HERMENÊUTICA
A palavra hermenêutica significa explicar
ou interpretar. Nas Escrituras é usado em quatro versículos: João 1.42;
9.7; Hebreus 7.2 e Lucas 24.27. Esse termo pode ser traduzido por explicar ou
expor. O termo Hermenêutica, portanto, descreve simplesmente a prática
da interpretação. É necessário que o estudante das Escrituras procure descobrir
o significado do texto que está sendo estudado. Queremos saber o que o
texto significa. Para descobrirmos o significado do texto, teremos que
verificar os vários componentes envolvidos na Hermenêutica: o autor, o texto e
o leitor.
O AUTOR COMO DETERMINANTE DO SIGNIFICADO
Esse é o método mais tradicional para o
estudo da Bíblia. O significado é aquele que o escritor,
conscientemente, quis dizer ao produzir o texto. É importante verificar o que o
autor disse em outro escrito. O que Lucas registrou em seu Evangelho poderá ser
mais esclarecedor se comparado com Atos, ou registro de Lucas. Devemos levar em
conta os idiomas da época: aramaico, hebraico e grego. Eles possuem um
significado que não pode variar. Por outro lado, o texto está limitado ao que o
autor disse exatamente? Por exemplo: lemos em Efésios 5.18: Não vos
embriagueis com vinho. Alguém poderia dizer: Paulo proíbe que nos
embriaguemos com vinho, mas acho que não seria errado embriagar-se com cerveja,
rum, ou outra droga. Os escritos do apóstolo vão além de sua consciência,
embora essas implicações não contradigam o significado original, antes fazem
parte do texto e seu objetivo. Compreendemos então o mandamento paulino como um
princípio, pois mesmo que o autor não esteja ciente das circunstâncias futuras,
ele transmitiu exatamente a sua intenção.
O TEXTO
COMO DETERMINANTE DO SIGNIFICADO
Alguns eruditos afirmam que o significado tem
autonomia semântica, sendo completamente independente do que o autor quis
comunicar quando o escreveu. De acordo com esse ponto de vista, quando um
determinado escrito se torna literatura, as regras normais de
comunicação não mais se lhe aplicam, transformou-se em texto literário. O que o
texto está realmente dizendo sobre o assunto? Analisando o relato em Marcos
4.35-41 Qual é o objetivo do texto? Informar sobre a topografia do mar da
Galiléia ou o mal tempo naquela circunstância? Seu objetivo era falar sobre Jesus
Cristo, Filho de Deus. O significado que Marcos queria transmitir está
claro: Mas quem é este que até o vento e o mar lhe obedecem? (4.41). O
autor queria transmitir que Jesus de Nazaré é o Cristo, o Filho de Deus. Ele é
o Senhor e até mesmo a natureza está sujeita a ele!
O
LEITOR COMO DETERMINANTE DO SIGNIFICADO
Segundo essa perspectiva, o que determina o
significado é o que o leitor compreende do texto. O leitor atualiza a
interpretação do texto. Leitores distintos encontram diferentes significados, isso
porque o texto lhes concede permitir essa multiplicidade. É relevante o que
pensa o leitor? Isto poderia influenciar o sentido do texto? Se compreendermos
que há diferença de interpretação entre um leitor crente e outro que é ateu, a
resposta é sim! Contudo é necessário que o leitor esteja em condições de entender
o texto. Ao verificar como as palavras são usadas nas frase, como as orações
são empregadas nos parágrafos, como os parágrafos se adequam aos capítulos e
como os capítulos são estruturados no texto, o leitor procurará compreender a intenção
do autor. O texto, em sua íntegra, ajudará o leitor a compreender cada palavra
individualmente. Assim sendo, as palavras, ou conjunto de palavras, ajudam a
compreender o todo.
DEFINIÇÃO
DAS REGRAS.
Uma utilização equivocada das ferramentas da
Hermenêutica resultará em confusão e desvio, portanto, heresia. O que está
envolvido no processo de interpretação? Que padrão terminológico o autor
utilizou para dar significado ao texto? Que implicações se
enquadram legitimamente no padrão por ele pretendido? Que significação
atribui o leitor ao texto? Qual é o assunto do texto? Que compreensão e
interpretação o leitor terá? Se as normas da linguagem devem ser
respeitadas, que possibilidade significados é permitida pelas palavras de um
texto? Foi reconhecido o gênero literário. As respectivas regras que o governam
estão sendo obedecidas? O contexto prevê o significado dos objetos literários
encontrados no texto?
SIGNIFICADO
O autor pretendia comunicar suas informações.
Valeu-se, então, de um código de linguagem para transmitir sua mensagem. O
significado não pode ser alterado, pois o autor, levando em consideração suas
possibilidades ed interpretação, submeteu-se conscientemente às normas de
linguagem com as quais o leitor está familiarizado. Da mesma maneira, os textos
produzidos pelos autores das Sagradas Escrituras, movidos pelo Espírito Santo,
têm implicações que abrangem o significado específico que eles,
conscientemente, procuraram transmitir.
Isso é razoável, uma vez que o leitor deverá
compreender a linguagem utilizada.
IMPLICAÇÕES
As implicações ultrapassam os significados
originais. O autor não estaria ciente de novas circunstâncias. Apesar
disso, elas se enquadram legitimamente no padrão de significado pretendido pelo
autor. Em Gálatas 5.2 lemos: Eu, Paulo, vos digo que, se vos deixardes
circuncidar, Cristo de nada vos aproveitará. O significado específico está
bem claro. Se os cristãos da Galácia cedessem às pressões dos judeus e se
submetessem à circuncisão, estariam renunciando a fé, recusando a graça de Deus
em Cristo e procurando, consequentemente, estabelecer uma relação diferente com
Deus, baseada em suas próprias obras.
Para os gentios da Galácia, aceitar a
circuncisão equivalia renegar a Cristo! Hoje essa interpretação é ponto
pacífico no seio da Igreja. Contudo, as implicações desse versículo ainda são
proveitosas. No século 16, Lutero tomou as indulgências e a penitência
proclamadas pela Igreja Católica como uma tentativa de estabelecer uma relação
com Deus dependente das próprias obras. Embora Paulo não estivesse ciente das
circunstâncias ocorridas no século 16, Lutero estava certo das implicações
implícitas no significado da epístola.
No século 19 e 20, formaram-se grupos religiosos
que proclamam a guarda do sábado como obrigatória para a salvação. As
implicações do texto paulino são claras: não podemos misturar graça e fé com as
obras da Lei. É estritamente pela fé que somos salvos - fé sem circuncisão, fé
sem indulgências, fé sem penitências, fé sem guardar o sábado. As implicações
dos ensinos bíblicos ultrapassam as distâncias culturais e temporais e são luz
para os problemas atuais. O mandamento olho por olho, dente por dente
(Êx 21.23-25) implica em exercício da justiça. Enquanto grupos religiosos
cortam a mão de uma pessoa por roubar um objeto, as Escrituras ensinam uma
justiça equivalente (Êx 22.1): o objeto roubado mais uma multa. Não uma
retaliação física.
SIGNIFICAÇÃO
Refere-se ao modo do leitor responder ao
significado de um texto. Um cristão atribuirá significação positiva às
implicações do texto naturalmente. Um descrente, pelo contrário, atribuirá
significação negativa. Mesmo no corpo de discípulos cristãos, as aplicações de
um mesmo texto poderá ser diferente: A Grande Comissão em Mateus 28.19,29 pode
significar tornar-se um missionário em terra distante, ou um mantenedor, ou
mesmo um pioneiro no próprio pais, um pastor local, ou um incentivo como
professor de uma classe de Escola Dominical. Mas todas, apesar de diferentes,
são respostas às implicações legítimas do significado.
O
ASSUNTO DO TEXTO.
Qual é o assunto do texto a ser considerado?
Em Gênesis temos a história da criação; em Juízes, a história
política; Salmos, a poesia hebraica; Provérbios, a sabedoria
prática; Evangelhos, a vida de Jesus.
Devemos discernir qual o objetivo específico
do escritor. Em Marcos 2.1-12 temos o relato da cura de um paralítico. Diversos
detalhes são agregados ao texto, transmitindo-nos informações históricas,
formas de construção de casas etc. Mas o que Marcos queria enfatizar realmente?
Sua ênfase é percebida em vários lugares no próprio texto: 1. A questão levantada pelos
escribas sobre quem tem poder para perdoar pecados (Mc 2.7); a declaração de
Jesus de que o Filho de Deus tem esse poder (Mc 2.8-10); a realização de um
milagre para legitimar sua declaração (Mc 2.11), a maneira como os ouvintes
reagiram diante de sua declaração e do milagre (2.12): Nunca tal vimos.
Marcos demonstrou que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, não existindo na Terra
ninguém semelhante, pois somente ele tem autoridade divina para curar e perdoar
pecados. Outra implicação legítima dessa exposição é que Jesus é o Senhor e
Salvador.
COMPREENÇÃO
E INTERPRETAÇÃO
A compreensão refere-se ao entendimento
correto do significado pretendido pelo autor. Já que há apenas um significado,
todo aquele que o compreender terá a mesma compreensão do padrão de significado
do autor. Algumas compreensões podem ser mais completas do que outras, devido à
maior percepção das várias implicações envolvidas.
Como expressar essa compreensão? Há quase um
número infinito de formas de expressar essa compreensão. Por exemplo: o Senhor
Jesus, ao ensinar sobre a chegada do reino de Deus, valeu-se de várias
parábolas. Alguns intérpretes alegam que não existe sinônimo perfeito. Ainda
assim, um autor, com o propósito de evitar o desgaste de vocábulos já
empregados, pode, conscientemente, desejar usar outros com o mesmo sentido.
Isto porque o uso de sinônimos é previsto pelas normas da linguagem, as quais
também admitem uma extensão de possíveis significados para a mesma palavra.
Há dois princípios para orientar o trabalho
de tradução: palavra por palavra, ou pensamento por pensamento. A
dificuldade do primeiro é que em idiomas e culturas diferentes nem sempre os
vocábulos têm a mesma exatidão. O segundo princípio tem, também, suas
dificuldades. Isso fica evidente quando procuramos determinar como um autor usa
os mesmos termos em lugares diferentes com o mesmo significado. O valor da
equivalência em tal tradução fica muito mais comprometido do que no propósito
de comparar outras passagens nas quais o autor bíblico usa as mesmas palavras
com o mesmo significado.
NORMAS
DE LINGUAGEM
As normas da linguagem, tentam especificar a
extensão de significados permitidos pelas palavras de um texto. O termo fé,
por sua vez, possui ampla extensão de significados no Novo Testamento. Pode ser
mera aceitação mental de um fato; em outros contextos, confiança
plena; ou ainda, um conjunto de crenças. O termo fé, contudo, não
pode significar algo incompatível com o contexto, como: ritual do batismo.
As Testemunhas de Jeová atribuem um significado à palavra Geena que é
totalmente estranha a sua natureza. Afirmam que essa palavra deve significar aniquilamento,
destruição eterna, punição eterna. Onde encontramos esse termo? Leiamos Mt
5.22,29,30; 10.28; 18.9; 23.15,33; 9.43,45,47; Lc 12.5; Tg 3.6. Algum desses
versículos transmite a idéia de aniquilamento? Ou refletem um estado contínuo
distante da presença de Deus? Atribuir à palavra geena um significado
inadequado é um equívoco, segundo as normas de linguagem. Todo o contexto
atribui à palavra geena o significado que conhecemos. Portanto, uma
palavra ou frase possui uma extensão de significados. A tarefa do interprete é
descobrir qual o significado pretendido pelo autor. Ao fazê-lo, estará se
orientando pelas normas de expressão. Felizmente, as normas da linguagem
limitam o número de possibilidades, de modo que apenas uma delas terá o
significado que interessa ao autor. Por isso, o autor bíblico se manteve
cuidadosamente dentro desses limites, a fim de ajudar os seus leitores a
compreendera sua mensagem. O contexto é fundamental para reduzir os
significados possíveis a apenas um significado específico.
RECONHECENDO
O GENERO LITERÁRIO
Quais formas literárias estão sendo usadas
pelo autor? Diferentes gêneros literários estão presentes na Bíblia.
Obviamente, como os escritores da Bíblia tinham por finalidade compartilhar o
significado do que escreviam, submeteram-se às convenções literárias de seu
tempo. Se o leitor não ponderar esse fato, será impossível a compreensão do
significado.
CONTEXTO
O contexto facilita a compreensão do
significado pretendido pelo autor. Devemos entender o contexto literário como
sendo aquilo que o autor procurou dizer com os símbolos utilizados antes e
depois do texto em questão. Portanto, quando nos referimos ao contexto,
aludimos ao padrão de significado compartilhado pelo autor nas palavras,
orações, parágrafos e capítulos presentes no texto. Paulo (Rm 4.1-25) e Tiago
(Tg 2.14-26) usam o termo fé com significados diferentes. Será
problemático admitir que os dois escritos queriam dizer, um conjunto de
crenças. Maior dificuldade haverá se assumirmos que Paulo está falando de uma
mera aceitação do fato. E daí dizer que Tiago refere-se a uma verdadeira
confiança. Todavia, está claro, pelo contexto, que Paulo se refere à
verdadeira confiança (Rm 4.3,5); e Tiago à mera aceitação do fato
(Tg 2.14,19).
O livro Raciocínios a base das Escrituras
(TJ) procura explicar 1 Co 15.29 associando-o a dois textos remotos (Rm 6.3; e
Cl 2.12). Desprezando o contexto (capítulo 15), que se refere à ressurreição e
sua veracidade, não está focalizando a condição espiritual do mundo em relação
a Deus, como ocorre nas outras referências. Encontramos em 1 Co 15 um credo da
Igreja referente à ressurreição que Paulo está citando.
O
ESPÍRITO SANTO E A INTERPRETAÇÃO DA BÍBLIA
A Bíblia, como produto da inspiração divina,
é a Palavra de Deus e revela aquilo em que os cristãos crêem (regras de fé) e
como eles vivem (regra de prática). Os termos infalibilidade e inerrância
são freqüentemente usados para descrever a fidedignidade da Bíblia. Tudo
quanto os autores desejavam transmitir com respeito a assuntos de fé (doutrina)
e prática (ética) é verdadeiro. O termo inerrância significa que tudo
quanto está escrito na Bíblia (informações históricas, geográficas, científicas
etc.) corresponde à verdade e não pode induzir ninguém ao erro.
Um fato determinante, ultrapassando as
fronteiras do tempo, envolve aquilo que o autor, conduzido pelo Espírito,
desejou transmitir em seu texto. Consideremos Isaías 11.12, onde o profeta
narra que Deus recolherá os dispersos de Judá desde os quatro cantos da
Terra. O que ele quis dizer com esta declaração? Teria sido: Quero que
saibam que a Terra consiste em quatro cantos e Deus trará de volta o seu povo
desses quatro lugares? A Terra não tem nenhum canto. Pretendia
Isaías afirmar algo sobre geografia? Seu propósito era falar do futuro ajuntamento
do povo de Deus de todas as partes da terra. Sua declaração portanto pode ser
considerada infalível e inerrante.
REGRAS
PARA INTERPRETAÇÃO
É necessário usar as diferentes regras para a
interpretação dos gêneros literários presentes na Bíblia. Uma parábola, uma
narrativa, uma poesia, devem ser interpretadas conforme as regras. Note alguns
exemplos:
PROVÉRBIOS
São declarações sucintas que empregam
geralmente linguagem metafórica para expressar uma verdade geral. Contudo, os
Provérbios não são leis, nem promessas. São observações gerais
extraídas de um olhar sábio e cuidadoso dos fatos do dia-a-dia.
PROFECIA
Uma das regras da literatura profética
envolve as profecias de julgamento. Por exemplo: Jonas 3.4. O profeta proclama
à cidade de Nínive: Ainda quarenta dias, e Nínive será subvertida.
Quando os ninivitas ouviram esta mensagem, proclamaram um jejum, e
vestiram-se de pano de saco, desde o maior até ao menor (Jn 3.5) e o rei
decretou um período de luto e arrependimento. A falta de julgamento divino fez
dele um falso profeta? A regra para esse tipo de profecia encontra-se em
Jeremias 18.7,8: No momento em que eu falar contra uma nação e contra um
reino, para arrancar, e para derribar, e para destruir, se a tal nação, contra
a qual falar, se converter de sua maldade, também eu me arrependerei do mal que
pensava fazer-lhe. Por outro lado, encontramos sectários anunciando a volta
de Cristo, marcando datas, e as mesmas sempre falhando. Não seria legítimo
entendermos que uma mudança na sentença seria semelhante à mudança de
direito: não vos pertence saber os tempos ou as estações que o Pai
estabeleceu pelo seu próprio poder (Atos 1.8).Os mesmos princípios de
Hermenêutica devem ser observados em outros gêneros.
CENTRO APOLOGÉTICO
CRISTÃO DE PESQUISAS
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