. Foi pela atitude dos reformadores, e através dos países protestantes, que a Bíblia conse­guiu a circulação que hoje tem, a qual se conta aos milhões, anualmente.
Outro princípio estabelecido pela Reforma foi este: a religião devia ser racional e inteligente. O romanismo havia introduzido, doutrinas irracionais no credo da igreja, como a transubstanciação, pretensões absurdas como as indulgências papais, em sua disciplina, costu­mes supersticiosos como a adoração de imagens em seu ritual. Os reformadores, conquanto subordinassem de­vidamente a razão à revelação, contudo reconheciam a primeira como um dom divino, e requeriam um credo, uma disciplina e uma adoração que não violassem a natureza racional do homem.
A terceira grande verdade da Reforma, e à qual deu ênfase, era a religião pessoal. Sob o sistema romano havia uma porta fechada entre o adorador e Deus, e para essa porta o sacerdote tinha a única chave. O pecador arrependido não confessava seus pecados a Deus; não obtinha perdão de Deus, e sim do sacerdote; somente ele podia pronunciar a absolvição. O adorador não orava a Deus o Pai, mediante Cristo o Filho, mas por meio de um santo padroeiro, que se supunha inter­ceder pelo pecador diante de um Deus demasiado dis­tante para que o homem se aproximasse dele na vida terrena. Em verdade, Deus era considerado como um Ser pouco amigável, que devia ser aplacado e apaziguado mediante a vida ascética de homens e mulheres santos, os únicos cujas orações podiam salvar os ho­mens da ira de Deus. Os homens piedosos não podiam consultar a Bíblia para se orientarem; tinham de rece­ber os ensinos do Livro indiretamente, segundo as in­terpretações dos concílios e dos cânones da igreja. Os reformadores removeram todas essas barreiras. Guia­vam o adorador a Deus como objeto direto de oração, e bem assim o outorgador imediato do perdão e da graça. Levavam as almas à presença de Deus e à comunhão com Cristo individualmente.
Os reformadores também insistiam na religião espiri­tual, diferente da religião formalista. Os católicos ro­manos haviam sobrecarregado a simplicidade do evan­gelho, adicionando-lhe formalidades e cerimônias que lhe obscureciam inteiramente a vida e o espírito. A religião consistia em adoração externa prestada sob a direção dos sacerdotes, e não na atitude do coração para com Deus. Indiscutivelmente houve muitos homens sinceros e espirituais na igreja católica romana, entre os quais podemos destacar Bernardo de Clairvaux, Francisco de Assis e Tomás de Kempis, os quais viviam em íntima comunhão com Deus. Entretanto, de modo geral, na igreja a religião era letra e não espírito. Os reformadores davam ênfase às características internas da religião antes que às externas. Colocavam em evi­dência a antiga doutrina como experiência vital: “A salvação pela fé em Cristo, e unicamente pela fé.” Pro­clamavam que os homens são justificados não por for­mas e observâncias externas e sim pela vida interior espiritual, “a vida de Deus na alma dos homens”.
O último dos princípios da obra da Reforma foi a existência de uma igreja nacional, independente da igreja mundial. O alvo do papado e do sacerdócio havia sido subordinar o Estado à igreja, e fazer com que o papa exercesse autoridade sobre todas as nações.
En­tretanto, onde o protestantismo triunfava, surgia uma igreja nacional governada por si mesma e completa­mente independente de Roma. Essas igrejas nacionais assumiam diferentes formas: episcopal na Inglaterra, presbiteriana na Escócia e na Suíça, um tanto mista nos países do Norte. O culto de adoração em todas as igrejas católicas romanas era em latim, porém nas igrejas pro­testantes celebravam-se os cultos nos idiomas usados por seus adoradores.
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A IGREJA REFORMADA

TERCEIRA PARTE
A Contra-Reforma. Dirigentes do Período.
Logo após haver-se iniciado o movimento da Re­forma, um poderoso esforço foi também iniciado pela igreja católica romana no sentido de recuperar o ter­reno perdido na Europa, para destruir a fé protestante e para enviar missões católico-romanas a países estran­geiros. Esse movimento foi chamado Contra-Reforma.
Tentou-se fazer a reforma dentro da própria igreja, por via do Concílio de Trento, convocado no ano de 1545 pelo papa Paulo III, principalmente com o objetivo de investigar os motivos e pôr fim aos abusos que deram causa à Reforma. O Concílio reuniu-se em datas dife­rentes e lugares diversos, porém a maioria das vezes em Trento, na Áustria, a 120 quilômetros ao norte de Veneza. O Concílio era composto de todos os bispos e abades da igreja, e durou quase vinte anos, durante os governos de quatro papas, de 1545 a 1563. Todos espe­ravam que a separação entre católicos e protestantes teria fim, e que a igreja ficaria outra vez unida.
Con­tudo, tal coisa não sucedeu. Fizeram-se, porém, muitas reformas na igreja católica e as doutrinas foram defini­tivamente estabelecidas. Os próprios protestantes ad­mitem que depois do Concílio de Trento os papas se conduziram com mais acerto do que os que governaram antes do Concílio. O resultado dessa reunião pode ser considerado como uma reforma conservadora dentro da igreja católica romana.
De ainda maior influência na Contra-Reforma foi a Ordem dos Jesuítas, fundada em 1534 pelo espanhol Inácio de Loyola. Era uma ordem monástica caracteri­zada pela combinação da mais severa disciplina, intensa lealdade à igreja e à Ordem, profunda devoção reli­giosa, e um marcado esforço para arrebanhar proséli­tos. Seu principal objetivo era combater o movimento protestante, tanto com métodos conhecidos como com formas secretas. Tornou-se tão poderosa a Ordem dos Jesuítas, que teve contra ela a oposição mais severa, até mesmo nos países católicos; foi suprimida em quase todos os países da Europa, e por decreto do papa Cle­mente XIV, no ano de 1773, a Ordem dos Jesuítas foi proibida de funcionar dentro da igreja. Apesar desse fato, ela continuou a funcionar, secretamente durante algum tempo, mais tarde abertamente, e foi reconhe­cida pelo papa em 1814. Hoje é uma das forças mais ativas para divulgar e fortalecer a igreja católica ro­mana em todo o mundo.
A perseguição ativa foi outra arma poderosa usada para impedir o crescente espírito da Reforma. É certo que os protestantes também perseguiram, e até mata­ram, porém geralmente isso aconteceu por sentimentos políticos e não religiosos. Na Inglaterra, aqueles que morreram, eram principalmente católicos que conspi­raram contra a rainha Elisabete. Entretanto, no conti­nente europeu, todos os governos católicos preo­cupavam-se em extirpar a fé protestante, usando para isso a espada. Na Espanha estabelceu-se a Inquisição, por meio da qual inumerável multidão sofreu torturas e muitas pessoas foram queimadas vivas. Nos Países-Baixos o governo espanhol determinou matar todos aqueles que fossem suspeitos de heresias. Na França o espírito de perseguição alcançou o clímax, na matança da noite de São Bartolomeu, 24 de agosto de 1572, e que se prolongou por várias semanas. Segundo o cálculo de alguns historiadores, morreram de vinte a setenta mil pessoas. Essas perseguições nos países em que o governo não era protestante não só retardavam a marcha da Reforma, mas, em alguns países, principalmente na Boêmia e na Espanha, a extinguiram.
Os esforços missionários da igreja católica romana devem ser reconhecidos, também, como uma das forças da Contra-Reforma. Esses esforços eram dirigidos em sua maioria pelos jesuítas, e tiveram como resultado a conversão das raças nativas da América do Sul, do México e de grande parte do Canadá. Na índia e países circunvizinhos estabeleceram-se missões por intermé­dio de Francisco Xavier, um dos fundadores da socie­dade dos jesuítas. As missões católicas, nos países pa­gãos, iniciaram-se séculos antes das missões protestan­tes e conquistaram grande número de membros e bem assim poder para a respectiva igreja.
Como resultado inevitável de interesses e propósitos contrários dos estados da Reforma e católicos na Alema­nha, iniciou-se então uma guerra no ano de 1618, isto é, um século depois da Reforma. Essa guerra envolveu quase todas as nações européias. Na história ela é co­nhecida como a Guerra dos Trinta Anos.
As rivalidades políticas e religiosas estavam ligadas a essa guerra. Às vezes estados que professavam a mesma fé, apoiavam partidos contrários. A luta estendeu-se durante quase uma geração, e toda a Alemanha sofreu ou seus efeitos terríveis. Finalmente, em 1648, a guerra terminou, com a assinatura do tratado de paz de Westfália, que fixou os limites dos estados católicos e protestantes, que duram até hoje. O período da Reforma pode ser considerado terminado a esse ponto.
Em uma época tão importante, envolvendo tantos países e repleta de tão vastos resultados, houve, sem dúvida, muitos dirigentes, tanto da parte dos reforma­dos, como também dos católicos. Contudo, somente alguns serão citados neste breve relato desse movi­mento:
Desidério Erasmo, que nasceu em Roterdã, Ho­landa, 1466, foi um dos maiores eruditos do período da Renascença e da Reforma. Erasmo foi educado em um mosteiro e ordenado em 1492; dedicou-se à literatura. Em vários períodos viveu em Paris, Inglaterra, Suíça e Itália; contudo, seu lar permanente estava em Basiléia, Suíça. Antes de se iniciar o movimento da Reforma, Erasmo tornou-se crítico inflexível da igreja católica romana, por meio dos seus escritos, dentre os quais se destaca este de maior circulação: “Elogio da Loucura”. Mas a sua obra de maior valor foi a edição do Novo Testamento em grego, com uma tradução em latim. Apesar de Erasmo haver feito tanto quanto qualquer outro homem de seu tempo pela preparação da Re­forma, jamais se uniu ao movimento, continuando exte­riormente católico, criticando os reformadores tão acremente como criticava a igreja católica. Erasmo morreu em 1536.
Indiscutivelmente a figura principal desse período foi Martinho Lutero, o fundador da civilização protes­tante. Nasceu ele em Eisleben, em 1483; era filho de um mineiro; com muitos sacrifícios o pai enviou Lutero a estudar na Universidade de Erfurt. Lutero desejava ser advogado, porém, repentinamente sentiu o cha­mado para a carreira de monge, e entrou para um mosteiro dos agostinianos. Foi ordenado monge, e bem depressa chamou a atenção de seus pais para a sua capacidade. Foi enviado a Roma, em 1510, mas voltou desiludido pelo que viu relativo ao mundanismo e à maldade na igreja. No ano de 1511 iniciou sua campanha de reformador, condenando a venda de “indulgências”, ou perdão de pecados e, como já lemos, afixou as famo­sas teses na porta da igreja de Wittenberg. Ao ser excomungado, foi intimado a comparecer a Roma; por fim foi condenado “in absentia” pelo papa Leão X.
Lu­tero, então, queimou a bula ou decreto do papa, em 1520.
Foi na Dieta de Worms, em 18 de abril de 1521, que Lutero deu sua célebre resposta. Ao regressar ao lar, corria perigo de ser assassinado por seus inimigos.
Sur­giram então seus amigos, levaram-no para o castelo de Wartzburg onde ficou escondido durante um ano. Foi ali que realizou a tradução do Novo Testamento para o alemão. Ao regressar a Wittenberg assumiu nova­mente a direção do movimento da Reforma: No ano de 1529, fez-se um esforço para unir os seguidores de Lu­tero e os de Zuínglio, porém não se obteve êxito, em razão do espírito firme e inflexível de Lutero. Entre os muitos escritos que circularam em toda a Alemanha, de autoria de Lutero, o de maior influência foi, sem dú­vida, sua incomparável tradução da Bíblia. Lutero mor­reu quando visitava o local em que nasceu, em Eisleben, a 18 de fevereiro de 1546, aos sessenta e três anos de idade.
João Calvino, o maior teólogo do Cristianismo depois de Agostinho, bispo de Hipona, nasceu em Noyo, França, a 10 de julho de 1509 e morreu em Genebra, Suíça, a 27 de maio de 1564. Estudou em Paris, Orleans e Bourges. Aceitou os princípios de Reforma em 1528 e foi expulso de Paris. Em 1536, em Basiléia, publicou “Instituições da Religão Cristã” obra que se tornou a base da doutrina de todas as igrejas protestantes, menos a luterana. Em 1536, Calvino refugiou-se em Genebra, onde viveu até à morte, com exceção de al­guns anos de exílio. A Academia Protestante que Cal­vino fundou, juntamente com Teodoro Beza e outros reformadores, transformou-se no centro principal do protestantismo na Europa. As teologias calvinista e luterana possuem características racionais e radicais que inspiraram os movimentos liberais dos tempos mo­dernos, tanto no que se refere ao Estado como também à igreja, e contribuíram poderosamente para o pro­gresso e para a democracia em todo o mundo.
Tomás Cranmer pode ser considerado o dirigente da Reforma inglesa, por sua posição como o primeiro pro­testante na direção da igreja. Quando jovem, conquis­tou a simpatia do rei Henrique VIII, por haver sugerido que se apelasse para as universidades da Europa, na questão do divórcio do rei britânico. Cranmer prestou serviços a Henrique VIII em várias embaixadas e foi nomeado bispo de Cantuária. Apesar de progressista em suas idéias, era tímido e flexível, exercendo sua influência moderadora na reforma da igreja, em lugar de ser radical nesse sentido. Durante a menoridade do rei Eduardo VI, Cranmer foi um dos regentes, e conse­guiu fazer progredir a causa do protestantismo. A con­tribuição mais importante de Cranmer foi sua obra como um dos compiladores do Livro de Oração e como escritor de quase todos os artigos de religião. Com a ascensão ao trono da rainha Maria, foi destituído do arcebispado e encarcerado. Sob o peso do sofrimento retratou-se de suas opiniões protestantes, na esperança de salvar a vida, contudo foi condenado à morte na fogueira. Antes de seu martírio, em 1556, renunciou à retratação, e morreu corajosamente, colocando no fogo a sua mão direita, a que havia assinado a retratação, para que fosse a primeira a ser queimada.
João Knox foi o fundador da igreja escocesa e mui justamente o chamaram de “pai da Escócia”. Nasceu no ano de 1505, mais ou menos, na Baixa Escócia. Foi educado na Universidade de Sto. André, a fim de ser sacerdote; mas, em lugar de aceitar o sacerdócio, tornou-se professor. Somente no ano de 1547 João Knox abraçou a causa da Reforma. Foi preso, juntamente com outros reformadores, pelos franceses aliados da rainha regente e enviado à França onde serviu nas galés. Mais tarde foi libertado e voltou à Inglaterra, onde esteve alguns anos exilado, no reinado de Eduardo VI; depois da ascensão da rainha Maria, foi exilado no Continente. Em Genebra, Knox conheceu João Calvino e adotou sua idéias, tanto no que se refere à doutrina, como também ao governo da igreja. Em 1559 Knox voltou à Escócia e logo a seguir tornou-se o dirigente quase absoluto da Reforma em seu país. Conseguiu que a fé e a ordem presbiterianas alcançassem importância suprema na Escócia. Ali dirigiu a mais radical reforma que se verificou em qualquer país da Europa. Knox morreu no ano de 1572. Quando seu corpo baixava à sepultura, Morton, o regente da Escócia, apontou para a cova e disse: “Aqui jaz um homem que jamais conhe­ceu o medo.”
Entre os grandes homens do período importante que estamos comentando, pelo menos dois nomes devem ser citados dos que se destacaram, entre os católicos. Um desses homens foi Inácio de Loyola, espanhol, que nas­ceu em 1491 ou 1495, descendente de uma família nobre, no Castelo de Loyola, do qual tomou o nome. Até a idade de vinte e seis anos, Loyola foi soldado valente, embora dissoluto. Entretanto, após um grave feri­mento e passar por longa enfermidade, dedicou-se ao serviço da igreja. No ano de 1534 fundou a Sociedade de Jesus, geralmente conhecida como Jesuítas, a institui­ção mais poderosa dos tempos modernos para a promo­ção da igreja católica romana. Seus escritos foram pou­cos. Entre eles conta-se a constituição da ordem, a qual praticamente não foi até hoje alterada; suas cartas, e “Exercícios Espirituais”, uma pequena obra que in­fluenciou não só os jesuítas, mas também todas as or­dens religiosas católicas. Inácio de Loyola deve ser reconhecido como uma das personalidades mais notáveis e influentes do século dezesseis. Morreu em Roma, no dia 31 de julho de 1556, e foi canonizado no ano de 1622.
São Francisco Xavier nasceu em 1506, na seção espa­nhola de Navarra, que nessa época era um reino inde­pendente em ambos os lados dos Pireneus. Foi um dos primeiros membros da Sociedade de Jesus e teve a seu cargo o departamento de missões estrangeiras, sendo também o fundador moderno de missões. Francisco Xavier estabeleceu a fé católica na Índia, no Ceilão, no Japão e em outros países do Oriente. Apenas havia iniciado a sua missão na China, quando morreu repenti­namente, de febre, no ano de 1552, com a idade de quarenta e seis anos. Durante sua curta existência, mediante seu trabalho, conseguiu a conversão de mi­lhares de pagãos. Organizou tão sabiamente a obra das missões, que o movimento continuou depois de sua morte. Como resultado de seus planos e esforços, os católicos no Oriente hoje contam-se aos milhões.
Du­rante toda a sua existência, Xavier demonstrou espírito manso, tolerante e generoso, e isso contribuiu para que sua memória seja estimada, tanto por católicos como também pelos protestantes.
ESBOÇO DOS CAPÍTULOS 21 – 22
SEXTO PERÍODO GERAL
A IGREJA MODERNA
Desde o Fim da Guerra dos Trinta Anos, 1648
Até ao Século Vinte.
I. O MOVIMENTO PURITANO. (Capítulo 21).
1.  Sua Origem.
2.  Suas Divisões.
3.  Sua Supremacia.
4.  Seus Resultados.
II. O AVIVAMENTO WESLEYANO. (Capítulo 21).
1.  A Necessidade.
2.  Os Dirigentes.
3.  Progresso do Movimento.
4.  Relações com a Igreja.
5.  Seus Resultados.
III.  O MOVIMENTO RACIONALISTA. (Capítulo 21).
1.  Sua Origem.
2.  Seu Crescimento.
3.  Sua Decadência.
4.  Seus Efeitos.
IV.  O MOVIMENTO ANGLO-CATÓLICO.
(Capí­tulo 21).
1.  Nomes.
2.  Objetivo.
3.  Começo.
4.  Líderes.
5.  Tendência.
6.  Resultados.
V. O  MOVIMENTO  MISSIONÁRIO.
 (Capítulo 22).
1.  Missões na Igreja Primitiva.
2.  O Descuido de Missões nos Períodos Medievais e da Reforma.
3.  As Missões Estrangeiras Morávias.
4.  As Missões Estrangeiras Inglesas.
5.  As Missões Estrangeiras Norte-americanas.
6.  As Condições Missionárias Atuais.
VI. DIRIGENTES DO PERÍODO MODERNO.
(Capítulo 22).
1.  Ricardo Hooker, 1553-1600.
2.  Tomás Cartwritght, 1535-1603.
3.  Jonatan Edwards, 1703-1758.
4.  João Wesley, 1703-1791.
5.  João Henrique Newman, 1801-1890.
6.  Guilherme Carey, 1761-1834.
VII. A IGREJA NO SÉCULO VINTE. (Capítulo 22).
1.  Doutrina.
2.  Unidade do Espírito.
3.  Espírito de Serviço.
21

A IGREJA MODERNA

SEXTO PERÍODO GERAL
O Movimento Puritano. O Avivamento Wesleyano.
O movimento Racionalista. O Movimento
Anglo-católico.
PRIMEIRA PARTE
Em nosso estudo do período moderno, nos últimos três séculos, nossa atenção dirigir-se-á especialmente para as igrejas que nasceram da Reforma. A igreja católica romana continuou em seu próprio caminho, inteiramente separada do mundo protestante; está fora do nosso horizonte. Nosso propósito é descrever, de modo breve, certos movimentos de importância, que por meio da Reforma influenciaram países protestantes como a Inglaterra, a Alemanha setentrional e a Amé­rica do Norte.
Pouco depois da Reforma apareceram três grupos diferentes na igreja inglesa: os elementos romanistas que procuravam fazer amizade e nova união com Roma; O anglicanismo, que estava satisfeito com as reformas moderadas estabelecidas nos reinados de Henrique VIII e da rainha Elisabete; e o grupo protestante radi­cal que desejava uma igreja igual às que se estabelece­ram em Genebra e Escócia. Este último grupo ficou conhecido, cerca do ano de 1654, como “os puritanos”, e opunha-se de modo firme ao sistema anglicano no go­verno de Elisabete, e por essa razão muitos de seus dirigentes foram exilados. Os puritanos também esta­vam divididos entre si: uma parte mais radical, era favorável à forma presbiteriana; a outra parte desejava a independência de cada grupo local, conhecidos como “independentes” ou “congregacionais”. Apesar dessas diferenças, continuavam como membros da igreja in­glesa.
Na luta entre Carlos I e o Parlamento, os puritanos eram fortes defensores dos direitos populares. No início o grupo presbiteriano predominava. Por ordem do Parlamento, um concílio de ministros reunido em Westminster, em 1643, preparou a “Confissão de Westminster” e os dois catecismos, considerados du­rante muito tempo como regra de fé por presbiterianos e congregacionais. Durante o governo de Oliver Cromwell (1653-1658), triunfou o elemento independente, ou congregacional. No governo de Carlos II (1660-1685) os anglicanos assumiram novamente o poder, e nessa época os puritanos foram perseguidos como não-conformistas. Após a Revolução de 1688, os puritanos foram reconhecidos como dissidentes da igreja da In­glaterra e conseguiram o direito de organizarem-se in­dependentemente. Do movimento iniciado pelos puri­tanos surgiram três igrejas, a saber, a Presbiteriana, a Congregacional, e a Batista.
Nos primeiros cinquenta anos do século dezoito, as igrejas da Inglaterra, a oficial e a dissidente, entraram em decadência. Os cultos eram formalistas, dominados por uma crença intelectual, mas sem poder moral sobre o povo. A Inglaterra foi despertada dessa condição, por um grupo de pregadores sinceros dirigidos pelos irmãos João e Carlos Wesley e Jorge Whitefield. Dentre os três, Whitefield era o pregador mais poderoso, que comovia os corações de milhares de pessoas, tanto na Inglaterra como na América do Norte. Carlos Wesley era o poeta sacro, cujos hinos enriqueceram a coleção hinológica a partir de seu tempo. João Wesley foi, sem dúvida alguma, o indiscutível dirigente e estadista do movimento. Na idade de trinta e cinco anos, quando desempenhava as funções de clérigo anglicano, João Wesley encontrou a realidade da religião espiritual entre os morávios, um grupo dissidente da igreja Lute­rana. Em 1739 Wesley começou a pregar “o testemunho do Espírito” como um conhecimento pessoal interior, e fundou sociedades daqueles que aceitavam seus ensi­nos. A princípio essas sociedades eram orientadas por dirigentes de classes, porém mais tarde Wesley convo­cou um corpo de pregadores leigos para que levassem as doutrinas e relatassem suas experiências em todos os lugares, na Grã-Bretanha e nas colônias norte-americanas. Os seguidores de Wesley foram chamados “metodistas”, e Wesley aceitou sem relutância esse nome. Na Inglaterra foram conhecidos como “metodis­tas wesleyanos”, e antes da morte de seu fundador, contavam-se aos milhares.
Apesar de haver sofrido, durante muitos anos, vio­lenta oposição da igreja de Inglaterra, sem que lhe permitissem usar o púlpito para pregar, Wesley afir­mava considerar-se membro da referida igreja; consi­derava o movimento que dirigia como uma sociedade não separada, mas dentro da igreja da Inglaterra. Con­tudo após a revolução norte-americana, em 1784, orga­nizou os metodistas nos Estados Unidos em igreja in­dependente, de acordo com o modelo episcopal, e colo­cou “superintendentes”, título que preferiu ao de “bispo”. Nos Estados Unidos o nome “bispo” teve me­lhor aceitação e foi por isso adotado. Nesse tempo os metodistas na América eram cerca de 14.000.
O movimento wesleyano despertou clérigos e dissi­dentes para um novo poder na vida cristã. Também contribuiu para a formação de igrejas metodistas sob várias formas em muitos países. Na América do Norte, presentemente a igreja metodista conta com aproxima­damente onze milhões de membros. Nenhum dirigente na igreja cristã conseguiu tantos seguidores como João Wesley.
A Reforma estabeleceu o direito do juízo privado acerca da religião e da Bíblia, independente da autoridade sacerdotal e da igreja. Um resultado inevitável aconteceu: enquanto alguns pensadores aceitaram as idéias antigas da Bíblia como um livro sobrenatural, outros começaram a considerar a razão como autori­dade suprema, e a reclamar uma interpretação racional e não sobrenatural das Escrituras. Aqueles que se­guiam a razão, em prejuízo do sobrenatural, foram chamados “racionalistas”. O gérmen do racionalismo existiu na Inglaterra e na Alemanha desde o princípio do século dezoito, porém suas atividades como movi­mento distinto começaram com Johann Semler (nascido em 1725 e morto em 1791), o qual defendia que coisa alguma recebida pela tradição devia ser aceita sem ser posta à prova, e acrescentava que a Bíblia devia ser julgada pela mesma crítica que era aplicada a qualquer escrito antigo, e que o relato dos milagres devia ser desacreditado, que Jesus era unicamente homem e não um ser divino.
O espírito racionalista cresceu e quase todas as uni­versidades da Alemanha foram dominadas por ele. O racionalismo alcançou seu apogeu com a publicação do livro “A Vida de Jesus”, de Frederico Strauss, em 1835, no qual tentou demonstrar que os relatos dos Evange­lhos eram mitos e lendas. Essa obra foi traduzida por Jorge Eliot (Mariana Evans) em 1846 e obteve ampla circulação na Inglaterra e na América do Norte.
Os três grandes líderes que fizeram com que a cor­rente do pensamento no século dezenove mudasse de racionalista para ortodoxa foram: Schliermacher (1769-1834), mui justamente chamado “o maior teólogo do século dezenove”. Os outros dois pensadores foram, Neander (1789-1850), e Tholuck (1790-1877). Os ensinos do racionalismo despertaram um novo espírito de in­vestigação, e fizeram com que muitos teólogos e intér­pretes da Bíblia se apresentassem para defender a ver­dade. Dessa forma conseguiu-se que o conteúdo da Bí­blia e as doutrinas do Cristianismo fossem amplamente estudados e entendidos mais inteligentemente. Por exemplo, até então a vida de Cristo nunca fora escrita de forma escolástica. Depois do livro de Strauss (1835), as obras profundas sobre a vida de Jesus contam-se aos milhares. O racionalismo, que ameaçava proscrever e paralisar os efeitos do Cristianismo, na realidade, o que conseguiu foi aumentar a sua força.
Cerca do ano de 1875 apareceu uma tendência na igreja da Inglaterra, que provocou forte controvérsia e em seus variados aspectos recebeu diferentes nomes. Em razão do seu propósito foi chamado “o movimento anglo-católico”, mas por haver surgido na universidade de Oxford, também foi conhecido por “Movimento de Oxford”. Esse movimento foi divulgado mediante a pu­blicação de noventa tratados numerados, escritos por vários escritores defendendo suas idéias sendo por isso também chamado “o movimento tratadista”.
Frequen­temente era também mecionado pelos adversários por “movimento puseyista”, ou “puseyismo”, por causa do nome de um de seus defensores.
Tratava-se de um esforço para separar a igreja da Inglaterra do protestantismo, e restaurar as doutrinas e práticas dos séculos primitivos, quando a igreja cristã era uma só e não necessitava de reformas. Os dirigentes do movimento marcaram seu início em 1827, com a publicação do “Ano Cristão”, de John Keble, uma série de poemas que despertaram um novo interesse na igreja.
O princípio, entretanto, foi um sermão pregado por Keble, em julho de 1833, em Sta. Maria, Oxford, sobre a “Apostasia Nacional”. Logo a seguir começou a apare­cer uma interessante série de “Tratados de Atualidade”, acerca da forma de governo, doutrinas e adora­ção da igreja na Inglaterra, que durou de 1833 até 1841. Apesar de haver sido Keble o inspirador do movimento, e de manter por ele inteira simpatia, contudo o diri­gente foi João Henrique Newman, o qual escreveu mui­tos dos “Tratados de Atualidade”, e cujos sermões no púlpito de Sta. Maria eram a apresentação popular da causa.
Outro dos grandes defensores foi o competente erudito e profundamente religioso Eduardo B. Pusey. Mi­lhares de proeminentes clérigos e leigos da igreja da Inglaterra apoiaram ativamente o movimento. Levantou-se grande controvérsia. Os dirigentes foram denunciados como romanistas em seu espírito e propó­sito; porém o efeito geral foi o de fortalecer e elevar os padrões da igreja. Como o espírito do movimento era no sentido de desacreditar a Reforma e promover o anglo-catolicismo, claro está que possuía uma inevitável ten­dência para Roma. Em 1845, seu principal dirigente, Newman, seguindo a lógica de suas convicções, ingres­sou na igreja católica romana. Essa separação seguida de outras, causou certo choque, porém não deteve a corrente anglo-católica.
22

A IGREJA MODERNA

SEGUNDA PARTE
O Movimento Missionário Moderno.
Dirigentes do Período.
A Igreja no Século Vinte.
Durante um período de mil anos, a partir dos dias apostólicos, o Cristianismo foi uma instituição ativa na obra missionária. Nos primeiros quatro séculos de sua história, a igreja converteu o império romano ao Cris­tianismo. Depois seus missionários encontraram-se com as hordas dos bárbaros que avançavam, e os con­quistaram antes que os bárbaros conquistassem o im­pério Ocidental.
Depois do século dez, a igreja e o Estado, o papa e o imperador estavam em luta pelo domínio supremo, de modo que o espírito missionário arrefeceu, embora não tenha desaparecido inteiramente. A Reforma estava interessada no propósito de purificar e reorganizar a igreja, antes de expandi-la. Já demonstramos que no último período da Reforma, o primeiro movimento para cristianizar o mundo pagão não foi realizado por protes­tantes, mas pelos católicos romanos, sob a orientação de Francisco Xavier.
Desde 1732 os morávios iniciaram o estabelecimento de missões estrangeiras, enviando Hans Egede à Groelândia, e logo após a mesma igreja estava traba­lhando entre os índios da América do Norte, entre os pretos das Índias Ocidentais e nos países orientais. Proporcionalmente ao pequeno número de membros em seu país, nenhuma outra denominação sustentou tantas missões como a igreja morávia em toda a sua história. O fundador das missões modernas da Inglaterra foi Guilherme Carey. Inicialmente foi sapateiro, mas educou-se por sí mesmo, e em 1789 tornou-se ministro da igreja Batista. Tendo contra si próprio forte oposi­ção, insistiu em enviar missionários ao mundo pagão. Um sermão que pregou em 1792, e que tinha dois títu­los, “Empreendei grandes coisas para Deus” e “Esperai grandes coisas de Deus”, foi a causa da organização da Sociedade Missionária Batista, e também contribuiu para o envio de Carey à índia. Carey foi impedido de desembarcar pela Companhia Inglesa da índia Orien­tal, a qual na época governava a índia, porém, foi aco­lhido em Serampore, uma colônia dinamarquesa pró­xima a Calcutá.
Apesar de não haver recebido educação em sua moci­dade, Carey chegou a ser um dos homens mais eruditos do mundo, no que diz respeito à língua sânscrito e a outras línguas orientais. Suas gramáticas e dicionários são usados ainda hoje. De 1800 a 1830 foi professor de literatura oriental no Colégio de Fort William em Cal­cutá. Carey morreu em 1834, reverenciado por todo o mundo, como o pai de um grande movimento mis­sionário.
O movimento missionário na América do Norte teve sua primeira inspiração na famosa “reunião de oração” que se realizou no Colégio Williams, em Massachusetts, no ano de 1811. Um grupo de estudantes reuniu-se no campo para orar acerca de missões. Nessa ocasião de­sabou fortíssima tempestade. Os estudantes refugiaram-se em um depósito de feno, e ali consagra­ram suas vidas à obra de Cristo no mundo pagão.
Como resultado dessa reunião, fundou-se a Junta Americana de Comissionados para Missões Estrangei­ras, a qual, no princípio, era interdenominacional; mais tarde, porém, outras igrejas fundaram suas próprias sociedades e a Junta Americana ficou pertencendo às igrejas Congregacionais. A Junta Americana enviou inicialmente quatro missionários, a saber: Newel e Hale, à índia; Judson e Rice, se dirigiam ao Extremo Oriente, mas durante a viagem mudaram de idéia acerca de batismo nas águas, e desligaram-se da Junta Americana. Essa atitude fez com que se organizasse a Sociedade Missionária Batista Americana, e Judson e Rice iniciaram o trabalho missionário na Birmânia. O exemplo dos congregacionais e dos batistas foi seguido também por outras denominações, de modo que depois de alguns anos cada igreja tinha sua própria junta e seus próprios missionários.
Atualmente, quase não há país na terra que não co­nheça o Evangelho. Escolas cristãs, hospitais, orfana­tos e outras instituições filantrópicas estão semeadas em todo o mundo pagão, resultantes da obra mis­sionária, e os gastos anuais das diferentes juntas ascen­dem a muitos milhões de dólares. A característica mais evidente da igreja atual, na Grã-Bretanha e na América do Norte, é seu profundo e amplo interesse em missões estrangeiras.
Dentre os muitos grandes homens que se levantaram nos últimos três séculos é difícil mencionar os principais no que se refere a pensamentos e atividades cristãs. Contudo, aqueles que vamos mencionar podem apontar-se como homens representativos dos movi­mentos de seu tempo.
Ricardo Hooker (1554-1600) foi o autor da obra mais famosa e influente na constituição da igreja da Ingla­terra. Filho de pais pobres, conseguiu auxílio para educar-se na Universidade de Oxford, na qual conquis­tou altos conhecimentos em diferentes assuntos, e foi nomeado instrutor, catedrático e conferencista, nessa ordem. Foi ordenado em 1582 e durante algum tempo foi pastor em Londres, associado a um eloquente puri­tano, apesar de Hooker ter idéias anglicanas.
Suas controvérsias no púlpito fizeram com que Hooker procurasse uma igreja rural, onde dispusesse de tempo para seus estudos. O grande trabalho de Hooker foi: “As Leis do Governo Eclesiástico”, em oito volu­mes, a apresentação mais hábil do sistema episcopal que já se publicou, e do qual a maioria dos escritores, desde então, tiram seus argumentos. Contudo, mostra-se liberal em suas atitudes para com as igrejas não episcopais e é singularmente livre do espírito amargo da controvérsia. Hooker tinha apenas quarenta e sete anos quando morreu.
Tomás Cartwright (1535-1603) pode ser considerado o fundador do puritanismo, apesar de não haver sido ele o maior de seus membros. Essa honra cabe a Oliver Cromwell, cujo registro de grandeza está na história do Estado e não na da igreja. Cartwright alcançou o lugar de professor de teologia na Universidade de Cam­bridge, em 1569, porém perdeu sua posição no ano seguinte, por causa de suas opiniões que foram publica­das e não agradaram à rainha Elizabete nem aos princi­pais bispos.
Cartwright defendia a idéia de que as Escrituras contêm não somente a regra de fé e doutrina, mas também do governo da igreja; que a igreja devia ser presbiteriana em seu sistema; que não somente devia estar separada do Estado, mas praticamente devia estar acima do Estado. Era tão intolerante quanto o prelado em sua defesa ardorosa de uma religião uni­forme e posta em vigor pelas autoridades civis; con­tanto que a igreja fosse presbiteriana e sua doutrina a de João Calvino.
Durante vários anos Cartwright foi pastor nas ilhas Guernsey e Jersey, nas quais estabeleceu igrejas da mesma fé que professava. Entretanto, de 1573 a 1592 passou a maior parte do tempo na prisão ou exilado no continente. Parece que os últimos nove anos ele os passou afastado das atividades. Mais tarde suas idéias dominaram a Câmara dos Comuns, ao passo que as dos prelados dominavam a Câmara dos Lordes. A luta entre os dois partidos culminou com a guerra civil e o governo de Cromwell.
Jonathan Edwards (1703-1758) é considerado como o primeiro de todos os norte-americanos em metafísica e teologia, e bem assim o maior teólogo do século dezoito nos dois lados do Atlântico. Nele combinavam-se a ló­gica mais aguda, o ardor mais intenso na investigação teológica, e um piedoso fervor espiritual. Desde a in­fância demonstrou inteligência precoce. Quando graduou-se no Colégio de Yale, com dezessete anos, já havia lido de forma intensa a literatura filosófica de todas as épocas e do seu próprio tempo. Em 1727 tornou-se pastor associado com seu avô na igreja Congregacional, em Northhampton, e logo se distinguiu como ardente defensor de uma sincera vida espiritual.
Do púlpito que Jonathan Edwards ocupou saiu “O Grande Despertamento”, um avivamento que se espa­lhou por todas as colónias norte-americanas. A oposição que iniciou contra o que era aceito em toda a Nova Inglaterra, mediante o qual as pessoas eram admitidas como membros das igrejas sem terem caráter religioso definido, levantou contra ele o sentimento de muitos, e culminou com a sua expulsão da igreja, em 1750. Du­rante oito anos foi missionário entre os índios. Foi nesse tempo de retiro espiritual que escreveu a monumental obra “A Vontade Livre”, que desde então passou a ser o livro-texto do calvinismo na Nova Inglaterra. No ano de 1758 foi eleito presidente do Colégio Princeton, mas após algumas semanas de atividade, morreu, com a idade de cinquenta e cinco anos.
João Wesley nasceu em Epworth, no norte da Ingla­terra, no mesmo ano em que Jonathan Edwards nasceu na América, em 1703, porém Wesley viveu mais do que ele um terço de século, até 1791. O pai de Wesley foi reitor da igreja da Inglaterra, em Epworth, durante quarenta anos. Contudo, Wesley recebeu maior in­fluência de sua mãe, descendente de ministros purita­nos e não-conformistas. Ela foi mãe e professora de dezoito filhos. Wesley graduou-se no Colégio da Igreja de Cristo, em Oxford, em 1724, e foi ordenado ministro da igreja da Inglaterra. Durante alguns anos foi ca­tedrático da Universidade Lincoln. Durante esse tempo uniu-se a um grupo de estudantes de Oxford, que aspirava a uma vida santa, e era chamado zombeteira­mente “o Clube Santo”. Em razão da maneira como esses estudantes viviam, deram-lhes depois o nome de “metodistas”, nome que alguns anos mais tarde se tor­nou definitivo para os seguidores de Wesley.
No ano de 1735, Wesley e seu irmão mais novo, Carlos foram enviados como missionários à nova colônia da Geórgia. Seu trabalho não teve muito êxito, e por isso regressaram à Inglaterra, após dois anos na Amé­rica. Esse período foi decisivo na vida de ambos, pois foi nessa época que ele conheceram um grupo de morávios, seguidores do conde Zinzendorf, e por intermédio dos novos amigos alcançaram conhecimento experimental de uma vida espiritual. Até então, o ministério de Wesley havia sido um fracasso, mas a partir dessa data nenhum ministro na Inglaterra despertava tão grande interesse como ele, exceto Jorge Whitefield. Wesley viajava a cavalo por toda a Inglaterra e Irlanda, pre­gando, organizando sociedades e orientando-as durante os longos anos de vida, que durou até quase ao fim do século dezoito. Como resultado de suas atividades, não somente se organizou o corpo wesleyano na Inglaterra sob várias formas de organização, mas também surgi­ram as igrejas metodistas na América do Norte e no mundo inteiro, elevando-se seus membros a muitos milhões. Wesley morreu em 1791, com a idade de oi­tenta e oito anos.
João Henrique Newman (1801-1890), pela habilidade e estilo lúcido de seus escritos, pela clareza de suas idéias, pelo fervor de sua pregação e sobretudo por uma rara atração pessoal, foi o dirigente do movimento anglo-católico do século dezenove. Recebeu o diploma do Colégio Trinity de Oxford, no ano de 1820 e foi nomeado catedrático da faculdade Oriel College; com as honras mais elevadas, em 1822. No ano de 1828 foi ordenado na igreja inglesa, e alcançou o lugar de vigário da igreja de Sta. Maria, a igreja da Universidade, na qual, mediante seus sermões, conseguiu exercer in­fluência dominante sobre os homens de Oxford, durante uma geração inteira.
Apesar de o conhecido movimento de Oxford haver sido iniciado por Keble, contudo seu verdadeiro diri­gente foi Newman. Ele escreveu vinte e nove dos no­venta tratados, e inspirou a maioria dos restantes. Por causa de o movimento que liderava não ter o apoio das autoridades da Universidade nem dos bispos da igreja, e também porque suas idéias se modificaram, Newman, em 1843, renunciou ao cargo que ocupava em Sta. Maria, e retirou-se para uma igreja em Littlemore, e ali viveu até ao ano de 1845, quando então foi recebido na igreja católica romana.
Depois dessa mudança de relações eclesiásticas ainda viveu quarenta e cinco anos, a maior parte dos quais em Birmingham, em menor evidência do que no passado, mas ainda querido por seus amigos. Seus escritos foram muitos, porém os que mais circularam foram os trata­dos e vários volumes de sermões. O livro que publicou em 1864, cujo título era “Apologia Pro Vita Sua”, um relato de sua própria vida religiosa e mudança de opi­nião, demonstrou sua completa sinceridade e aumentou a reverência que já era sentida por ele, excetuando a de alguns mordazes opositores. Foi ordenado cardeal em 1879 e morreu em Birmingham em 1890. Sua influência foi muito grande.
A história de Guilherme Carey (1761-1834), o funda­dor das missões protestantes modernas, já foi relatada e dispensa repetição. Seu monumento é o vastíssimo sistema de pregação e educação missionária que está transformando o mundo pagão.
No início do século vinte as igrejas protestantes da Inglaterra e da América do Norte demonstravam ca­racterísticas mui diferentes daquelas que possuíam cem anos antes. Os sistemas doutrinários são relativamente sem importância e praticamente todas as igrejas têm as mesmas crenças. A diferença entre predestinação e livre-arbítrio pode ser considerada como uma questão acadêmica, porém já não é uma prova prática. Os minis­tros, passam do ministério de uma denominação para a outra sem mudarem de crença.
Nota-se uma crescente unidade de espírito corres­pondente à unidade de crença. As igrejas já não se mantêm separadas umas das outras. Organizam planos e trabalham unidas em grandes movimentos. A união efetiva de igrejas foi alcançada em alguns casos. Notáveis exemplos são a Igreja Unida do Canadá, for­mada pela união de metodistas, de congregacionais e parte dos presbiterianos, realizada em 1925. Outro exemplo é a união da Igreja da Escócia e da Igreja Livre Unida, em 1929. Houve ainda a união das igrejas Con­gregacionais e Cristãs na América do Norte em 1931, e a grande união dos metodistas da Grã-Bretanha (primi­tivos metodistas unidos e wesleyanos), em 1932.
Outra característica de grande evidência do Cristia­nismo nos tempos atuais é o espírito de serviço social.
ESBOÇO DOS CAPÍTULOS
23 – 25.
PRIMEIRA PARTE. CAPÍTULO 23
I. A IGREJA CATÓLICA ROMANA
1.  Católicos Espanhóis.
2.  Católicos Franceses.
3.  Católicos Ingleses.
4.  Imigração Católica.
5.  Governo Católico.
II. A IGREJA PROTESTANTE EPISCOPAL
1.  Em Virgínia.
2.  Em Nova Iorque.
3.  Durante a Revolução Norte-americana.
4.  Primeiros Bispos.
5.  Membros.
6.  Organização.
III.  IGREJAS CONGREGACIONAIS
1.  Os Peregrinos.
2.  Organização.
3.  Desenvolvimento.
4.  Doutrinas.
5.  Membros.
IV.  IGREJAS REFORMADAS
1.  As igrejas reformadas na América.
2.  As igrejas reformadas nos Estados Unidos.
3.  Doutrina.
4.  Organização.
V. BATISTAS
1.  Princípios.
2.  Sistema.
3.  Espírito.
4.  Origem na Europa.
5.  Na América.
6.  Missões batistas.
VI. SOCIEDADE DE AMIGOS (QUACRES)
1.  Jorge Fox
2.  Doutrina Quacre.
3.  Quacres em Massachussetts.
4.  Em Nova Jersey.
5.  A colónia de Guilherme Penn.
6.  Divisões.
7.  Membros.
SEGUNDA PARTE. (Capítulo 24).
VII.  LUTERANOS
1.  Em Nova Iorque.
2.  Na região do rio Delaware.
3.  Desenvolvimento.
4.  Membros.
5.  Organização.
6.  Doutrina.
VIII.  PRESBITERIANOS
1.  Origem.
2.  Durante a guerra da revolução.
3.  Divisões.
4.  Membros.
5.  Doutrinas.
6.  Governo.
IX. METODISTAS
1.  Nova Iorque e Maryland.
2.  Francisco Asbury.
3.  Primeira Conferência.
4.  Conferência de 1784.
5.  Ramificações.
6.  Membros.
7.  Doutrinas.
8.  Organização.
X. IRMÃOS UNIDOS
1.  Origem.
2.  Doutrinas.
3.  Forma de governo.
4.  Divisão.
5.  Membros.
XI. DISCÍPULOS DE CRISTO
1.  Origem.
2.  Propósitos.
3.  Normas Doutrinárias.
4.  Sistema Eclesiástico.
5.  Desenvolvimento.
XII. OS UNITÁRIOS
1.  Doutrinas
2.  Origem
3.  Membros.
XIV.  CIÊNCIA CRISTÃ
1.  Sua fundadora.
2.  Organização.
3.  Crenças.
4.  Membros.
XV.  AS IGREJAS NO CANADÁ (Capítulo 25).
1.  Os Precursores da Religião no Século Dezes-sete.
2.  A igreja Católica.
3.  A igreja Anglicana.
4.  Metodista e Presbiteriana.
5.  Batista e Luterana.
6.  Outras.
23

IGREJAS NOS ESTADOS UNIDOS

PRIMEIRA PARTE
Católica Romana. Protestante Episcopal.
Congregacional. Reformada. Batista.
Sociedade dos Amigos.
Há nos Estados Unidos, atualmente, nada menos de 265 corporações religiosas , comprendendo mais de 325 mil igrejas. O total de membros dessas corporações religiosas chega a aproximadamente 125 milhões.
Men­cionaremos somente as maiores e de maior importância, e o faremos de forma abreviada. Ao mencioná-las, fá-lo-emos pela ordem de seu estabelecimento na Amé­rica.
Em razão de as primeiras expedições chegadas ao Novo Mundo haverem sido realizadas com a finalidade de descobrir, conquistar e colonizar, por nações como Espanha, Portugal e França, nações católico-romanas, a primeira igreja que se estabeleceu no Continente Ocidental, tanto na América do Sul como na América do Norte, foi a igreja católica. A história dessa igreja inicia-se no ano de 1494, quando Colombo, na sua se­gunda viagem levou doze sacerdotes, a fim de converte­rem as raças nativas. Aonde quer que fossem para conquistar terras, os espanhóis iam sempre acompa­nhados por clérigos que estabeleciam seu sistema reli­gioso. As primeiras igrejas nos Estados Unidos estabeleceram-se em St. Augustine, na Flórida, em 1565, e em Santa Fé, no estado do Novo México, no ano de 1609.
O método espanhol era escravizar os habitantes dos países descobertos, obrigá-los a converter-se e forçá-los a construir templos e mosteiros semelhantes aos que havia na Espanha. Alguns dos antigos edifícios de mis­sões, estruturas sólidas, atualmente em ruínas e aban­donados, ainda podem ser vistos nos estados de Texas e Califórnia. Como resultado da ocupação dos espanhóis, o território da Flórida à Califórnia, no século dezoito, estava inteiramente dominado pela igreja católica ro­mana. Contudo, essa vasta área era escassamente po­voada, pois os espanhóis, apesar de bons conquistado­res, eram lentos em colonizar.
Pouco depois do domínio espanhol no sul, deu-se a ocupação francesa do norte, no rio São Lourenço na “Nova França”, isto é, o Canadá. A cidade de Quebec foi fundada em 1608, e a de Montreal em 1644. No início, 1663, o número de imigrantes franceses do Canadá não ia além de duas mil e quinhentas pessoas.
Mas depois os colonizadores intensificaram a imigração, de modo que o registro de nascimentos na América era mais elevado do que na França. Desse modo a região do rio São Lourenço, desde os Grandes Lagos até ao Oceano Atlântico, foi rapidamente ocupada por devotados fran­ceses católicos, em sua maioria analfabetos, e muito mais submissos aos sacerdotes do que seus compatrio­tas católicos da França. No Canadá despendeu-se grande esforço para converter os índios à fé católica, e a história não registra atos mais heróicos e abnegados do que os dos jesuítas nas colônias francesas. Seus méto­dos estavam em acentuado contraste com os da Amé­rica espanhola. Os franceses conquistavam a amizade dos índios mediante a amizade e a abnegação que de­monstravam.
Nos meados do século dezoito, todo o território do grande noroeste até além dos montes Alleghanies es­tava sob a influência francesa. O sudoeste era governado pela Espanha, e em ambas as posições dominava a igreja católica, ao passo que somente uma estreita faixa da costa do Atlântico era protestante, nas colônias in­glesas. Qualquer prognóstico feito nessa época aponta­ria os católicos como destinados a governar todo o con­tinente. Entretanto, a conquista britânica do Canadá, em 1759, e mais tarde a cessão da Luisiânia e do Texas aos Estados Unidos, fez com que o protestantismo pas­sasse a predominar sobre o catolicismo, na América do Norte.
As colônias inglesas no litoral do Atlântico eram pro­testantes, exceto os colonizadores de Maryland (1634), que eram católicos ingleses, cujo culto era proibido em seu próprio país. No Novo Mundo eles só podiam obter permissão constitucional para colonizar, se dessem li­berdade a todas as religiões. Não tardou muito para que, sendo a maioria dos colonos protestante, o culto católico fosse proibido, porém, logo depois voltou a ser permitido. Somente no ano de 1790 foi consagrado o primeiro bispo católico romano, no Estado de Mary­land, o primeiro nos Estados Unidos. Nessa época a população católica no país era calculada em cinquenta mil pessoas.
Uma grande corrente de imigração para a América do Norte, procedente da Europa, começou cerca do ano de 1845. No início a maioria dos imigrantes eram católi­cos, e procediam principlamente dos condados católicos da Irlanda. A estes seguiram-se mais tarde outros mi­lhões do sul da Alemanha e mais tarde outros da Itália. Decorrente do aumento natural por via do nascimento, imigração, e cuidadosa supervisão sacerdotal, a igreja católica nos Estados Unidos progrediu, de modo que atualmente a população católica é de mais de quarenta e seis milhões, isto é, um terço do número de comungantes das igrejas protestantes unidas.
Considerando-se uma parte da igreja romana de todo o mundo, os católicos da América do Norte estão sob o governo do papa. O país está dividido em cento e dez dioceses, cada uma delas com seu bispo nomeado pelo papa, ao qual o clero aponta candidatos, que podem ser aceitos ou rejeitados. As dioceses estão unidas em vinte e quatro arquedioceses, tendo cada uma um arcebispo, e sobre eles seis cardeais, também nomeados por Roma.
A Igreja da Inglaterra (Episcopal), foi a primeira religião protestante a estabelecer-se na América do Norte. Em 1579 realizou-se um culto sob a direção de Sir Francis Drake, na Califórnia. Vários clérigos acom­panharam a fracassada expedição de Sir Walter Raleigh, em 1587. O estabelecimento permanente da igreja inglesa data de 1607, na primeira colônia inglesa em Jamestown, na Virgínia. A Igreja da Inglaterra era a única forma de adoração reconhecida no início, na Virgínia e em outras colônias do sul. Quando Nova Iorque, colonizada pelos holandeses, se tornou territó­rio inglês, em 1664, a Igreja da Inglaterra também foi favorecida e logo reconhecida como igreja oficial da colônia, apesar de outras formas de cultos protestantes também serem permitidas. A Paróquia da Trindade, em Nova Iorque, foi constituída em 1693, e a Igreja de Cristo em Filadélfia, em 1695.
De todos os clérigos dessa igreja era exigido um juramento de lealdade à coroa britânica; como resultado natural, todos eles foram leais, sendo por isso chamados “tories”, na Guerra da Independência. Muitos clérigos episcopais deixaram o país; ao findar-se a guerra foi difícil preencher as vagas nas paróquias, porque a exi­gência da lealdade à Grã-Bretanha, não podia ser sa­tisfeita. Pela mesma razão não se podiam cansagrar bispos.
No ano de 1784 o Rev. Samuel Seabury, de Connecti-cut, foi consagrado por bispos escoceses, que não exi­giam juramento de lealdade. No ano de 1787 os Drs. Guilherme White e Samuel Provoost foram consagra­dos pelo arcebispo de Cantuária, permitindo, dessa maneira, à igreja da América do Norte a sucessão in­glesa. A igreja, nos Estados Unidos, tomou o nome oficial de Igreja Protestante Episcopal. O crescimento da igreja Episcopal desde então tem sido rápido e cons­tante. Atualmente conta quase três milhões e meio de membros.
A igreja Episcopal reconhece estas três ordens no ministério: bispos, sacerdotes e diáconos, e aceita quase todos os trinta e nove artigos da Igreja da Inglaterra, modificados para serem adaptados à forma de governo norte-americano. Sua autoridade legislativa está con­centrada em uma convenção geral que se reúne cada três anos. Trata-se de dois corpos, uma câmara de bispos e outra de delegados clérigos e leigos eleitos por convenções nas diferentes dioceses.
Depois da região da Virgínia onde se estabelecera a Igreja da Inglaterra, a região colonizada foi a Nova Inglaterra, iniciando-se com a chagada dos “peregri­nos” que desembarcaram do navio “Mayflower”, em Plymouth, na baía de Massachusetts, no mês de dezem­bro de 1620. Os “peregrinos”, em matéria de religião, eram “congregacionalistas separatistas”, e eram os elementos mais radicais do movimento puritano inglês, exilados na Holanda, em razão de suas idéias. Agora procuravam um lar nas terras despovoadas do Novo Mundo.
Antes de desembarcarem em Plymouth, os “peregri­nos” organizaram-se em uma verdadeira democracia, com um governador e um conselho eleito por voto po­pular, apesar de estarem sob a bandeira inglesa. De acordo com suas convicções, cada igreja local era abso­lutamente independente da autoridade exterior. Cada igreja fazia o seu próprio programa, chamava e orde­nava o seu ministro e tratava de seus próprios negócios. Qualquer concílio ou associação de igrejas exercia ape­nas uma influência moral, e não uma autoridade eclesiástica sobre as várias sociedades. Eram uma igreja organizada e, como tal, todas as famílias da colô­nia pagavam contribuições para manter a igreja, porém somente os seus membros podiam votar nas eleições do município e da colônia. Gradativamente as restrições foram abolidas. Contudo, somente no ano de 1818 em Connecticut, e em 1833 em Massachussetts, foi que a igreja e o Estado se separaram de modo absoluto, e o sustento da igreja passou a ser voluntário.
As perseguições contra os puritanos por parte dos governantes da igreja inglesa fizeram com que multi­dões procurassem refúgio e liberdade na Nova Ingla­terra. Por essa razão as colônias nessa região desenvolveram-se mais rapidamente do que em qual­quer outra região no século dezessete. Dois colégios foram então fundados, o de Harvard em Cambridge e o de Yale em Novo Haven, ambos destinados a tornar-se mais tarde grandes Universidades como o são atualmente. Na Nova Inglaterra a educação em geral estava mais adiantada do que nas demais colônias da América do Norte. Como os presbiterianos e os congregacionais procediam da igreja da Inglaterra, e ambos os grupos adotavam crenças calvinistas e aceitavam a Confissão de Westminster, suas relações eram amigáveis.
Durante muito tempo vigorou um tácito acordo mútuo, finalmente formalizado em 1801, o Plano de União, segundo o qual os ministros dessas duas deno­minações poderiam servir a qualquer dos dois grupos. Esse pacto, contudo, foi extinto por determinação de uma convenção congregacional, em 1852. A partir de então, o sistema congregacional progrediu rapida­mente nos Estados Unidos, excetuando-se o sul ao país. Em 1931 a igreja Congregacional e a igreja Cristã (Convenção Geral) uniram-se para formar a igreja Cristã Congregacional, com cerca de dois milhões de membros.
Nova Iorque, foi ocupada pelos holandeses como um centro comercial em 1614. No princípio a colônia foi chamada Novos Países-Baixos e a cidade chamava-se Nova Amsterdã. A primeira igreja ali organizada data de 1628, com o nome de Igreja Protestante Reformada Holandesa, e durante a ocupação holandesa era a igreja oficial da colônia. As igrejas pertencentes a essa ordem estabeleceram-se ao norte de Nova Jersey e em ambas as margens do rio Hudson, até Albany. Durante mais de cem anos os cultos foram realizados em holandês.
No ano de 1664 a colônia foi tomada pela Grã-Bretanha e recebeu então o nome de Nova Iorque, e a Igreja da Inglaterra passou a ser a igreja do Estado. Contudo, os cidadãos de ascendência holandesa conti­nuaram a frequentar a sua própria igreja. As proprie­dades da igreja valorizaram-se de forma inesperada com o desenvolvimento da cidade. No ano de 1867 a palavra “holandesa” foi omitida do título da igreja, a qual passou a chamar-se “Igreja Reformada da Amé­rica”, que atualmente conta com 233 mil membros.
Outra igreja Reformada de origem alemã foi estabe­lecida no país no início do século dezoito e passou a chamar-se “Igreja Reformada nos Estados Unidos”. Entre o povo, porém, uma é conhecida como Reformada Holandesa e a outra Reformada Alemã. A terceira igreja da mesma origem foi a “Igreja Cristã Refor­mada”, que se desligou da igreja do Estado na Holanda, em 1834. A quarta igreja que apareceu chamava-se “A Verdadeira Igreja Reformada”. Vários esforços se fize­ram para unir essas quatro igrejas em um só organismo, porém sem resultado.
Todas as igrejas reformadas aderem ao sistema cal­vinista, ensinam o catecismo de Heidelberg e organizam-se segundo o mesmo plano, parecido com o presbiterianismo, porém com nomes diferentes dos corpos eclesiásticos. A junta governamental da igreja local é o consistório. Os consistórios vizinhos formam um conselho. Os conselhos de distrito formam um sí­nodo, e estes formam o sínodo geral.
Uma das maiores igrejas existentes na América do Norte é a denominação Batista, a qual conta com mais de vinte milhões de membros. Seus princípios distinti­vos são dois: (1) Que o batismo deve ser ministrado somente àqueles que confessam sua fé em Cristo; por conseguinte, as crianças não devem ser batizadas. (2) Que a única forma bíblica do batismo é a imersão do corpo na água, e não a aspersão ou derramamento.
Os batistas são congregacionais em seu sistema de governo. Cada igreja local é absolutamente indepen­dente de qualquer jurisdição externa, fixando suas pró­prias regras. Não possuem uma Confissão de Fé geral nem catecismo algum para instruir jovens acerca de seus dogmas. Contudo, não há no país igreja mais unida em espírito, mais ativa e empreendedora em seu tra­balho e mais leal aos seus princípios, do que as igrejas batistas.
Surgiram os batistas pouco depois da Reforma, na Suíça, e espalharam-se rapidamente no norte da Ale­manha e na Holanda. No princípio foram chamados anabatistas, porque batizavam novamente aqueles que haviam sido batizados na infância. Na Inglaterra, a princípio, estavam unidos com os independentes ou congregacionais, mas pouco a pouco tornaram-se um corpo independente. Com efeito, a igreja de Bedford, da qual João Bunyan era pastor, cerca do ano 1660, e que existe até hoje, considera-se tanto batista como congregacional.
Na América do Norte a denominação batista iniciou suas atividades com Roger Williams, clérigo da Igreja da Inglaterra expulso de Massachusetts porque se re­cusou a aceitar as regras e opiniões congregacionais. Roger fundou a colônia de Rhode Island, em 1644.[7]Ali todas as formas de adoração religiosa eram permitidas, e os membros de religiões perseguidas em outras partes eram bem-vindos. De Rhode Island os batistas espalharam-se rapidamente por todo o continente.
Entre os dez principais grupos batistas, os maiores são: Convenção Batista do Sul, formada en 1845, con­tando atualmente com mais de onze milhões de mem­bros; Convenção Nacional Batista dos Estados Unidos da América, com cinco milhões de membros; Convenção Nacional Batista, organizada en 1895, com cerca de dois milhões e meio de membros presentemente arrolados; Batistas de Livre Vontade, organizados em Hempshire, 1787, atualmente com cento e setenta mil mem­bros.
Convém lembrar que os batistas da Inglaterra funda­ram a primeira sociedade missionária moderna em 1792, e enviaram Guilhereme Carey à índia. A aceita­ção das idéias batistas por Adoniram Judson e Lutero Rice, quando viajavam para a Birmânia, fez com que se organizasse a Convenção Geral Missionária Batista, em 1814. Desde então os batistas têm estado na vanguarda do esforço missionário e do êxito.
De todos os movimentos que surgiram com implanta­ção de Reforma, o que mais se afastou do sacerdócio e do governo da igreja foi o que se chama “Amigos”, comumente conhecido por “Quacres”. Essa sociedade — pois nunca tomou o nome de igreja — surgiu em razão dos ensinos de Jorge Fox, na Inglaterra, cerca do ano 1647. Jorge Fox opunha-se a todas as formas exte­riores da igreja, do ritual e de organização eclesiástica. Ensinava que o batismo e a comunhão deviam ser espi­rituais e não formais. Que o corpo de crentes não devia ter sacerdote, nem ministros assalariados, mas que qualquer um dos crentes podia falar, segundo a inspira­ção do Espírito de Deus, que é a “luz interior” e guia de todos os verdadeiros crentes. Ensinava, também, que tanto homens como mulheres tinham os mesmos privi­légios concernentes aos dons do Espírito, e no governo da Sociedade. No início os membros da sociedade tratavam-se de “Filhos da Luz”, porém mais tarde de­cidiram chamar-se “Sociedade dos Amigos”. Não se sabe ao certo de onde lhes veio o nome “quacres” porém o nome generalizou-se e não desagrada aos membros da Sociedade.
Os ensinos de Jorge Fox foram aceitos por multidões de pessoas que não simpatizavam com o espírito dogmático e intolerante manifestado nesse tempo pela Igreja da Inglaterra. O grau de influência que os qua­cres exerceram pode avaliar-se pelo fato de que cerca de quinze mil foram encarcerados, duzentos exilados e vendidos como escravos; muitos deles morreram como mártires por causa de sua fé, nas prisões ou vítimas da violência de multidões fanáticas. Alguns deles refugiaram-se na Nova Inglaterra, para onde levaram o seu testemunho, porém ali encontraram os puritanos não menos perseguidores do que os anglicanos. Pelo menos quatro membros dos quacres, inclusive uma mulher, foram executados em Boston.
Os Amigos encontraram um lugar seguro em Rhode Island, onde havia liberdade para todas as formas de adoração. Também fundaram colônias em Nova Jersey, Maryland e Virgínia. No ano de 1681, foi concedido a Guilherme Penn, pelo rei Carlos II, o território da Pensilvânia. Guilherme Penn era um dos dirigentes dos Amigos. Assim em 1682, fundaram Filadélfia, “a Ci­dade Quacre”. Durante setenta anos os descendentes do Guilherme Penn governaram a colônia da Pensilvâ­nia. Nos meados do século dezoito, Benjamim Franklyn declarou que a colônia estava dividida em três partes: uma parte era quacre, outra era alemã, e a terceira parte era composta de diversas classes.
A perseguição ativa cessou na Inglaterra e na Amé­rica do Norte, depois da Revolução de 1688 e os quacres continuaram a dar seu testemunho e a fundar socieda­des. Apesar de sua organização ser simples, sua disci­plina era absoluta. A escravidão existia em toda as colônias, porém entre os Amigos era proibida, e faziam propaganda contra, até mesmo nas plantações do Sul. Tinham interesse real e profundo na cristianização e civilização dos índios norte-americanos, em visitar e ajudar os presos nos miseráveis cárceres daqueles tem­pos e em outra obras filantrópicas. Muitas obras sociais que atualmente estão em grande evidência foram fun­dadas e sustentadas pelos quacres, muito antes que fossem por outros reconhecidas como obra legítima da igreja.
A disciplina era rígida, principalmente a exclusão dos membros que se casavam com pessoas alheias à socie­dade. O testemunho era firme contra a escravidão e outros males. A recusa de pegar em armas para fazer guerra, que sempre constituiu um dos fortes princípios da sociedade, tudo isso fez com que diminuísse o número de quacres durante o século dezoito. Contudo, o golpe mais forte foi a dissensão sobre as doutrinas pre­gadas por Elias Hicks, que se proclamava unitário, não reconhecendo a Cristo como Deus. No ano de 1827 deu-se a separação entre os quacres ortodoxos e os Amigos Hicksitas, apesar de que esse nome, jamais foi aceito por esse ramo. Desses dois grupos, os Amigos Ortodoxos, como são chamados, possuem a grande maioria dos membros entre os quacres. Suas doutrinas estão de acordo com as igrejas conhecidas como evan­gélicas, e dão ênfase ao ensino pessoal e imediato do Espírito Santo ao individuo, mais conhecido como “a luz interior”.
Atualmente a organização quacre é completamente democrática. Toda pessoa nascida de pais quacres é considerada membro, juntamente com os que solicitam admissão na sociedade. Todos têm direito de tomar parte nas reuniões de negócio das assembléias a que pertencem. O número de membros quacres atualmente é de aproximadamente setenta mil.
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IGREJAS NOS ESTADOS UNIDOS.

SEGUNDA PARTE.
Luteranos. Presbiterianos. Metodistas.
Irmãos Unidos. Discípulos de Cristo.
Unitários. Ciência Cristã.
Depois da Reforma iniciada por Martinho Lutero, as igrejas nacionais que se organizaram na Alemanha e nos países escandinavos tomaram o nome de luteranas. No início da história da colonização holandesa da Nova Amesterdã, hoje Nova Iorque, que se supõe haja sido em 1623, os luteranos, ainda que da Holanda, chegaram a essa cidade. Em 1652, solicitaram licença para fundar uma igreja e contratar um pastor. Entretanto, as auto­ridades da Igreja Reformada da Holanda opuseram-se a esse desejo, e fizeram com que o primeiro ministro luterano voltasse à Holanda, em 1657. Os cultos conti­nuaram a ser realizados, embora não oficialmente. Con­tudo, em 1664, quando a Inglaterra conquistou Nova Amsterdã, os luteranos conseguiram liberdade de culto.
Em 1638, alguns luteranos suecos estabeleceram-se próximo ao rio Delaware, e construíram o primeiro templo luterano na América do Norte, perto de Lewes. Porém a imigração sueca cessou até ao século seguinte. Em 1710, uma colônia de luteranos exilados do Palatinado, na Alemanha, estabeleceu a sua igreja em Nova Iorque e na Pensilvânia. No século dezoito os protes­tantes alemães e suecos emigraram para a América do Norte, aos milhares. Isso deu motivo à organização do primeiro Sínodo Luterano na cidade de Filadélfia, em 1748. A partir daí as igrejas luteranas cresceram, não só por causa da imigração, mas também pelo aumento natural, sendo que atualmente há aproximadamente nove milhões e meio de membros nas igrejas luteranas.
Dado o fato que essas igrejas procediam de países diferentes, falando diferentes línguas, organizaram-se em cerca de doze grupos diferentes. Alguns desses grupos atualmente já usam o inglês em seus cultos; outros, porém, ainda conservam o idioma de seus paí­ses. No que se refere à doutrina, todos eles adotam a Confissão de Ausburgo, a doutrina de Lutero, da justi­ficação pela fé, e a crença de que o batismo e a Ceia do Senhor não são apenas símbolos, porém meios de graça divina. Esses grupos estão organizados em sínodos, os quais se unem para formar o sínodo geral, mas deixando muita autoridade às igrejas locais.
As igrejas presbiterianas da América do Norte sur­giram de duas origens. A primeira veio da igreja pres­biteriana da Escócia, reformada por João Knox em 1560, e reconhecida como a igreja oficial nesse país. Da Escócia espalhou-se até ao noroeste da Irlanda onde a população era e ainda é protestante. A outra fonte de onde se originou outro ramo presbiteriano foi o movi­mento puritano da Inglaterra, durante o reinado de Tiago I, chegando a dominar o Parlamento no primitivo período da Comunidade Britânica. Depois da ascensão de Carlos II, a Igreja da Inglaterra conquistou nova­mente influência, e mais de dois mil pastores puritanos, em sua maioria de idéias presbiterianas, foram expul­sos de suas paróquias.
Esses três elementos: escoceses, irlandeses e ingle­ses, ajudaram a formar a igreja Presbiteriana nos Esta­dos Unidos. Na Nova Inglaterra os imigrantes presbi­terianos, em sua maioria, uniram-se às igrejas congregacionais. Nas outras colônias, porém, organizaram igrejas de acordo com os seus próprios princípios.
Uma das primeiras igrejas presbiterianas dos Esta­dos Unidos foi organizada em Snow Hill, Maryland, em 1648, pelo Rev. Francis Makemie, da Irlanda. Makemie e mais seis ministros reuniram-se em Filadélfia, em 1706 e uniram suas igrejas em um presbitério. Em 1716, as igrejas e seus ministros, havendo aumentado em número, e bem assim penetrado em outras colônias, decidiram organizar-se em sínodo, dividido em quatro presbitérios incluindo dezessete igrejas.
No início da Guerra de Independência, em 1775, o sínodo incluía dezessete presbitérios e cento e setenta ministros. Os presbiterianos defenderam os direitos das colônias contra Jorge III, e João Witherspoon um dos ministros presbiterianos de maior influência, foi o único clérigo a assinar a Declaração de Independência. Depois da guerra desenvolveu-se de tal forma, que formou uma Assembléia Geral em Filadélfia, que in­cluía quatro sínodos.
Em razão do fato de que tanto os princípios presbite­rianos como também a natureza escocesa-irlandesa, inclinavam-se a pensar profunda e independentemente sobre questões doutrinárias, surgiram divisões nos sí­nodos e presbitérios. Uma dessas divisões teve como resultado a organização da Igreja Presbiteriana de Cumberland, Tennessee, em 1810. Do estado de Tennessee esse movimento espalhou-se para os estados vizinhos, e também para alguns distantes como Texas e Missouri. Os esforços realizados para unir esse ramo como o corpo principal tiveram bastante êxito em 1906.
No ano de 1837 efetivou-se uma divisão sobre ques­tões doutrinárias entre os elementos conhecidos como da Antiga e da Nova Escola Presbiteriana. Cada um dos grupos possuía presbitérios e sínodos e uma Assem­bléia Geral, cada qual dizendo representar a igreja Presbiteriana. Após quarenta anos de separação, quando as diferenças de idéias haviam sido esquecidas, essas escolas uniram-se novamente, em 1869. Há nos Estados Unidos vários ramos de presbiterianismo, com quatro milhões e meio de membros. Todos eles aceitam as doutrinas calvinistas, tais como estão expostas na Confissão de Fé de Westminster e nos Catecismos Maior e Menor. A igreja local é governada por uma junta chamada conselho, integrada pelo pastor e pelos presbíteros. As igrejas estão unidas em presbitérios e os presbitérios em um sínodo. Acima de todos está a Assembléia Geral, que se reúne anualmente. Entre­tanto as modificações importantes no governo ou na doutrina exigem ratificação por uma maioria constitu­cional dos presbitérios e aprovação da Assembléia Geral, para se tornarem lei.
As igrejas metodistas do Novo Mundo existem desde o ano de 1766, quando dois pregadores wesleyanos lo­cais, naturais da Irlanda, se transferiram para os Esta­dos Unidos e começaram a realizar cultos segundo a ordem metodista. Não se sabe ao certo se Filipe Embury realizou o primeiro culto em sua própria casa em Nova Iorque ou se foi Roberto Strawbridge, em Fredrick County, Maryland. Esses dois homens organiza­ram sociedades, e, em 1768, Filipe Embury edificou uma capela na Rua João, onde funciona ainda um templo metodista episcopal. O número de metodistas na Amé­rica do Norte cresceu. Por essa razão, em 1769, João Wesley enviou dois missionários, Ricardo Broadman e Tomás Pilmoor, a fim de inspecionarem a obra e coope­rarem na sua extensão. Outros pregadores, sete ao todo, foram enviados da Inglaterra, dentre os quais se destacou Francisco Asbury, que chegou aos Estados Unidos em 1771. A primeira Conferência Metodista nas colônias foi realizada em 1773, presidida por Tomás Rankin. Porém, em razão do início da Guerra de Inde­pendência, todos os pregadores deixaram o país; exceto Asbury, e a maior parte do tempo, até que a paz foi assinada em 1783, ele esteve afastado.
Quando o governo dos Estados Unidos foi reconhe­cido pela Grã-Bretanha, os metodistas da América do Norte alcançavam o número de quinze mil. Estando eles ligados à igreja da Inglaterra, Wesley tentou con­vencer o bispo de Londres de que devia consagrar um bispo para servir as igrejas da América do Norte. Con­tudo, não conseguiu o que desejava. Wesley, então separou o Rev. Tomás Coke, D.D., clérigo da igreja inglesa, e nomeou-o Superintendente das Sociedades da América do Norte. Para esse fim usou o ritual da consagração de bispos, porém deu-lhe outro título.
Wesley instruiu o Dr. Coke para que consagrasse Francisco Asbury, para cargo igual, como seu auxiliar, encarregado das sociedades wesleyanas na América do Norte. Uma conferência de ministros metodistas na parte setentrional dos Estados Unidos foi realizada na semana do Natal de 1784, em Baltimore, quando então foi organizada a Igreja Metodista Episcopal. Asbury recusou-se a receber o cargo de superintendente, até que a recomendação de Wesley fosse submetida ao voto de seus companheiros. O Dr. Coke voltou à Inglaterra. Por acordo comum o título de superintendente, foi substituído por “bispo”, e até ao ano de 1800 Asbury foi o único a desempenhar tal função. Em razão de seu incansável trabalho, de seus planos sábios, e de boa orientação, as igrejas metodistas da América do Norte devem mais a Asbury do que a qualquer outro homem.
A Igreja Metodista Episcopal foi igreja mãe no país. Entretanto, por causa das diferenças de raça, de idioma, de rivalidades políticas, principalmente em 1864 a agitação sobre a escravatura, várias divisões ocorreram. Em abril de 1939 reuniu-se a Conferência Unida formando a Igreja Metodista. Participaram dessa confêrencia representantes da Igreja Metodista Protestante, representando um total de cerca de onze milhões de membros.
Essas Igrejas possuem a mesma teologia: são arminianas, quer dizer, sustentam a doutrina do livre-arbítrio, oposta à doutrina calvinista da predestinação, e dão ênfase ao conhecimento pessoal da salvação de todo o crente. Também são uniformes em sua organiza­ção. As igrejas locais estão organizadas em distritos a cargo de um presbítero ou ancião presidente, apesar de na Igreja Metodista Episcopal, em 1908, haver sido mudado esse nome para superintendente distrital. Os distritos reúnem-se em conferências anuais, e sobre todos estão os bispos que são nomeados para cargos vitalícios, embora sujeitos a afastamento (na igreja Me­todista Episcopal) pela Conferência Geral, o órgão su­premo, que se reúne de quatro em quatro anos. Todos os pastores são nomeados anualmente pelo bispo encar­regado da sua conferência. Em alguns ramos da igreja podem ser nomeados para o mesmo cargo tantas vezes quantas se deseje; em outras, porém, o pastorado é limitado a quatro anos.
A igreja dos Irmãos Unidos em Cristo, atualmente chamada Igreja Evangélica Irmãos Unidos, foi a pri­meira igreja que se fundou nos Estados Unidos, sem ter origem no Velho Mundo. Surgiu na Pensilvânia e em Maryland, com a fervorosa pregação de dois homens, Filipe Guilherme Otterbein, nascido em Dillenburg, Alemanha, que antes fora ministro da igreja Refor­mada, e Martin Boehm, que era menonita. Ambos pre­gavam em alemão e estabeleceram igrejas em que se falava alemão, dirigidas por ministros não “sectários”, como os tratavam então.
Foi em 1767 que esses dirigentes se conheceram pela primeira vez, em um culto que se realizou em um depó­sito de cereais, perto de Lancaster, Pensilvânia, quando Boehm pregou com notável poder espiritual. Ao término do sermão, Otterbein abraçou a Boehm, e ex­clamou: “Somos irmãos.” Dessa saudação surgiu o nome oficial da igreja, havendo eles acrescentado as palavras “em Cristo”, ao instituir-se formalmente a igreja no Condado de Fredrick, Maryland, em 1800.
Nessa ocasião Otterbein e Boehm foram eleitos bis­pos e adotaram uma forma de governo inspirada na democracia americana. Apesar de serem escolhidos bispos, a igreja sempre teve somente uma ordem de pregadores, sem nenhum episcopado. Todo o poder é exercido pelos leigos. Todos os funcionários, inclusive os bispos, são eleitos por um período de quatro anos por uma assembléia constituída de igual número de minis­tros e leigos. Os superintendentes das Conferências também são eleitos e não nomeados. Apesar de sua forma de governo ser diferente da adotada na igreja Metodista, com a exceção das conferências trimestrais, anuais e gerais, pregam a mesma teologia arminiana.
Os cultos, no início, eram exclusivamente em alemão; mas atualmente são em inglês. A sede geral da igreja e a casa editora localizam-se em Dayton, Ohio. A principal instituição de beneficência que possuem, a “Casa Ôttervein”, a maior dos Estados Unidos, está situada perto de Lebanon, Ohio.
Após vários anos de discussão entre seus membros, deu-se uma divisão na igreja em 1889. A maioria dese­java a revisão da constituição da igreja, a fim de elimi­nar a exclusão dos membros que pertencessem a socie­dades secretas. Os “radicais” organizaram uma nova igreja. Os “liberais” ficaram com todas as propriedades da igreja, exceto em Michigan e Oregon. Em 16 de Novembro de 1946, em Johnstown, Pennsylvania, realizou-se a união da Igreja Evangélica e da Igreja dos Irmãos Unidos em Cristo. O número de membros de­sses dois grupos chega a pouco mais de setecentos mil.
A igreja que tem dois nomes, ambos oficiais, “Discí­pulos de Cristo” e “Igreja Cristã”, diferente de outras organizações já mencionadas neste capítulo, foi intei­ramente norte-americana em sua origem. Existe desde 1804, depois de um grande despertamento religioso manifestado em Tennessee em Kentucky, quando o Rev. Barton W. Stone, ministro presbiteriano, deixou aquela denominação e organizou uma igreja em Cane Ridge, Condado de Bourbon, em Kentucky, na qual a Bíblia, sem nenhuma outra declaração doutrinária seria a única regra de fé e o único nome seria Cristã.
Poucos anos depois o Rev. Alexander Campbell, mi­nistro presbiteriano da Irlanda, adotou o princípio de batismo por imersão e formou uma igreja batista, afastando-se logo em seguida e passando a chamar seus seguidores de “Discípulos de Cristo”. Tanto Stone como Campbell organizaram muitas igrejas, de modo que em 1832 suas congregações se uniram e formaram uma igreja que conservou os dois nomes, “Discípulos” e “Cristãos”, e ambos foram reconhecidos. Os esforços des­ses dois homens tinham como finalidade unir todos os seguidores de Cristo em uma organização, sem nenhum credo, a não ser a fé em Cristo, e sem nenhum outro nome a não ser “Discípulos” ou “Cristãos”.
Eles aceitam tanto o Antigo como o Novo Testa­mento; todavia, somente o Novo Testamento é para os cristãos a regra de fé, sem nenhuma declaração especí­fica de doutrina. Praticam o batismo por imersão, ex­cluindo as crianças de pouca idade, por acharem que do ato de batismo “vem a segurança divina da remissão de pecados e a aceitação por Deus”. São congregacionais no sistema. Cada igreja é independente de governo externo; unem-se, porém, à denominação para o incre­mento da obra missionária tanto no país como no es­trangeiro. Seus dirigentes são escolhidos pastores, diáconos e evangelistas, embora não reconheçam ne­nhuma diferença entre ministros e leigos. Através de sua história, os Discípulos de Cristo sempre foram zelo­sos e empreendedores na evangelização. Têm cerca de 2 milhões de membros.
Outra organização similar, também chamados “Cristãos” ou “Igreja Cristã”, em 1931 uniu-se às igre­jas Congregacionais.
As igrejas Unitárias da Inglaterra e da América do Norte são os modernos representantes dos antigos arianos dos séculos quarto e quinto. Suas doutrinas dão ênfase à natureza humana de Jesus Cristo e, nesse aspecto, servem a causa da verdade cristã. Mas negam a divindade, do Filho de Deus e consideram o Espírito Santo não como uma pessoa, mas uma influência.
Afir­mam a existência e a unidade de Deus, porém não a Trindade ou “três pessoas em um Deus”. Õpõem-se, de modo geral, à doutrina calvinista da predestinação, mas aceitam a crença dos metodistas, o livre-arbítrio.
Con­sideram a Bíblia, não como autoridade de fé e conduta, porém como valiosa coleção literária.
Os unitários apareceram inicialmente nos Estados Unidos, não como uma seita e sim como uma escola de pensamento nas igrejas da Nova Inglaterra. Em 1785, a Capela do Rei, em Bóston, até então Protestante Epis­copal, adotou um credo e uma liturgia omitindo o reco­nhecimento da Trindade, e escolheu um ministro que tinha opiniões unitárias. Foi essa a primeira igreja da Nova Inglaterra a professar essa fé.
Em 1805 o unitário Henrique Ware foi nomeado pro­fessor de teologia da Universidade de Harvard. Em 1819, foi estabelecida na mesma Universidade uma Es­cola de Teologia, a qual desde então tem sido dirigida por unitários. O nome “unitário”, tal como é aplicado ao movimento religioso, apareceu primeiramente em 1815. Logo em seguida, muitas igrejas congregacionais da Nova Inglaterra tornaram-se unitárias, inclusive a que foi fundada pelos Peregrinos, em Plymouth.
Na controvérsia que então se levantou, mais de cento e vinte igrejas congregacionais adotaram a doutrina unitária, sem contudo mudarem de nome. O movimento unitário conquistou muitos homens e pensadores dos Estados Unidos, principlamente na Nova Inglaterra. Quase todos os poetas de Cambridge e Bóston — Lowell, Longfellow, Holmes e Bryant, foram unitários. Entretanto, os unitários não conquistaram membros em proporção igual ao ramo trinitário ortodoxo dos congregacionalistas. Durante a última década cresceu um pouco seu número de membros; há atualmente 167 mil unitários nos Estados Unidos. Em sua forma de governo são congregacionais; cada igreja local tem sua própria administração. Não possuem credo nem confis­são de fé. Por isso mesmo seus ministros têm a mais ampla liberdade e variedade de opiniões. Alguns deles mal podem destinguir-se dos “ortodoxos”, enquanto outros vão ao extremo de serem livre-pensadores. Ape­sar de tão vacilantes em suas doutrinas, os unitários sempre se mostraram ativos em reformas e em todo o esforço de caráter social.
A igreja Ciência Cristã compõe-se daqueles que acei­tam como autoridade os ensinos da Sra. Maria Baker Eddy. Ela começou a anunciar suas idéias em 1867, e fundou em 1867, uma associação dos que aceitavam a Ciência Cristã. Organizou seus seguidores em igreja, em Bóston, no ano de 1879, sendo ela mesma a pastora. O número de membros era pequeno. Contudo, esse número aumentou para milhares, que depois se reu­niam para adoração no magnífico edifício conhecido como “Igreja Mãe”, que exerce certo controle sobre todas as igrejas e sociedades da denominação.
A Sra. Eddy morreu em 1910 e não deixou sucessor, porém seus ensinos estão enfeixados em um volume que se chama Ciência e Saúde. As diferentes igrejas da Ciência Cristã não possuem pastores, mas em seu lugar há em cada igreja um “Primeiro Leitor”, que dirige os cultos; esse leitor é mudado de vez em quando. As doutrinas da Ciência Cristã são divulgadas por meio de conferencistas nomeados pela igreja mãe. Trata-se de um sistema de curar as enfermidades do corpo e da mente, e ensina que todas as causas e efeitos são men­tais, e bem assim que o pecado, as enfermidades e a morte serão destruídos mediante um entendimento cabal do Princípio Divino de Jesus de ensino e de cura. O número de membros dessa organização não é divul­gado. O manual da igreja proíbe “a contagem do povo e a publicidade de dados estatísticos.” A Ciência Cristã e a igreja Unitária não são consideradas igrejas evangéli­cas e sim heresias.
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 A IGREJA NO CANADÁ

Católica Romana. A Igreja da Inglaterra.
Metodista e Presbiteriana.
A Igreja Unida e outras denominações.
Durante o século dezessete, os missionários perten­centes à Sociedade de Jesus converteram ao catolicismo os índios da tribo Huron, na província de Ontário, no Canadá, enquanto outros sacerdotes, com êxito di­verso, disseminavam o poder da igreja de Roma na índia, nas Molucas, na China, no Japão, no Brasil e no Paraguai.
No ano de 1626, Jean de Brebeuf fundou uma missão nas costas cobertas de bosques da Baía de Geórgia. Esses precursores da religião pregavam por toda parte; mesmo em regiões de bosques e selvas. Sofriam e luta­vam contra as forças da natureza e da barbárie nativa, ou morriam pela fé que possuíam.
Com o breviário e o crucifixo percorreram largas distâncias, desde as costas da Nova Escócia, batidas pelas ondas, até às pradarias do desconhecido oeste. Desde a Baía de Hudson até à desembocadura do Mississippi, as figuras trajadas de preto passavam sucessi­vamente. Eram perseverantes em sua missão “para a glória de Deus”, para o progresso da Ordem que repre­sentavam e da Nova França, e de tal modo o faziam, que o historiador Brancroft disse que não se rodeava ne­nhum cabo nem se entrava em nenhum rio, por onde já não houvese passado um jesuíta.
Na parte norte dos Estados Unidos, assim como no Canadá, os católicos romanos foram os primeiros a es­tabelecer igrejas. Os colonos franceses levaram consigo a antiga religião tanto como o antigo idioma, e até hoje se atêm a ambos. Em Quebec, principalmente, a igreja católica guiou, modificou e controlou as instituições da província, os hábitos e costumes da raça francesa, a moral, a política e a lealdade do povo. Em recente recenseamento constantou-se que num total de 19.000.000 de habitantes, havia mais de quatro milhões de católicos, sendo 4.635.000 em Quebec e mais de 1.873.000 em Ontário.
A Igreja da Inglaterra, também chamada Anglicana, nos dias primitivos constituía uma força dominante em todas as províncias inglesas, influindo na lealdade à Coroa, na educação no sentido de amar as instituições inglesas, no apoio às clases leais a coroa para os cargos de governo, e na devoção à política dos primitivos go­vernantes ingleses. A igreja ocupava papel importante no governo de todas as províncias, assumia posição firme nas questões de educação e esforçava-se na coo­peração com outras denominações para estabelecer as atividades religiosas no Ocidente. A igreja Anglicana no Canadá tem cerca de 2.400.000 membros, 1.117.900 em Ontário e 367.000 na Colúmbia Britânica.
Nas várias divisões da igreja cristã no Canadá, as controvérsias do Velho Mundo eram reproduzidas com maior ou menor fidelidade. A Igreja da Inglaterra no Canadá contendia sobre formas e cerimônias eclesiásti­cas da mesma forma que o fazia na Inglaterra. O meto­dismo na Inglaterra dividiu-se em igreja Metodista Primitiva, igreja Cristã Bíblica e Metodista Wesleiana, enquanto as filiadas na América do Norte e Canadá tiveram como resultado dessa divisão a nova Igreja Metodista Episcopal e a Nova Conexão Metodista. Os presbiterianos tinham a sua Igreja da Escócia no Canadá, o Sínodo da Igreja Livre, Igreja Presbiteriana dos Paises-Baixos, Igreja Presbiteriana Unida e Pres­biteriana do Canadá.
Se as denominações participavam das diferenças do pensamento e dos credos que lhes vinham do Velho Mundo, também participavam imensa e proveitosa­mente dos beníficios de caráter financeiro das igrejas britânicas e das grandes sociedades missionárias. A Igreja da Inglaterra no Canadá recebia grandes quan­tias do Parlamento britânico. As igrejas metodistas eram ajudadas por fundos enviados de Londres, e os primitivos missionários eram sustendados quase que exclusivamente por esse meio. O mesmo acontecia com as denominações presbiterianas e com a conhecida So­ciedade Colonial de Glasgow e sua obra prática entre 1825 e 1840.
Em 1925 os metodistas uniram-se aos congregacionais e bem assim parte dos presbiterianos, a fim de organizarem a Igreja Unida do Canadá, com aproxima­damente 3.700.000 membros, sendo um milhão e meio na província de Ontário. Várias igrejas presbiterianas recusaram-se a participar da União, de modo que a igreja Presbiteriana do Canadá continua a existir e conta cerca de oitocentos mil membros.
Os batistas, luteranos e outras igrejas protestantes sempre exerceram forte influência nos assuntos públi­cos. O problema público em que a forte denominação batista das Províncias Marítimas estava muito interes­sada, era o da educação secular. A população batista sobe a 600.000, sendo 200.000 em Ontário e 250.000 nas províncias de Nova Brunswick e Nova Escócia. Os lute­ranos contam cerca de 633.000 membros sendo que a maioria, em Saskatchewan e em Ontário.
A interessante, porém perturbadora seita conhecida como os doukhobors, que veio da Rússia no começo do século vinte, está estabelecida quase que exclusiva­mente em Saskatchean e Colúmbia Britânica, e uns poucos em Alberta e Manitoba. Possui reduzido número de membros. Trata-se de gente pacífica, não progres­sista, que não se preocupa com a educação e recusa-se a combater. Há também no Canadá cerca de 152.000 menonitas.
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O EVANGELHO NA AMÉRICA LATINA

(Pelo Professor Miguel Narro)
Entre os anos de 1860 e 1864, registrou-se um movimento na capital da República do México em favor do Evangelho, do qual resultou a formação de vários núcleos inteiramente de caráter nacional, formados por pessoas que repudiavam as doutrinas estranhas praticadas pela igreja de Roma, e que aceitavam somente as doutrinas bíblicas.
Nesses núcleos havia também padres convertidos, entre os quais se contavam o padre Palácios e o ilustre presbítero Manoel Águas, famoso por sua resposta dada ao bispo Lavastida. Arcádio Morales, que mais tarde se tornou dirigente do presbiterianismo no México, relata sua própria conversão, em 1869, quando assistiu a um culto protestante dirigido por Sóstenes Juarez.
Na fronteira mexicana com os Estados Unidos, dedicada à evangelização, visitando a cidade de Monterrey, trabalhou Melinda Rankin, a qual desde 1855 desenvolvera intensa atividade entre os mexicanos residentes na cidade de Brownsville, Texas, e em outras cidades do mesmo estado. Igualmente, Tiago Kickey ali desenvolveu atividades evangelizantes, levando uma remessa de Bíblias até Monterrey, em cuja cidade organizou uma congregação batista, em 1864, da qual foi pastor T. W. Westrup. A Junta Americana de Missões Domésticas iniciou suas atividades no ano de 1870.
A Junta Congregacional Americana, em 1872, enviou à cidade de Guadalajara, México, dois missionários, Stephens e Watkins. Nessa cidade, em meio a manifes­tações de fanatismo e forte perseguição, organizou-se uma igreja com 17 membros. O missionário Stephens, qual outro Estêvão, foi morto pelo punhal dos assassi­nos em Ahualulco dei Mercado, no ano de 1874. Muitos outros mártires mexicanos foram vítimas de atentados semelhantes durante aqueles anos de fanatismo, nos quais o populacho atiçado pelas intrigas do clero sem temor de Deus perseguia as testemunhas do Senhor.
Em 1882, foram enviados a Guadalajara, pela mesma Junta Congregacional, o Rev. João Howland e esposa, modelos dignos da missão que desempenhavam, por sua fé e consagração à obra que representavam. O Dr. Howland, cuja morte ocorreu em 1939, é um nome ilustre na história das missões.
A missão Congregacional de Chihuahua iniciou suas atividades sob a direção de Tiago Eaton um homem amável, e de grande visão, e sob sua orientação construíram-se templos amplos e atrantes em pontos estratégicos como Chihuahua, Parral. Tiago era ativo distribuidor de literatura evangélica. A obra congrega­cional ampliou-se pelos estado do noroeste, e foi notável também ali o impulso que deu à educação.
No mês de novembro de 1872, Guilherme Butler foi enviado à cidade do México, como primeiro missionário da Junta Metodista Episcopal. Apesar dos entraves usados pelos jesuítas, ele conseguiu adquirir o antigo Convento de São Francisco, na Calle de Gante, local em que desde então passou a funcionar o Centro das Ativi­dades Metodistas. Tomás Carter chegou ao México em 1873, e um ano mais tarde também ali aportou, para aumentar as fileiras da missão, o inesquecível João Butler, filho de Guilherme Butler. O trabalho evangé­lico na cidade de Puebla foi iniciado pelo Dr. Drees, em 1875, em um antigo edifício da “Santa Inquisição”. De grande alcance e de alta influência foi a obra de evange­lização realizada em Puebla, de onde saíram homens da fibra do Dr. Pedro Flores Valderrama, Vitoriano Baez e Epigmênio Velasco, que brilharam na oratória e no púlpito, e ainda escritores e poetas como o Dr. Vicente Mendoza e Baez Camargo. No ano de 1876 iniciou-se o trabalho em Guanajuato. Apesar da oposição que se levantou, conservou-se sempre em atividade o centro de higiene e saúde “O Bom Samaritano”, durante mui­tos anos dirigido pelo Dr. Salmans.
Na Califórnia, após haver regressado do Peru, onde estivera como missionário, o Dr. Vernon McCombs foi nomeado Superintendente da Missão Latino-americana, trabalho que teve progresso notável e conta com grandes centros de evangelização.
A Igreja Metodista do Sul iniciou a obra de evangeli­zação na capital do México no início do ano de 1873, sendo essa obra inaugurada pelo bispo Keener, o qual nomeou superintendente geral o Rev. Joel T. Davis. Os irmãos Alejo Hernandez (convertido no Texas) e Sóstenes Juarez trabalharam sob os auspícios dessa missão. Em 1886, a Missão Central Mexicana constituiu-se em Conferência Anual. O jornal “O Evangelista Mexicano” tornou-se o órgão oficial da referida Conferência.
A Missão do Sul imprimiu grande impulso à obra educativa, tanto na capital como em S. Luiz de Potosi, Guadalajara e nos estados fronteiriços. O Colégio In­glês, de Saltillo, transformou-se em foco luminoso, de onde saíram centenas de mestres que levaram a luz da instrução e a semente evangélica a todos os recantos da República. Não somente a causa evangélica, mas tam­bém a educação em geral muito devem ao grande edu­cador Dr. André Osuna. Não será possível determonos a mencionar a obra fecunda dos missionários Winton, Corbin, Reynolds e muitos outros que trabalharam fielmente nos árduos labores, para levarem o conheci­mento de Cristo aos que estão nas trevas. Obreiros nacionais como os Bustamantes, os Hernandez, os Villarreal e outros que gastaram suas vidas e seus recursos em promover a causa do Evangelho.
No estado de Texas, no de 1880, o Rev. Alexandre Sutherland reuniu um núcleo de obreiros fiéis, aos quais instruiu e capacitou para a tarefa gloriosa de pregar o Evangelho. Através dos anos é relembrado o trabalho de Alexandre Leon, Roman Palomares, Santiago Tafolla, Policarpo Rodriguez, Basílio Soto, o pai, e muitos outros que seria difícil enumerar. Em tempos mais recentes devemos relembrar o inesquecível Francisco S. Onderdonk.
No México a obra metodista, a par de outras coisas, sofreu grandes alterações durante as revoluções e mo­dificações das leis. Apesar de tudo, o trabalho progre­diu. No mês de novembro de 1930 o metodismo do México unificou-se e tomou o nome de “Igreja Meto­dista do México”.
Uma Junta Presbiteriana iniciou suas atividades em 1872, no México, por intermédio de quatro missionários e suas famílias que se estabeleceram na cidade do Mé­xico. Alguns trabalhos independentes que já existiam uniram-se à Junta Presbiteriana. Dom Arcádio Morales tornou-se, então, o porta-voz não só dos presbiterianos, mas de todo o movimento evangélico. O trabalho pres­biteriano desenvolveu-se de modo especial em Zacatecas e em Vila de Cos. Os heróicos missionários e os obreiros nacionais enfrentaram com firmeza e fé as mais agudas perseguições, e seu exemplo deixou um rastro luminoso na história. A memória de Henrique Thomp­son e de Tomás Wallace ainda está viva no México.
Nos estados do Golfo do México e em Michoacán, o trabalho presbiteriano firmou-se em bases sólidas.
Pode-se dizer com justiça que o zelo evangelizador, a lealdade à Palavra de Deus, a pureza de vida e a obe­diência dos presbiterianos daquela época deixaram a todos os evangélicos uma herança digna. Suas ativida­des e esmero na publicação de bons livros e jornais, obra que eles levaram a bom termo, sob a orientação de Plutarco Arrellano, redator de “El Faro”, durante mui­tos anos, também são dignas de ser imitadas.
Sem ostentação, porém com lealdade e perseverança,esses humildes servos difundiam a luz, desde Matamoros (Porto), e desde a Cidade Vitória e Matehuala (mais tarde) até aos mais afastados rincões do solo mexicano. Ali era recebido com prazer o simpático “Ramo de Oli­veira”, e os tratados saídos daquelas impressoras. Con­vém mencionar a obra do grande batalhador que foi o Dr. Eucário M. Sein que publicou em Matehuala, du­rante anos, “o Católico Convertido”.
Não entraremos em maiores detalhes sobre o traba­lho dos batistas, e dos Discípulos, como também dos episcopais, por falta de espaço. Basta que se diga que todos cumpriram sua tarefa difícil e necessária, levando a luz do Evangelho, esforçando-se pela educação, esta­belecendo às vezes orfanatos, casas de beneficência e de outras formas.
Concluímos esta imperfeita resenha, com um parágrafo à memória de Tiago Pascoe, inglês de nasci­mento, que viveu no Estado do México, de 1875 a 1878. Era um homem de profundas convicções evangélicas e vastíssima erudição. À sua própria custa, entre tenaz oposição, fez uma obra gloriosa entre os índios.
Con­tudo, ele é mais conhecido como escritor. Seus lumino­sos escritos levaram luz a milhares de entendimentos, despertando as consciências.
Tiago Pascoe era polemista de primeira grandeza; confundiu os jesuítas do Estado de Novo México que, no afã de humilharem a causa protestante, atacaram os humildes pregadores do Evangelho. Pascoe atacou os últimos redutos dos jesuítas em sua falsa argumentação mostrando as imposturas do clero, e expôs publica­mente as inovações de Roma, e isso tudo ele o fez apoiado nos fatos da verdadeira história e à luz das Sagradas Escrituras. A reprodução das obras de Tiago Pascoe seria de grande utilidade, até mesmo em nossos dias.
Na Guatemala, os primeiros esforços da obra de evangelização foram realizados nos meados do século dezenove. Porém, essa primeira tentiva não surtiu efeito, em razão das perseguições e da intransigência dos romanistas. Somente em 1884 foi possível estabele­cer definitivamente a obra missionária na Guatemala, e foram os presbiterianos que tiveram essa gloriosa ini­ciativa. O evangelho lançou raízes nessa Rupública e muitas congregações se estabelecera e floresceram.
No ano de 1890, organizou-se na cidade de Dallas, Texas, a Sociedade Missionária Centro-América, a fim de levar o evangelho às várias Repúblicas de América Central. Essa Sociedade realizou intensa obra de evan­gelização e seus missionários penetraram por todos os recantos levando as boas-novas.
Há trabalho de certa importância nas Repúblicas de Nicarágua e El Salvador, pertencente aos batistas e às Assembléias de Deus.
Outro trabalho que merece referência é a chamada Campanha Evangélica na América Latina, orientada pelo consagrado missionário Henrique Strachan, que tinha como centro de atividades a cidade de San José da Costa Rica. Na mesma cidade há dois magníficos insti­tutos, um para homens e outro para mulheres, além de outros de beneficiência.
No ano de 1845 chegou à cidade de Valparaíso, Chile, Daniel Trumbull, o qual se limitou a pregar o Evange­lho a pessoas de fala inglesa. Contudo, depois aprendeu a falar castelhano, fundou um jornal que se chamava “O Vizinho”, e pelas suas páginas iniciou uma campanha de esclarecimento, refutando os erros romanistas. Esse trabalho custou-lhe a perseguição do clero. Os evangé­licos tiveram de sofrer muito no Chile, por causa de sua fé. A pastoral do arcebispo Valdivieso, em 1858, pro­ibia, sob severas penas canônicas, a leitura de livros distribuídos pelos protestantes. Apesar das persegui­ções, dos atentados por parte do clero e do populacho, o trabalho de evangelização progredia.
O missionaário Gilbert chegou a Santiago, capital do Chile, e tomou o encargo do trabalho. O missionário, nessa cidade, era alvo de insultos constantes e de perseguições; tanto ele como os novos convertidos tinham que levar o vitupério da Cruz de Cristo. No ano de 1866, Alexandre Merwim chegou ao Chile para reforçar o pequeno grupo de obreiros. Quando Lúcio C. Smith inaugurou, em Santiago, um novo local de cultos, os evangélicos sofreram agressões e insultos, saque e queima de móveis e Bíblias.
Os presbiterianos e os metodistas durante muitos anos mantiveram e sustentaram o trabalho. Um obreiro incansável que conseguiu ver muitas almas converti­das, foi De Bon, um sacerdote convetido ao Evangelho. José Torregrosa, espanhol, que antes estivera na Ar­gentina, chegou a Valparaíso em 1896, fez um trabalho eficiente nessa cidade e mais tarde na cidade de San­tiago.
Organizações que também trabalharam no Chile são a “Aliança Cristã Missionária”, o Exército de Salvação e outras. Atualmente o trabalho conta com bons ele­mentos, e espera-se um ressurgimento espiritual na parte meridional do hemisfério. A Igreja Metodista Pentecostal do Chile foi fundada pelo Dr. Hoover, e conta muitos milhares de membros.
Na Bolívia, país que permaneceu fechado à pregação do evangelho durante muitos anos, os colportores da Sociedade Bíblica Americana prepararam o caminho para os pregadores. Os abnegados colportores conse­guiram introduzir a Bíblia, apesar das ameaças e das perseguições. Eles escalaram a Cordilheira dos Andes e penetraram nos lugares mais longínquos levando o pre­cioso tesouro, a Palavra de Deus.
O colportor José Mongiardino foi assassinado em 16 de julho de 1876. Os esforços de todos esses servos de Deus não foram em vão. Os dias da liberdade chegaram para esse país. Atualmente os batistas e os metodistas mantêm trabalhos florescentes nas principais cidades da Bolívia. Uma sociedade para evangelizar os índios foi organizada ultimamente, e os missionários estão em atividade, anunciando a Palavra de Deus aos índios que vivem nos lugares mais distantes.
No Peru, como aconteceu em outros lugares, os pri­meiros missionários e colportores tiveram de sofrer perseguições. A história do missionário Francisco Penzoti é bem conhecida. Penzoti converteu-se em Monte­vidéu, Uruguai, no ano de 1876, pelo contacto com o Dr. Thompson, e pela leitura do evangelho de João. Fran­cisco Penzoti iniciou suas atividades em Montevidéu e na Colônia Valdense. Sentindo vocação para o trabalho de colportagem, iniciou uma campanha de propaganda que não tem paralelo na América Latina. Impulsionado por esse ideal poderoso, cruzou os Andes, chegou ao Peru e começou a pregar em casas particulares. O tra­balho de propaganda avançava sempre, apesar da opo­sição. Por essa razão o clero e seus aliados recorreram a meios violentos e conseguiram encarcerar Penzoti, o qual esteve preso na cidade de Collao desde 26 de julho de 1890, até 28 de março de 1891. Os homens liberais do país iniciaram então a defesa de Penzoti, e consegui­ram pô-lo em liberdade. Alguns anos depois foi no­meado agente geral da Sociedade Bíblica Americana em Buenos Aires.
A obra evangélica no Peru, apesar das alternativas e mudanças políticas e de governos, não sofreu interrup­ção. Atualmente conta com um número regular de cen­tros de evangelização e educação. Durante muito tempo publicou-se a revista “Renascimento”, e bem assim li­vros e jornais. Várias denominações operam naquele campo. O Concílio Geral das Assembléias de Deus em Springfield, Missouri, enviou missionários para o Peru, e para outros países da América do Sul, das Antilhas e da América Central.
Nesses países a marcha do Evangelho tem sido lenta, porém segura. No Equador, a eleição de governos libe­rais possibilitou o avanço da causa evangélica. Em Quito, capital do Equador, foi montada uma emissora de rádio que envia diariamente a mensagem evangélica aos países sul-americanos. A União Evangélica Mis­sionária, com sede em Kansas City, Estados Unidos, tem operado por muitos anos no Equador.
Os presbiterianos mantiveram bons trabalhos de evangelização e equipes educacionais em Bogotá, capi­tal de Colômbia, e bem assim em Barranquilha e em alguns outros centros. Na Venezuela há uma nova vida na obra missionária, principalmente entre as tribos in­dígenas, nas quais trabalha atualmente a “Missão Rio Orenoco”. Nas Guianas há diversos trabalhos mis­sionários. Parece que chegou o tempo em que não há lugar sobre a terra aonde não tenha chegado o testemu­nho do Evangelho.
Na Argentina, a primeira pregação do Evangelho realizou-se em casas particulares de famílias inglesas, em Buenos Aires, e a pregação era também em inglês. Isso aconteceu em 1823. A pregação em castelhano somente se verificou mais tarde. Leiamos o que diz João Varetto em seu livro “Heróis e Mártires”.
À igreja Metodista Episcopal cabe a honra de haver sido a pioneira que inicou a pregação em língua caste­lhana, no Rio da Prata.”
Desde 1836 tiveram ali os metodistas alguns repre­sentantes que trabalhavam entre as pessoas que fala­vam inglês. No ano de 1856, chegou a Buenos Aires o missionário Guilherme Goodfellow, com o propósito de iniciar o trabalho em castelhano. Contudo, ele realizou uma série de reuniões para ingleses e teve a alegria de ver muitos jovens ingleses convertidos, entre os quais estava João F. Thompson que mal contava quinze anos de idade, e no qual descobriu o futuro apóstolo da causa de Cristo naquelas terras. Thompson nasceu na Escócia em 1843 e foi com seus pais para Buenos Aires, quando tinha oito anos de idade. Depois de sua conversão foi estudar na América do Norte, de onde regressou a Buenos Aires em 1866.
O primeiro culto em castelhano realizou-se a 25 de maio de 1867, em um templo que os metodistas pos­suíam na rua Cangallo.
Uma das primeiras pessoas convertidas foi a professora Fermina Leon Albeder, que dirigia uma escola educacional no Bairro da Boca. Ela colocou à disposição do pregador o salão de aulas, “na qual nasceu a primeira escola dominical em Buenos Aires”.
Thompson pregou também em Montevidéu, Uru­guai; ali o êxito de seu trabalho foi ainda mais notável. A mocidade acorria em massa para ouvi-lo.
O trabalho dos batistas foi iniciado em Buenos Aires por Pablo Besson, no mês de julho de l881. Ele muito se esforçou para o progresso do trabalho, e seu nome ficou conhecido como consagrado escritor.
Os cristãos chamados “Irmãos” iniciaram o trabalho de evangelização na Argentina com a chegada de Carlos Torres. Atualmente contam com muitas igrejas ativas. O caráter do trabalho dos “Irmãos” é evangelista, e propagam boa literatura cristã.
Guilherme Morris, que pertencia à igreja Anglicana, contribuiu de modo decisivo para o impulso da educa­ção, estabelecendo escolas em diferentes partes da ci­dade.
Na República do Uruguai também está deitando raí­zes a obra de evangelização, e bem assim equipes edu­cacionais. Uma nota destacada no trabalho, no Uruguai é a ação da mocidade. Esse país caminha na vanguarda dos países sul-americanos, no que se refere à organiza­ção da juventude evangélica, e é de esperar que sua influência se desenvolva no bom sentido, a fim de que possa servir de norma e inspiração às demais repúbli­cas.
Em Porto Rico e São Domingos, o trabalho evangé­lico está representado por numerosos centros mis­sionários pertencentes à várias denominações. Em razão da liberdade de celebrarem cultos nessas ilhas, a causa pôde desenvolver-se, apesar da oposição do obs­curantismo.
Nas convenções que ali se realizam, geralmente nota-se harmonia e entusiasmo.
A República do Brasil tem sido ricamente abençoada por meio da obra missionária. “Bem-aventurado aquele que evangelizar esse país”, exclamou Henry Martin, quando o navio em que viajava para a Ásia fez escala e parou alguns dias na cidade de Salvador, Bahia. Talvez, as orações do consagrado missionário que deu a vida pela evangelização da Pérsia, tenham contribuído para o êxito posterior das missões no rico e extenso país que é o Brasil.
Várias tentativas de evangelização foram realizadas, desde épocas distantes, primeiramente pelos hugueno-tes, no ano de 1555. Os huguenotes tiveram os primei­ros mártires no Brasil em 1558. Os holandeses, no curto espaço de tempo de ocupação em alguns pontos do Bra­sil, iniciaram posteriormente alguns movimentos de evangelização. Os morávios foram até às Guianas, em 1735, e ali se dedicaram a evangelizar os escravos e os índios.
Nos tempos modernos, o privilégio de evangelizar o Brasil coube a Roberto Kalley, médico escocês, que iniciou o trabalho no ano de 1855. Seguiram-no em sua iniciativa, algumas famílias convertidas antes na Ilha da Madeira, onde esse servo de Deus havia conseguido êxito em meio a grandes perseguições. Kalley fundou no Rio de Janeiro a igreja Evangélica Fluminense, se­gundo a ordem Congregacional. Depois de trabalhar vinte e um anos no Brasil, retirou-se para sua pátria, onde morreu em 1888.
A. G. Simonton, que chegou ao Rio de Janeiro em 1859, foi o primeiro missionário presbiteriano a iniciar a pregação em português. Algum tempo depois o pastor A.O. Blackford também estava integrado no trabalho presbiteriano no Brasil.
Um acontecimento que deu grande impulso ao tra­balho evangélico daqueles dias foi, sem dúvida, a con­versão de um notável sacerdote católico, José Manuel da Conceição, o qual se dintinguiu por sua erudição e operosidade, a par de sua eloquência. José Manuel da Conceição convenceu-se, mediante o estudo da Bíblia, de que a igreja de Roma em que militava se havia afastado dos ensinos de Cristo. Após meditação séria e profunda, enviou sua renúncia ao bispo, em 1864. As autoridades eclesiásticas, como se esperava, o exco­mungaram, porém J.M. da Conceição respondeu à pu­blicação de excomunhão nas páginas dos mesmos jor­nais que as publicaram, explicando as razões que o forçaram a dar aquele passo. Logo depois entrava em contacto com a Igreja Presbiteriana, sendo ali batizado e ordenado ao ministério. Esse homem foi um verda­deiro apóstolo em seu zelo evangelista e por suas virtu­des. Vejamos o que dele disse Lauresto:
“Era possuidor de dotes brilhantes para o cumpri­mento de sua sagrada missão: presença nobre e atraente, voz harmoniosa, mímica correta e eloquência arrebatadora. Conceição percorreu os estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, de uma à outra extremidade reunindo, como os apóstolos, ao poder da palavra, o exemplo de humildade, amor e trabalho, zelo ardente pela fé, pureza em todas as suas ações, bondade para com todos e extraordinária resignação nos mo­mentos dolorosos que lhe afligiam o corpo e o espírito.”
Milhares de pessoas ouviram de seus lábios a prega­ção das Boas-novas. Fazia profundas observações cien­tíficas sobre história natural. Sofreu fortes persegui­ções, chegando mesmo a ser espancado. Partiu para o descanso celestial, aos cinquenta e dois anos de idade, deixando um exemplo digno que, felizmente, foi se­guido fielmente por seus companheiros.
Na cidade do Rio de Janeiro apareceu como notável pregador presbiteriano o Rev. Álvaro Reis, orador elo­quentíssimo e distinto polemista, que em seus sermões e em seus escritos combatia os erros do romanismo, a fim de mostrar aos seus ouvintes as verdades evangéli­cas. Quando Álvaro Reis morreu, houve grandiosa ma­nifestação de pesar. A municipalidade do Rio de Janeiro deu o nome de Álvaro Reis a uma das praças da cidade.
Eduardo Carlos Pereira, autor de várias Gramáticase destacado pedagogo, foi também eloqüente pregador das Boas-novas, e foi, também, apóstolo da autonomia das igrejas no Brasil.
Os metodistas, depois de várias tentativas, consegui­ram, finalmente, estabelecer a obra evangélica no Bra­sil, no ano de 1876. Nessa ocasião o governo já era mais favorável, e bem assim alguns elementos da alta socie­dade. Inicialmente estabeleceram como base uma con­gregação e uma escola, no Rio de Janeiro. Depois foram até Piracicaba, (São Paulo), que se tornou um centro de atividades e também Santa Bárbara. Os missionários J.S. Newman, de Alabama, e John J. Ransom, de Tennessee, foram os que encabeçaram a empresa. Atualmente o trabalho metodista é forte e florescente no Brasil, onde contam com uma excelente equipe de edu­cação primária e secundária, institutos para pregado­res, imprensa e várias instituições de beneficência. Teve a Missão Metodista, entre os convertidos, ilustres sacerdotes católicos, dentre eles Hipólito de Campos, cujas atividades evangélicas foram muito apreciadas.
O missionário W.B. Bagby iniciou o trabalho batista no Brasil no ano de 1881. Este trabalho, assim como o das demais denominações, progrediu de forma notável. O desenvolvimento tem sido rápido e seguro.
A igreja Episcopal tem trabalhos no estado do Rio Grande do Sul, e conta com bons ministros e edifícios apropriados para servirem à obra.
Uma sociedade missionária inglesa iniciou trabalho entre os índios do rio Amazonas. Seus missionários têm sido verdadeiros heróis, e alguns deles cingiram a coroa do martírio, perecendo vítimas daqueles a quem dese­javam salvar e melhorar. Porém a obra não foi em vão, pois tem havido entre aqueles selvagens resgatados do cruel paganismo e até canibalismo, gloriosas conver­sões, troféus preciosos do poder do Evangelho.
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ORIGEM E DESENVOLVIMENTO DAS ASSEMBLÉIAS DE DEUS.

O Concílio Geral das Assembléias de Deus na Amé­rica do Norte surgiu como resultado do movimento religioso que teve origem no início do presente século, e que se espalhou, mais tarde, com rapidez, por todo o mundo.
Uma intensa sede espiritual, em razão da qual se efetuaram reuniões de oração entre grupos de crentes de várias denominações, foi uma das características que se evidenciaram nas igrejas, no fim do século passado. Como resultado das atividades desses grupos de cren­tes, produziram-se avivamentos em vários lugares nos Estados Unidos e na Europa. Caracterizavam-se esses avivamentos por um intenso fervor de evangelização e um profundo espírito de oração. Da mesma forma dava-se ênfase aos dons espirituais e à sua operação, inclusive cura divina, e falar em outras línguas, como sinal da recepção do batismo do Espírito Santo. (Atos 2:4.) Predominava também entre eles o zelo missionário baseado na profunda convicção relacionada com a vinda iminente do Senhor Jesus Cristo e bem assim a cons­ciência da responsabilidade que cabia aos crentes batizados com o Espírito Santo, no sentido de obedecer à última ordem de Jesus.
A origem do movimento pentecostal não se pode atri­buir a determinada pessoa, pois existem evidências do derramamento simultâneo do Espírito Santo em vários lugares. Um ministro evangélico chamado Daniel Awrey recebeu o batismo do Espírito Santo, em sua plenitude pentecostal, em janeiro de 1890, na cidade de Delaware, Estado de Ohio, América do Norte.
Um grupo de crentes pentecostais realizou uma con­venção em 1897, na Nova Inglaterra. Mais ou menos na mesma época, manifestou-se um avivamento no estado de Carolina do Norte. No estado de Tennessee, se­gundo testemunho de Clara Smith, que mais tarde foi missionária no Egito, havia no ano de 1900 cerca de quarenta ou cinquenta pessoas batizadas com o Espírito Santo. No mesmo ano manifestou-se um avivamento pentecostal entre um grupo de crentes de nacionalidade sueca na cidade de Moorhead, Estado de Minnesota, cujos resultados são notáveis ainda na atualidade.
Muitas das pessoas que participaram desses avivamentos participam, atualmente, do Concílio Geral das Assembléias de Deus. Contudo, essa organização reli­giosa deve sua existência primeiramente ao derrama­mento do Espírito Santo sobre um grupo de crentes sinceros na cidade de Topeka, estado de Kansas, no ano de 1901. Pequenos grupos de obreiros cristãos, proce­dentes desse avivamento, espalharam-se pelos estados de Kansas, Oklahoma, e posteriormente Texas.
Foi assim que se formaram assembléias de crentes, os quais, mais tarde, se reuniram em Concílio Geral. Um desses grupos iniciou reuniões na cidade de Hous­ton, Texas. Foi ali que W.J. Seymour, pregador de cor, pertencente ao grupo denominado “Santidade”, rece­beu a mensagem, antes mesmo de ser batizado com o Espírito Santo. Ele foi convidado a pregar as Boas-novas a um grupo de pessoas de cor na cidade de Los Angeles, Califórnia. Nessa cidade Seymour pregou a mensagem pentecostal, de modo que renasceu a fé no coração dos ouvintes, realizando reuniões de oração de intenso fervor.
No mês de abril de 1906, um grupo de crentes rece­beu o batismo do Espírito Santo, na cidade de Los Angeles, acompanhado do falar em outras línguas. Iniciou-se, então, a distribuição gratuita de uma re­vista, de modo que as notícias se espalharam por toda parte. Numerosos crentes que sentiam sede espiritual viajaram para a cidade de Los Angeles, a fim de se inteirarem, pessoalmente, do que estava acontecendo. Muitos daqueles que observaram as manifestações de caráter divino creram, humilharam-se ante a presença de Deus, e buscaram o batismo do Espírito Santo. Ou­tros, porém, endureceram os corações e zombaram do que viram. Foi por meio da palavra oral e escrita que as notícias chegaram a todos os lugares. Simultaneamente chegavam notícias de que manifestações semelhantes do Espírito Santo aconteceram nas cidades do leste e do centro dos Estados Unidos, e também no Canadá, Chile, índia, Noruega e nas Ilhas Britânicas. Enquanto se realizava um derramamento do Espírito Santo na cidade de Los Angeles, efetuaram-se, também, reu­niões pentecostais nos acampamentos da cidade de Ashdond, próximo de Duxbury, em Massachussetts. Em ambos os lugares os crentes receberam o batismo do Espírito Santo, acompanhado do sinal de falar outras línguas.
A mensagem pentecostal espalhou-se com tal rapi­dez, que recebeu o nome de Movimento. Por essa razão o termo “Movimento Pentecostal” passou a designar todos os grupos que enfatizavam a recepção do batismo com o Espírito Santo, acompanhado do sinal de falar em outras línguas, segundo a inspiração divina. Era ine­vitável, contudo, que aparecessem diferentes opiniões acerca das doutrinas e da prática, pois aqueles que formavam o novo movimento procediam de várias es­colas de pensamento religioso. Além disso, o movi­mento necessitava de autoridade executiva e de organi­zação central que determinasse a política a seguir.
Em razão dessa necessidade, que era patente a todos, um grupo de ministros pentecostais representativos decidiu solicitar a formação de um Concílio Geral, se­gundo o modelo do Concílio de que se fala no capítulo quinze do livro dos Atos dos Apóstolos, a fim de esta­belecer normas acerca dos ensinos e práticas do movi­mento. O pedido foi feito pelo Rev. E.N. Bell e por um grupo de associados. O Rev. E.N. Bell exercia as fun­ções de diretor da revista mensal independente denominada “Word and Witness” (Palavra e Testemunho), que se publicava na cidade de Malvern, Arkansas. Como resposta a essa solicitação, reuniu-se o primeiro Concílio na cidade de Hot Springs, Arkansas, nos dias 2 a 12 de abril de 1914. A maioria daqueles que apoiaram a convocação do Concílio procedia dos primeiros grupos pentecostais do centro-oeste dos Estados Unidos, e de Los Angeles.
Participaram do primeiro Concílio cerca de trezentos ministros e delegados, procedentes de igrejas pente­costais independentes de todo o país. A criação do Con­cílio não obedecia a um desejo de organizar um corpo eclesiástico que exercesse jurisdição sobre as igrejas pentecostais livres, mas somente para estreitar os vín­culos da unidade cristã e estabelecer bases bíblicas para a comunhão, trabalho e atividades em favor da extensão do reino de Cristo. Foi nesses termos que se redigiu uma declaração de princípios de igualdade, de unidade e de cooperação, garantindo, ao mesmo tempo, os direi­tos e a soberania de todas as igrejas locais filiadas ao Concílio, enfatizando os princípios claros referentes aos laços de comunhão e cooperação que governariam as relações entre ministros e entre as congregações.
No mês de novembro do mesmo ano (1914), realizou-se o segundo Concílio na cidade de Chicago. A organização começou a adquirir uma forma mais defi­nida, contudo não se aprovaram sistemas doutrinários nem dogmas de fé. Resolveu-se, nessa ocasião, que o mais conveniente seria concordar com o princípio de que as Escrituras em si mesmas constituem regra sufi­ciente para a fé e a prática, deixando a cada ministro a liberdade de interpretá-las individualmente.
No outono de 1916, convocou-se o quarto Concílio Geral para a cidade de St. Louis, no estado de Missouri.
Foi durante a realização desse Concílio que se aprovou uma declaração relativa às verdades fundamentais. Contudo, ficou expressa em forma específica, nessa ocasião, que a declaração não incluía todas as verdades contidas na Bíblia, mas que as verdades aprovadas eram consideradas fundamentais para o ministério do Evangelho completo, puro e são. A declaração do Con­cílio teve repercussão imediata, e foi assim que outros ministros pentecostais que dirigiam assembléias inde­pendentes solicitaram sua admissão ao Concílio das As­sembléias de Deus. No ano de 1917, o movimento já contava com 517 ministros e 56 missionários no exte­rior. Nesse mesmo ano, um elevado número de congre­gações solicitou e obteve reconhecimento oficial, pas­sando a fazer parte do movimento das Assembléias de Deus. A partir daí, a organização teve firme progresso.
Antes do ano de 1914, vários ministros pertencentes ao movimento pentecostal haviam consagrado suas vidas à obra missionária e seguiram para China, índia, Áfria e América do Sul, inspirados pela fé, porém sem que nenhuma organização eclesiástica lhes garantisse auxílio financeiro, excetuando as promessas que lhes pudessem ser feitas por assembléias locais. Após a or­ganização do Concílio das Assembléias de Deus, muitos desses missionários solicitaram filiação e foram incorporadados à nova confraternidade, e o Departamento Executivo do Concílio Geral assumiu a responsabili­dade financeira de sustentar os referidos missionários. No ano de 1918, quatro anos depois de fundada a orga­nização, havia 91 missionários inscritos, e a soma gasta pelo Departamento Executivo com a manutenção dos missionários foi de 29.630,51 dólares, nesse ano.
Até ao ano de 1919, o Departamento Executivo não passava de uma agência receptora e distribuidora das ofertas missionárias. Porém o Concílio que se reuniu nesse ano estabeleceu o Departamento de Missões Es­trangeiras, elegendo ao mesmo tempo um secretário para o referido Departamento. A partir daí as atividades de caráter missionário apresentaram tal desenvolvimento, que na data de publicação desse livro a organi­zação contava com 1.214 missionários e 73.192 obreiros nacionais, os quais labutavam em 60.467 centros mis­sionários, em 101 campos diferentes. O número de con­vertidos nesses campos elevava-se a 4.208.255. Não somente as ofertas missionárias aumentaram, mas também o número de obreiros. De fato, durante o ano fiscal que terminou em 30 de junho de 1978, passou pelo Departamento de Missões Estrangeiras a quantia de 29.875.534,00 dólares para atender às necessidades da obra missionária.
O Departamento de Missões Estrangeiras emprega métodos modernos de propagação do Evangelho de Jesus Cristo, nos países de além-mar. Por meio da organização juvenil da igreja, pôs em execução um pro­grama cujo lema é o seguinte: “Espalhai a luz.” Como resultado desse trabalho recolhem-se milhares de dóla­res que são empregados para comprar bicicletas, moto­cicletas, automóveis, lanchas e aviões. Teve início esse movimento no ano de 1948, com a aquisição de um avião CA6 transformado em transporte de pessoal mis­sionário, através dos continentes. Esse avião tinha capacidade para quarenta passageiros e realizou oito viagens através dos mares antes de ser substituído por outro avião B-17. O vôo mais longo desse avião foi realizado até à índia, completando 45.000 quilômetros, viagem de ida e volta. O B-17 realizou vinte viagens ao exterior, antes que esse sistema de transporte fosse interrompido.
Quando o Concílio Geral se organizou, em 1914, dois jornais pentecostais foram a ele incorporados, cujos nomes são os seguintes: “Word and Witness”, jornal mensal editado por E.N. Bell, em Malvern, Arkansas e “The Christian Evangel”, publicação semanal editada por J. Roswell Flower, de Plainfield, Indiana. Nessa ocasião decidiu-se que esses jornais se transferissem provisoriamente para a cidade de Findlay, no Estado de Ohio, onde passaram a ser impressos até ao mês de novembro de 1914. Durante a realização do segundo Concílio Geral, decidiu-se a mudança das oficinas de impressão para a cidade de St. Louis, Estado de Missouri, instalando-se na Easton Avenue 2838, onde fun­cionaram durante alguns meses. Finalmente os jornais “Word and Witness” e “The Christian Evangel” fundiram-se em um só, que passou a chamar-se “The Pentecostal Evangel”, publicação semanal, com uma tiragem de 268.000 exemplares.
No ano de 1918 já se tornava necessário mudar para um edifício maior, a fim de atender à expansão das publicações. Transferiram-se, então, escritório e ofici­nas para Lyon e Pacific Streets, na cidade de Spring-field, Missouri. Na nova sede funcionavam também a redação, a administração, e o Departamento de Missões Estrangeiras. Com o progresso sempre crescente da literatura das Escolas Dominicais, livros, folhetos e outras publicações de caráter religioso, surgiu mais uma vez a necessidade de ampliar as instalações, de modo que o edifício foi aumentado, ocupando 17.000 metros quadrados, com instalações para os 127 fun­cionários que ali trabalham.
No período de 1945-1948 era evidente a necessidade de novas ampliações. Por essa razão iniciou-se a cons­trução de um novo edifício, com cerca de 33.000 metros quadrados de área. Esse edifício é ocupado pela Gospel Publishing House; no antigo edifício funcionam os escri­tórios e os Departamentos da igreja.
Pouco depois da organização do Concílio Geral, o trabalho nos Estados Unidos ficou dividido em distri­tos. Cada um desses distritos tem o seu próprio supe­rintendente, secretário tesoureiro, e o presbitério do distrito. Os distritos assumem a responsabilidade da supervisão das igrejas jurisdicionadas. Da mesma forma são eles que concedem licença para pregar e procedem à ordenação de ministros do Evangelho.
O superintendente do distrito, juntamente com dois mi­nistros eleitos pelo eleitorado do distrito, formam o presbitério geral do concílio.
Os interesses gerais da organização são administrados por um Presbitério Executivo composto de dezesseis membros, oito dos quais não são residentes no local, enquanto os oito restantes exercem as funções de chefes dos vários departamentos na cidade de Spring-field, sede do Concílio Geral. Os cargos dos departa­mentos são os seguintes: Um superintendente geral, cinco superintendentes auxiliares, um secretário, um tesoureiro.
O Presbitério Geral do Concílio compõe-se de três membros de cada Concílio de Distrito e três membros de cada Concílio filiado de língua estrangeira, totali­zando cento e cinquenta membros. Esse organismo atua como conselheiro e exerce as funções de tribunal de apelação em certos assuntos de caráter ministerial e eclesiástico.
No ano de 1922 fundou-se na cidade de Springfield, Missouri, um Instituto Bíblico para preparação de mi­nistros e missionários. O ensino começou a ser minis­trado nas aulas das classes da Escola Dominical da Assembléia de Deus local. Em 1924, construiu-se o primeiro edifício do Central Bible Institute, em um terreno de seis hectares situado na parte norte da ci­dade. No ano de 1938 foram adquiridos mais cinco hec­tares. Dessa forma completou-se o segundo edifício do Colégio que, assim, permite acomodar 1.134 estudan­tes. No parque do Colégio construíram-se casas para os professores da instituição. Os estudantes que se gra­duam no Central Bible Institute são aceitos em todas as igrejas dos Estados Unidos, e muitos deles se transfe­rem para países estrangeiros, a fim de realizarem obra missionária.
Também se fundaram Escolas Bíblicas em várias partes do país. Os colégios oficialmente reconhecidos pelo Concílio Geral das Assembléias de Deus, são os seguintes: Central Bible Institute, de Springfield, Mis­souri; Eastern Bible Institute, Green Lane, Pennsyl-vania; Glad Tidings Bible Institute, Santa Cruz, Cali­fórnia; New England Bible Institute, Farmingham, Massachusetts; Great Lakes Bible Institute, Zion, Illinois; Northwest Bible Institute, Seattle, Washington; Southwestern Bible Institute, Lakeland, Florida; Southern Califórnia Bible College, Costa Mesa, Cali­fórnia; Southwestern Bible Institute, High School e Bible College, Waxachacie, Texas e Canyonville Bible Academy, Canyonville, Oregon.
O programa de estudos desses Institutos inclui in­glês, grego, História da Igreja, organização de escolas dominicais e muitos outros cursos. Porém maior ênfase é dada ao estudo da Bíblia, que é matéria considerada de primordial importância. Na América Latina há cerca de vinte Institutos Bíblicos com instrução em espanhol.
Nos albores da organização da igreja toda a atenção foi dada às missões estrangeiras, e o resultado foi este: a obra missionária nos Estados Unidos ficou esquecida. Atualmente procura-se dar ênfase ao trabalho mis­sionário nacional. Em virtude dessa tendência, organizaram-se programas com a finalidade de fundar e desenvolver novas igrejas em muitos distritos.
Está em execução um plano missionário na região montanhosa de Kentucky e na Virgínia Ocidental. Para essa região já foram enviados oitenta missionários. Em outras regiões também estão em andamento eficientes campanhas de evangelização com o propósito de fundar novas igrejas, pois a convicção predominante é que quanto mais igrejas se fundarem nos Estados Unidos, tanto maiores serão as possibilidades de propagar a obra missionária no exterior.
As Assembléias de Deus, como organização, conti­nuam sendo um movimento, e todos os anos se observa substancial aumento, quer no que diz respeito à igreja, quer ao que se refere às pessoas. Atualmente o número de igrejas filiadas e cooperadoras é de 9.410, com 932.365 membros. Constavam na lista de ministros, cerca de 22.062 ministros ordenados. Todos eles de­sempenham as funções de pastores e evangelistas. Se levarmos em consideração que o movimento se organi­zou em 1914, essas cifras são consideradas extraor­dinárias.
Mais excepcionais ainda são as atividades das escolas dominicais, de acordo com as informações que che­gam à sede do Concílio. A literatura para as escolas dominicais das Assembléias de Deus é enviada a cerca de 9.410 Escolas, com a matrícula de 1.293.394 alunos. Essas Escolas são servidas por cerca de 131.606 profes­sores e dirigentes.
A forma de governo das Assembléias de Deus é congregacional, isto é, cada assembléia governa-se a si mesma e age de forma independente, ao mesmo tempo que mantém comunhão com as demais assembléias. As igrejas locais unem-se umas às outras por meio de dou­trinas e práticas mútuas que as levam a cooperar em favor dos interesses gerais e do Distrito. Os dirigentes da assembléias locais, dos Concílios Distritais e do Con­cílio Geral têm poderes limitados na esfera da adminis­tração e são considerados como servidores da organiza­ção. Eles exercem funções eficientes de assessoramento dos ministros e das igrejas. As assembléias lo­cais têm certa dependência da organização, até que alcancem o crescimento suficiente que justifique seu reconhecimento como assembléias independentes. Re­cebem, então, auxílio para organizarem seus estatutos, e podem dispor de assessores experimentados por parte dos dirigentes do Distrito, quando isso for ne­cessário. O caráter da organização das Assembléias de Deus foi descrito por um ministro presbiteriano, o qual declarou que na organização predomina o mesmo espí­rito que predominava na primitiva igreja wesleyana. Contudo, existe alguma diferença, pois as Assembléias de Deus não só ensinam a necessidade do novo nasci­mento e a santificação pessoal, mas também ensinam o privilégio de se receber o batismo pessoal do Espírito Santo, a plenitude pentecostal. Esse batismo é acom­panhado pelos mesmos sinais mencionados no livro dos Atos dos Apóstolos, isto é, o falar em outras línguas, segundo o Espírito. Possivelmente noventa por cento dos membros afirmam haver recebido a promessa do Novo Testamento, e os dez por cento restantes crêem nela firmemente.
J. Roswell Flower,
 Secretário Geral.
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AS ASSEMBLÉIAS DE DEUS NO BRASIL E EM PORTUGAL

De 1910 até os dias atuais
A maior igreja pentecostal de todos os tempos foi fundada a 18 de junho de 1911 na cidade brasileira de Belém, capital do estado do Pará. Toda a sua história está marcada por fatos sobrenaturais, acontecimentos evidenciadores da presença do Espírito Santo, o que a coloca como fiel e digna sucessora da igreja nascida no Dia do Pentecoste.
Os missionários Daniel Berg e Gunnar Vingren, este ex-pastor da Swedish Baptist Church, (Igreja Batista Sueca), de Menominee, Michigan, EUA, foram os após­tolos tomados por Deus para o lançamento das primei­ras sementes: o Senhor os aproximou por ocasião de uma convenção de igrejas batistas reavivadas, em Chi­cago, quando sentiram o chamado para terras distan­tes. Em mensagem profética, o Senhor lhes falou, mais tarde, na cidade de South Bend, quando pela primeira vez ouviram o nome “Pará”. Consultaram um mapa e souberam, então,que se tratava de uma “Província” (estado) do Brasil. Empreenderam uma jornada em que muitos acontecimentos surpreendentes se verificaram, constituindo todos eles evidentes provas de que Deus lhes testava a fé. A 5 de novembro de 1910, os dois suecos deixavam Nova Iorque, a bordo do navio “Clement”, oportunidade em que promoveram a evangeli­zação dos tripulantes e passageiros, registrando-se algumas decisões para Cristo. A chegada a Belém do Pará deu-se a 19 de novembro.
Alojados no porão da Igreja Batista, na rua Balby n.° 406, permaneciam muitas horas em orações, suas vidas no altar de Deus. E, tão-logo começaram a falar em língua portuguesa, iniciaram trabalho evangelístico, enquanto doutrinavam a respeito do batismo com o Espírito Santo. Na pequena igreja opunham-se alguns, com grande resistência, aos ensinos dos dois mis­sionários. A 8 de junho de 1911, Celina Albuquerque recebia o batismo com o Espírito Santo e, no dia se­guinte Maria Nazaré, sua irmã, tinha a mesma expe­riência espiritual. Juntamente com elas, outros mem­bros e congregados foram expulsos do templo e organi­zavam, a 18 de junho de 1911, na residência de Henri­que Albuquerque, no bairro da Cidade Velha, Belém, a primeira igreja no mundo a adotar a denominação de Assembléia de Deus. Os outros componentes da igreja recém-fundada foram José Plácido da Costa, até então Superintendente da Igreja Batista e que veio a ser o primeiro missionário brasileiro (enviado a Portugal em 1913), Manoel Maria Rodrigues, Jerusa Dias Rodri­gues, José Batista de Carvalho, Maria José Batista de Carvalho, Antônio Mendes Garcia, Manoel Dias Rodri­gues, Emílio Dias Rodrigues, Joaquim Silva, Benvinda Silva, Ana Silva, Teresa Silva, Isabel Silva e João Do­mingues. Gunnar Vingren foi, então, aclamado pastor da igreja. Sucederam-no os pastores Samuel Nystron, Nels Julius Nelson, Francisco Pereira do Nascimento, José Pinto Menezes, Alcebíades Pereira Vasconcelos e Firmino Assunção Gouveia.
Da igreja pioneira de Belém irradiou-se a obra pentecostal a todas as regiões do Brasil, vindo a correspon­der, a partir de 1960, a 70 por cento no quadro do evangelismo nacional. As Assembléias de Deus con­gregam 50 por cento dos evangélicos brasileiros, pre­dominando nas zonas rurais e no interior, procurando alcançar, sobretudo, as classes sociais mais humildes.
Durante algumas décadas solitárias na aceitação da doutrina pentecostal, as Assembléias de Deus consti­tuíam uma minoria cruelmente perseguida. Nas peque­nas cidades, o clero católico romano, dominante e im­placável, contava sempre com o apoio de autoridades arbitrárias que fechavam templos e agrediam e aprisio­navam os membros da igreja. Muitas vezes eram os crentes alvo de pistoleiros, que feriam e matavam, oca­siões em que costumavam ocorrer impressionantes in­terferências divinas. Estas levaram muitos inimigos a se curvarem a Cristo, aceitando a mensagem da Bíblia Sagrada. Fazendeiros, pequenos comerciantes, operários hostis ao Evangelho foram sendo tocados pelo poder de Deus e hoje predominam, ao lado dos primei­ros profissionais liberias, militares e funcionários públi­cos que passam a aceitar que a concessão dos dons espirituais não se circunscreve aos dos dias apostólicos, mas alcança os homens de todos os séculos, depois que Jesus prometeu enviar o Consolador.
Dezenas de milhares de membros das igrejas conser­vadoras (batistas, presbiterianas, metodistas e outras) buscam atualmente o batismo com o Espírito Santo e experimentam um avivamento sem precedentes. En­quanto as denominações tradicionais em sua maioria, estacionam ou decrescem em número de fiéis e de tem­plos, os pentecostais inclusos os avivados, (como são conhecidos os não integrantes das Assembléias de Deus) crescem em todos os sentidos. As igrejas que crêem nos dons espirituais, e os buscam, constroem dezenas e dezenas de templos, alguns com capacidade para milhares de pessoas. As Assembléias de Deus se deslocam dos subúrbios e das fazendas para o centro das grandes cidades.
A igreja pentecostal pioneira, pela sua condição de majoritária, lidera na evangelização, com dezenas de programas radiofónicos e frequentes campanhas que reúnem dezenas de milhares de pessoas em praças e estádios. A obra missionária é também enfatizada em várias igrejas. A Assembléia de Deus em São Cristó­vão, Rio de Janeiro, destaca-se neste trabalho. É responsável pelo envio de missionários a vários países da América do Sul e à África. Outras igrejas, como a de Madureira, RJ; Belém e Brás, bairros da cidade de São Paulo; Santo André, SP; Belém, PA, de estados do Sul e alguns da região nordeste, também participam do es­forço missionário, que se torna a paixão de muitos ho­mens e mulheres.
Entre os nomes mais expressivos das Assembléias de Deus no passado, aos quais se deve a obra monumental que elas realizam, estão, além dos já aludidos: Adriano Nobre, Absalão Piano, Almeida Sobrinho, Otto Nelson, Joel Carlson, Clímaco Bueno Aza, Plácido Aristóteles, Josino Galvão, Bruno Skolimowski, Gustavo Nordlund, Nils Kastberg, Antônio de Rego Barros, José Bezerra Cavalcanti, Nels J. Nelson, José Pinto de Menezes, José Teixeira Rego, Algot Svenson, Silvino Silvestre Silva, Antônio Petronilo dos Santos, Waldomiro Mar­tins Ferreira e José Amaro dos Santos. Na literatura, destacam-se os nomes de Emílio Conde, que durante vários anos dirigiu, como jornalista, os ógãos de divul­gação das Assembléias de Deus no Brasil e representou a igreja em congressos internacionais, e de O.S. Boyer, o mais prolífero autor pentecostal radicado em terras brasileiras.
Fato novo e altamente significativo que se registra no meio pentecostal, nos últimos anos, é o despertamento para o aprendizado, para o estudo sistemático da Pala­vra de Deus. Alguns institutos passaram a funcionar e outros se organizam e neles jovens de todo o País, ao lado de obreiros veteranos, que também se despertam para o estudo, capacitam-se a prosseguir, acompa­nhando a igreja no seu progresso e nos desafios que se lhe apresentam na hora presente. Mantendo fidelidade às suas origens de igreja que reconhece ser imprescin­dível a direção do Espírito Santo, as Assembléias de Deus conscientizam-se da extraordinária responsabili­dade que passaram a ter como a maior comunidade pentecostal de todo o mundo.
Segundo informação da Secretaria da Junta Executiva das Deliberações da Convenção Geral das Assem­bléias de Deus no Brasil, atualmente as Assembléias de Deus no Brasil reúnem 3 milhões de membros e 2 mi­lhões de congregados.
Joanyr de Oliveira
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RESUMO DA HISTÓRIA DO MOVIMENTO PENTECOSTAL EM PORTUGAL

1.  O Movimento pentecostal português está ligado, no seu princípio, ao do Brasil nas pessoas dos mis­sionários Daniel Berg e Gunnar Vingren. Entre os pri­meiros 18 crentes da primeira Assembléia de Deus na cidade de Belém do Pará, encontrava-se o português José Plácido da Costa, que regressa à sua pátria em 1913 para testificar do seu Senhor.
2. No ano de 1921 outro português é enviado do Brasil com sustento da Suécia: o irmão José de Matos, que percorre o país de Norte a Sul estabelecendo contactos e fundando igrejas no Algarve e nas Beiras.
3. Entretanto chega à cidade do Porto o missionário Daniel Berg, o qual se junta ao irmão José Plácido da Costa para estabelecerem as Assembléias de Deus no Norte de Portugal, cooperando com eles o missionário Holger Backstrom.
4.  Em Lisboa, onde o Movimento havia posterior­mente de tomar maiores proporções, a obra é iniciada no ano de 1932, pelo missionário sueco Jack Hardstedt, para o que alugou uma velha capela católica, deixando a igreja cinco anos depois com 18 membros em comunhão. Depois dele veio o missionário Samuel Nystrom que continuou até fins de 1938, deixando seu lugar ao mis­sionário Tage Stahlberg com uns 70 membros arrola­dos. Além da sede havia dois pontos de pregação. Mais tarde os doutores Bowkers, missionários ingleses, acei­taram o testemunho pentecostal e abriram trabalho em várias terras. Sempre foi alvo dos missionários abrir igrejas locais, autônomas e independentes de qualquer influência estrangeira, estabelecendo um trabalho to­talmente português, para o qual Deus levantou nacio­nais aptos para o executarem. E assim a Obra desenvolveu-se por todo o País.
5. Tiveram grande influência no sentido da unificação deste Movimento as convenções anuais, que começa­ram em 1939, onde todos os obreiros se reúnem para tratar de assuntos vitais da Vinha do Senhor. As Esco­las Bíblicas, que se seguiram imediatamente, conti­nuam a ser um viveiro para novos obreiros e cooperado­res. Mais tarde fundou-se um Instituto Bíblico, donde têm saído Missionários, Evangelistas, Pastores e ou­tros colaboradores para a grande Seara.
6.  Onde a cooperação das igrejas se manifesta mais nítida é concernente à Missão interna e externa. Devido à independência das antigas colônias, os missionários tiveram de retirar-se de Angola, Moçambique e Timor, mas a Missão conserva laços de amizade fraterna com esses povos enviando gratuitamente literatura evan­gélica, e mantendo trabalho missionário nos Açores, Madeira e República de S. Tomé. Devido ao esforço e vocação missionária desta Assembléia, existem deze­nas de igrejas de expressão portuguesa na África do Sul, Rodésia, Austrália, França, Bélgica, Luxem­burgo, Holanda, Alemanha, Canadá e Estados Unidos da América.
7. É também notória a obra social, que além da assis­tência beneficente das igrejas locais, conta com duas Casas de Repouso para a terceira idade e um orfanato em nível nacional. No presente ano foi iniciada a obra de auxílio aos drogados e delinquentes — Desafio Jovem (Teen Challenge), com a instalação de um Café Conví­vio num sítio central de Lisboa e um Centro de Recupe­ração numa quinta adquirida nos arredores da cidade.
8. Pela rádio do Continente, das Ilhas, República de S. Tomé, etc, a mensagem pentecostal faz-se ouvir semanalmente por gente de variadíssimas raças. O Ins­tituto de Correspondência Internacional, com sede em Fanhões, tem dezenas de milhares de alunos. Não obs­tante tudo o que temos visto realizado no nosso meio, cremos estar apenas no início de uma Obra gigantesca que Deus quer fazer entre o povo português.
9. Resta informar que se calcula em 30.000 os crentes batizados e agregados, incluindo os alunos das Escolas Dominicais. 300 Congregações são servidas por 60 pas­tores e evangelistas que dedicam todo o seu tempo à Obra do Senhor. Cooperam com eles 300 anciãos, Evangelistas, Diáconos e Auxiliares. Em cerca de 200 Escolas Dominicais estão a ser doutrinadas mais de 5.000 crianças.



 

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