INTRODUÇÃO AO ESTUDO BÍBLICO
de Bryan Jay Bost e Álvaro César Pestana
[Este texto foi extraido do livro "Do Texto À Paráfrase”
publicado pela Editora Vida Cristã
Copyright © 1992 Editora Vida Cristã.
Publicado com a devida autorização e com todos os direitos reservados.]
Um estudo bíblico inaugurou o ministério
terrestre de Jesus, e com um estudo bíblico ele o encerrou. Esta é a ênfase do
evangelho segundo Lucas (Lc 4.14-22; 24.27,32,44). Lucas é o livro bíblico que
chama Jesus de Mestre o maior número de vezes. Jesus pressupunha que o homem só
pode aproximar-se de Deus por meio da sua revelação. O estudo bíblico é o modo
de conhecer a revelação de Deus.
O estudo bíblico foi um meio utilizado
pela igreja primitiva na divulgação do evangelho e no fortalecimento da fé dos
convertidos (At 8.35; 17.2-3,11; 18.27-28). Eles seguiam os passos de Jesus e
acreditavam, como ele, que a pesquisa das Escrituras levaria os homens ao
encontro de Deus.
O próprio evangelho de Lucas é o resultado
do estudo bíblico de evangelhos anteriormente escritos, conforme declara o
autor no prefácio da obra (Lc 1.1-4). A leitura do Novo Testamento certamente
confirma a tese de que o estudo bíblico era uma das principais atividades
desenvolvidas pela igreja nascente e missionária, no primeiro século.
Estas poucas observações bastam para
ressaltar nosso dever de estudar a Bíblia. É um dever e não uma opção, visto
que este era o proceder de nosso Mestre, da igreja antiga e dos próprios
escritores inspirados. O que conhecemos de Jesus está na forma de um livro que
necessita ser estudado para obter dele uma plena compreensão da sua obra e
pessoa.
Metodologia e estudo
bíblico.
Este livro pressupõe que os cristãos irão estudar a Bíblia, e
procura dar uma orientação metodológica a este trabalho.
Todos os que se aproximam da Bíblia,
utilizam-se de um método de estudo da mesma, consciente ou inconscientemente.
Não há problema em ter um método de estudo bíblico, desde que ele seja válido e
nos conduza a resultados verdadeiros.
É necessário verificar se o método que
utilizamos para estudar a Bíblia é bom. Mesmo aqueles grupos que afirmam não
estudar a Bíblia, têm seu modo especial de basear nela os seus pensamentos.
Outros, mais conscientes da necessidade de estudo, utilizam-se de comentários,
livros de estudo dirigido e de outras obras, para obter maior compreensão do
texto bíblico. Ouvir palestras, aulas e pregações é para a maior parte das
pessoas o único método de estudar a Bíblia que conhecem.
Esta obra quer incentivar o estudo
independente da Bíblia. Esta independência não diz respeito a Deus, e sim ao
homem. Grande parte do povo de Deus tem-se tornado erradamente dependente de
outros para compreender a Bíblia. Acreditamos que o conhecimento e divulgação
de um bom método de estudar independentemente a Bíblia é o melhor modo de
promover um retorno sadio aos ensinamentos da Escritura.
A razão de estudar a
Bíblia por si mesmo
Alguém pode perguntar: Porque devo estudar
a Bíblia por mim mesmo? Uma infinidade de pessoas já não fez esse estudo? Qual
a razão de tentar fazer isto de novo?
1. A primeira razão para estudar a Bíblia por si mesmo é simples: não
devemos absorver a "teologia" dos que nos rodeiam. Esta sempre
foi a causa da apostasia e idolatria de Israel. Usaremos, porém, um exemplo
moderno para ilustrar esse ponto: Os primeiros missionários de determinada
denominação batizavam para a remissão de pecados. Hoje em dia, porém, a prática
mais comum desta denominação não é esta. Qual a razão? Simples: como os
primeiros obreiros diziam não ter necessidade de estudar a Bíblia (mas pregavam
"inspirados" pelo Espírito, sem preparo prévio), com o tempo, esta
denominação foi absorvendo a teologia evangélica mais forte no país que
ensinava a não essencialidade do batismo. Moral da história: quem não estuda
para aprender o que é certo, vai aprender de muitos modos o que é errado.
2. Outra razão para fazer um estudo bíblico independente é a má
exegese encontrada na literatura sobre a Bíblia. Se um professor da escola
dominical preparar suas aulas consultando comentários, vai acabar ensinando
mentiras em nome de Deus. Por exemplo: num conceituado comentário, a parábola
do fermento é alegorizada e a lição que o autor procura transmitir é que a
"a falsa doutrina se infiltra em todas as partes do reino". O autor
usa muitas referências e parece ter avaliado a opinião contrária. Como saber se
ele está certo? Precisamos fazer um estudo próprio, caso contrário seremos
induzidos a pensar como o comentarista quer que pensemos. Muitos exemplos deste
tipo poderiam ser usados, mas o ponto é que não podemos ensinar opinião humana.
Temos a obrigação de verificar tudo, e o melhor meio de fazê-lo é estudar sem
influência alheia.
3. Um motivo importante para o estudo bíblico é o fato de não
possuirmos um "intérprete oficial" da Bíblia como a Igreja
Romana, ou como os Russelitas. Cada cristão e cada geração cristã tem o dever
de estudar e determinar o que a Bíblia está dizendo. Se não fizermos isto,
estamos endossando alguma forma de "credo oral", que substitui as
Escrituras como critério da verdade.
4. Um estudo honesto e independente das Escrituras ajuda a tirar os
textos bíblicos do seu "sentido comum". Chamamos de sentido comum
aquele sentido que sempre demos ao texto até o dia em que aprendemos o que
realmente o texto queria dizer. Quando um católico lê a palavra
"batismo", o sentido comum associado a esta palavra evoca a imagem de
um sacerdote jogando água na testa de um nenê. Um estudo sério e independente
mostra que este sentido comum está errado. O estudo bíblico independente faz
com que tiremos os "óculos" que sempre nos faziam ver as coisas com
uma determinada cor: a cor das idéias preconcebidas ou pré-conhecidas.
5. Estudar a Bíblia faz com que deixemos de usar os textos como
"textos-prova" de doutrinas, e busquemos a mensagem íntegra que o
Espírito Santo quis transmitir através do escritor do texto sagrado.
6. Um estudo bíblico renovado impede aquela tendência de ser
eclético e dar ao texto bíblico vários sentidos. Um estudo sério leva em
conta o fato do escritor original ter tido em mente algo que precisamos saber.
Não adianta somar tudo o que se diz sobre um texto; precisamos determinar o que
o texto diz.
7. Por último, cremos que a razão mais importante para um estudo
bíblico sério é a vontade de Deus. Deus quer que nos apropriemos da sua
vontade. A Bíblia é o registro dela. Logo, é essencial que estudemos a palavra
de Deus e procuremos compreendê-la. Não existe conselho mais repetido nas
Escrituras, direta e indiretamente. Deus é eternamente sábio. Se ele, nesta
sabedoria, deixou sua vontade revelada em um livro, então temos
a certeza de que é possível
compreender a vontade dele pelo estudo deste livro. Se não o fizermos ou
desistirmos da tarefa, estaremos blasfemando contra a sabedoria de Deus.
O método histórico-crítico.
Iremos neste curso estudar o texto sagrado
usando o método histórico-crítico!
O que chamamos de método histórico-crítico
é o método de estudo e pesquisa bíblica que procura levar em conta o contexto
histórico que envolve o texto, fazendo uma avaliação acurada (crítica) de todas
as relações desta informação com o sentido do texto. Uma ênfase quanto ao
sentido gramatical e histórico do relato bíblico é o alvo deste método.
Realiza-se a tarefa de um historiador, que avalia um documento antigo com o
alvo de compreendê-lo. Isto revela pouco sobre como vamos trabalhar, já que
esta metodologia é largamente empregada por "teólogos" que não crêem
na inspiração plena das Escrituras. Apesar do mau uso do método por alguns,
queremos empregar o método histórico-crítico na exegese por acreditarmos que
ele fornece o significado original do texto. Usaremos este método orientados
pela fé que já temos na absoluta inspiração e autoridade das Escrituras. Também
acreditamos ser a humildade a maior virtude de um exegeta.
É um método histórico porque leva
em conta a época e a situação original em que o texto foi escrito. A Bíblia é a
palavra de Deus dada através das palavras de pessoas históricas (Hb 1.1-2).
Assim, o trabalho de entender a Bíblia é o trabalho de um historiador. A
história é uma ferramenta de trabalho. O próprio texto bíblico no geral
contém elemento histórico suficiente para dar uma idéia da situação original,
dispensando-nos do uso de muito material estranho. E necessário ser
prudente ao utilizar "ajudas" externas.
Dois elementos precisam ser levados em
conta quanto tratamos da Palavra de Deus: sua particularidade histórica
contrabalançada por sua validade eterna. A particularidade histórica diz respeito
ao que estava acontecendo na situação original. Por exemplo, Paulo escreveu o
livro de Gálatas para combater doutrinas judaizantes que se infiltravam na
igreja. A relevância eterna leva em conta que mesmo em uma situação diferente,
a mensagem de Gálatas tem importância para cada geração de cristãos.
Em último lugar, usaremos o método
histórico na tentativa de entender cada texto da Bíblia na situação, pensamento
e época da própria Bíblia.
Nosso método também é um método crítico
porque requer o uso de nossas faculdades mentais em raciocínios, julgamentos,
estudos e esforços. A eterna inteligência e bom senso de Deus estão refletidos
no seu livro. É necessário que usemos a inteligência que ele nos deu para
compreendê-lo. A palavra crítico tem geralmente uma coloração negativa. Não
queremos usá-la desta forma. O método é crítico em avaliar os resultados
obtidos e em pesá-los. Nunca deve tornar-se crítico contra a Bíblia.
O uso da razão deve ser subordinado à fé
na revelação. Não podemos chegar a Deus com a razão; Deus é quem chega a nós
com a revelação de sua razão, Jesus Cristo, o logos eterno (logos:
palavra grega que pode significar razão).
Exegese e hermenêutica.
Nossa tarefa é dupla: Primeiro, descobrir
o que o texto significava originalmente, esta tarefa é chamada exegese; em
segundo lugar, devemos aprender a discernir esse mesmo significado na variedade
de contextos novos ou diferentes dos nossos próprios dias, esta é a tarefa da hermenêutica.
Em definições clássicas a hermenêutica abrange ambas as tarefas, mas em
tratados recentes a tendência tem sido separar as duas.
Para nós, exegese é ler e explicar os
textos em empatia (e simpatia) com os escritores bíblicos. O exegeta é
primeiramente um historiador que analisa os documentos. Todavia, ele tem de ir
além da análise impessoal: é necessário assumir a fé que o escritor possuía
para entender seus escritos. A exegese é um trabalho literário-espiritual.
A hermenêutica é necessária para a
exegese. Exegese é uma palavra que vem da língua grega, sendo composta da
preposição EK (de) e da forma substantiva do verbo HEGEOMAI (ir, guiar,
conduzir) e significa "conduzir para fora" o sentido original de um
texto. Na exegese procuramos entrar no texto (EIS), e ficar nele (EN), para
então sairmos dele (EK) tirando lições para nós. Hermenêutica é a síntese dos
resultados da exegese, tornando-a relevante para o leitor, ou auditório.
Pressuposições.
Pressuposições são idéias, hipóteses ou
fatos que aceitamos ou carregamos conosco antes de iniciar nossa análise de um
texto. O bom exegeta procura libertar-se ao máximo deles para que a sua
compreensão do texto não seja distorcida pela sua pré-compreensão. Um exemplo
prático ajuda a ver a importância das pressuposições. Se um exegeta pressupõe
que "milagres não podem acontecer", todo seu estudo dos evangelhos e
de Atos vai
revelar ceticismo quanto aos fatos narrados e vai procurar
explicá-los por meio de causas naturais, ignorância do povo, erro do escritor,
etc. As pressuposições vão guiar nossa capacidade de entender e explicar o
texto.
Por outro lado, as pressuposições existem
e sempre existirão. O que importa é a sua validade. O critério da validade de
uma pressuposição é a sua base cristológica, que Jesus Cristo é o filho
de Deus. Devemos ler a história do Novo Testamento com a pressuposição
cristológica revelada pelos escritores. Esta é uma pressuposição básica para
entender o Novo Testamento, e até mesmo o Velho, tomadas as devidas precauções.
A pressuposição cristológica é válida para sempre.
Quando as nossas pressuposições são iguais
às pressuposições dos escritores do Texto Sagrado, temos as melhores condições
possíveis para entender o que eles estão falando e escrevendo. Não há um
raciocínio em círculo aqui. A fé em Cristo, mantida pelos escritores do Novo
Testamento, precedeu a obra escrita que produziram sob a influência do Espírito
Santo. Logo, para que possamos acompanhar o pensamento desses homens,
precisamos participar da fé que tiveram.
Ver o texto como o autor o viu é o nosso
alvo. Buscando as pressuposições do autor, não entraremos em choque com ele.
Encontrar as pressuposições do escritor pode ser a chave para não introduzir
nossas idéias no texto. Cristo é o princípio de unidade e da verdade na
interpretação da Bíblia.
Copyright © Editora Vida Cristã. Todos
os direitos reservados. Reproduzido com a devida autorização.
O livro do
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selecionando a capa do livro ao lado:
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