Jesus Cristo é um plágio de Apolônio de Tiana?

Nenhum comentário

Jesus Cristo é um plágio de Apolônio de Tiana?


Nos tempos antigos, havia uma vez um Mestre, que era um grande idealista e representava a mais alta consciência e inteligência que sua sociedade tinha para oferecer. Ele se considerava escolhido por Deus para desempenhar sua tarefa e operava um ministério com o objetivo de revolucionar a conduta dos homens. Seus métodos eram simples e diretos: Ele foi direto ao público, oferecendo sua instrução sem custo algum; ao mesmo tempo, evitou instituições oficiais.
Naquele tempo, esse Mestre reuniu seguidores que absorveram sua mensagem, e fizeram com que ele fosse, eventualmente, reconhecido como o fundador de um movimento. No entanto, irritou as autoridades de seus dias, foi julgado e condenado à morte.
Após sua execução, os seguidores do Mestre ficaram consternados por um tempo. Contudo, a inspiração que o seu Mestre lhes tinha dado vivia em seus corações. Desejando restaurar sua reputação, que foi ferida por seu julgamento e execução, eles publicaram, até 20 a 30 anos mais tarde – quanto tempo exatamente não podemos ter certeza -, os ditos e ações do Mestre e uma lista de suas características pessoais, pois ele próprio não havia escrito nada.
Em nossos tempos modernos, a visão do Mestre foi, às vezes, cética. Muitos reconheceram sua sabedoria e aceitaram como absolutamente verdadeiro o que seus seguidores relataram. Mas outros ainda sustentavam que eles eram tão dedicados a ele que seus verdadeiros ditos e personalidade não poderiam ser recuperados de seus textos. Dizia-se que sua vida era tão dramatizada, idealizada e pragmática que não havia maneira de alcançar o Mestre original. Alguns chegaram até mesmo a dizer que o Mestre nunca existiu e foi uma construção de seus seguidores!
Felizmente, no entanto, prevaleceram formas mais moderadas de crítica, e reconhece-se que, embora cada um dos biógrafos do Mestre estivesse pintando um retrato dele, eles relatavam a vida e as palavras de seu Mestre com uma boa dose de plenitude e precisão. Certamente, eles não relataram as palavras exatas de seu Mestre – como, é claro, nunca seriam possíveis sob as circunstâncias – mas eles relataram com precisão a Voz do Mestre em seus escritos.

Até agora, é claro, você percebe que minha descrição acima diz respeito a Jesus – e, ainda assim, não é sobre Ele que eu estou falando! De fato, estas são as próprias descrições aplicadas a ninguém menos que Sócrates [Vota.GCB, 30-34]. Seus seguidores foram Platão e Xenofonte, e cada um escreveu uma biografia de seu mestre.
apolonio-de-tiana
Apolônio de Tiana.
O ponto deste exercício, no que diz respeito a objeções céticas comuns, é mostrar que alegados paralelos entre a biografia de Apolônio (escrita por Filóstrato) e os evangelhos do Novo Testamento sobre incidentes de demônios sendo expulsos por Apolônio, Apolônio levantando os mortos, Apolônio em julgamento, Apolônio realizando milagres gerais; Apolônio jorrando sabedoria – não pode servir como um meio de aprender alguma coisa sobre os Evangelhos. Verdadeiramente, alguns tentaram colocar Jesus e Apolônio em pé de igualdade: Chegou até o ponto em que F. C. Baur postulou que Apolônio nunca existiu, indo na mesma linha daqueles que afirmam que Cristo é um mito [Mead.ApT, 48].
No entanto, existem várias razões pelas quais os Evangelhos e a obra de Filóstrato não podem ser considerados em conjunto:
Apolônio não é representativo do gênero biografia. Alguns encontram pontos de contato no que os Evangelhos e a história de Apolônio estão no mesmo gênero, a biografia antiga. Mas esse gênero também contém Agrícola, de Tácito, uma literatura muito séria e outras biografias “sérias”.
Além disso, a biografia de Apolônio viola uma série de convenções da biografia antiga: É mais de 4 vezes mais longa do que qualquer outra biografia conhecida da história antiga, tendo cerca de 82.000 palavras (Burr.WAG, 169). Contém informações geográficas, históricas e etnográficas do tipo encontrado em “novelas sofisticadas” da época (ibid., 172). E, finalmente, tem os traços de novela e romance. Questiona-se se este trabalho realmente pertence ao gênero biografia.
Apolônio não é a semelhança mais próxima à vida de Jesus. Ao ressaltar essas muitas semelhanças com os eventos registrados nos Evangelhos, os críticos sugerem que a representação dos milagres realizados por Apolônio, sua inclinação pela sabedoria e o fato de que ele foi julgado, torna a sua vida a melhor comparação com os Evangelhos.
Como vimos, entretanto, há uma comparação biográfica muito melhor disponível: Sócrates. (Na verdade, a realização dos milagres é a única coisa que Apolônio e Jesus têm em comum que Jesus e Sócrates não têm! E Apolônio não foi executado!). Além disso, em uma comparação entre os Evangelhos e a Vida, Votaw [Vota.GCB, 21-2] observa 8 semelhanças, mas 10 diferenças.
Talbert coloca a Vida na categoria “B” da biografia antiga: um esforço para dissipar uma imagem falsa. Qual é essa imagem falsa que Filostrato está tentando dissipar? Simplesmente, Apolônio tinha sido acusado de ser um mágico maligno, tanto por um contemporâneo chamado Eufrates [Ph.LAT, x] quanto por um autor chamado Moeragenes [Talb.WIG, 94-8]. Filostrato, portanto, tinha o objetivo de mostrar que os poderes de Apolônio eram “subprodutos de sua virtude filosófica ou santidade” (Ibid., 125). Ele ignorou os livros de Moeragenes da vida de Apolônio, dizendo que “ele não prestou atenção a eles, porque eles mostraram uma ignorância de muitas coisas que diziam respeito ao sábio” [Ph.LAT, ix].
Filostrato também se concentrou no ensinamento de Apolônio e parece que houve alguma indicação de que Apolônio era um milagreiro – embora, se ele era eficaz, é outra questão!
E agora, o mais importante ponto:
As histórias de Apolônio foram escritas cerca de 150 anos após a crucificação de Jesus! Seja por negligência, descuido ou decepção absoluta, ao omitir esse fato, os críticos permitem ao leitor supor que os Evangelhos foram, de alguma forma, copiados ou influenciados pelas histórias de Apolônio.
Mas a evidência apontaria para o oposto: Filóstrato copiou o que estava nos evangelhos. Embora não seja necessário pensar que ele o fez. (Como Mead o coloca [Mead.ApT, 35]: “… como um plagiador da história do Evangelho, Filóstrato é um fracasso conspícuo.”) A pequena semelhança de gênero entre os Evangelhos e a história de Apolônio é fascinante, mas as DIFERENÇAS incríveis entre o material são muito mais importantes – e, como observamos, isso leva alguns estudiosos a tirar a história de Apolônio inteiramente fora do gênero biografia! O leitor deve estar ciente de que:
  1. A vida de Apolônio de Tiana foi escrita não antes do ano 217. Isso é mais de 100 anos depois que Apolônio viveu – um tempo muito maior que o tempo entre a vida de Jesus e a escrita dos Evangelhos.
O autor, Filóstrato, nasceu em torno de 172 d.C. Isso significa que enquanto ainda havia pessoas vivas quando os Evangelhos foram escritos, que poderiam confirmar ou negar sua historicidade, no caso de Apolônio, todos que o conheciam estavam há muito tempo mortos e enterrados. Isto faz uma diferença substancial ao comparar os textos.
  1. A Vida está repleta de material que a distingue dos Evangelhos. Cartlidge e Dungan descrevem o conteúdo assim: “… um catálogo virtual de cada dispositivo retórico conhecido pelos escritores sofisticados profissionais da época: presságios sobrenaturais repentinos, mini diálogos sobre os tópicos favoritos do dia, pedaços coloridos de conhecimento arqueológico, magia, cenas de ação rápida, incríveis descrições de terras lendárias, longínquas, toques ocasionais de erotismo perverso e toda uma série de cenas ‘filosóficas’ favoritas… “[Cart.DSG, 205].
  2. A Vida está enraizada em uma fonte problemática. A fonte de Filóstrato, o diário de Damis, é “cheia de anacronismos históricos e erros geográficos grosseiros” [Meie.MarJ, 576-8]. Em outros lugares, Filóstrato faz uso de imaginárias cartas oficiais, inscrições, decretos e editos. [Cart.DSG, 205]
Enquanto que os evangelhos não contém erros geográficos e históricos, nem podem ser descritos como “grosseiros” e nunca foram considerados culpados de falsificação de documentos oficiais.
Além disso, Filóstrato foi PAGO para escrever sua obra – por Julia Domna, a mãe do imperador Caracalla, que tinha doado fundos para construir um templo dedicado a Apolônio (Ibid.). Isso em si não é necessariamente problemático, exceto que os mesmos críticos que usam Apolônio para fazer comparações muitas vezes rejeitam os Evangelhos como documentos “tendenciosos” ou como “confessionais”.
  1. Apolônio não desfruta o nível de atestação secular que Jesus tem. A referência histórica mais antiga a Apolônio vem da História Romana de Cassius Dio, 68:17 – e lhe é dado menos espaço do que Josefo deu a Jesus [Wilk.JUF, 37].
Uma carreira de eventos incomuns
Se alguém diz que a Vida de Apolônio soa como um dos Evangelhos do Novo Testamento, talvez precise ler os dois novamente. Considere estas seleções da Vida de Apolônio:
  1. Relatando o nascimento de Apolônio, Filóstrato diz que a mãe de Apolônio tinha adormecido em um prado, onde os cisnes que viviam no prado dançaram em torno dela, então gritaram em voz alta, fazendo-a dar à luz de forma prematura [Ph.LAT, 13].
  2. Apolônio condena especificamente a prática de tomar banhos quentes (Ibid., 47).
  3. Apolônio professa ser capaz de falar todas as línguas humanas – sem nunca ter aprendido (Ibid., 53).
  4. Ele também aprende a falar a língua dos pássaros (Ibid., 57).
  5. Ele professa ter visto as correntes de Prometheus enquanto viajava nas montanhas do Cáucaso [Mead.ApT, 60].
  6. Ele e seu partido encontram um hobgoblin, que eles perseguem de longe chamando-o por esse nome [Ph.LAT., 125].
  7. Apolônio afirma que os elefantes cativos choram e lamentam à noite quando os homens não estão observando. Mas quando os homens se aproximam, param de chorar porque têm vergonha (Ibid., 145 – isto vem como parte de uma seção muito longa dedicada aos elefantes, que foi tirada da História da Líbia de Juba – Mead.ApT, 60n).
  8. Um breve parágrafo de Filóstrato descreve diferentes tipos de dragões (Ibid., 245-7).
  9. Apolônio confronta um sátiro e o coloca para dormir oferecendo-lhe vinho (Ibid., V. 2, 107-9).
  10. Durante seu julgamento, Apolônio faz com que a escrita desapareça das tábuas de um de seus acusadores [Mead.ApT, 188].
Algumas destas coisas soa como o que encontramos nos Evangelhos? Claro que não. Os Evangelhos não contém eventos escandaloso e dramático como os que se encontra na história de Apolônio. Assim, eles não devem ser comparados.
Em suma, comparar os Evangelhos com a Vida de Apolônio é comparar maçãs com tangerinas. Há um vasto abismo de diferença entre os dois. É inexato e/ou enganoso dizer que os Evangelhos são de qualquer maneira comparáveis à história de Apolônio, ou que podemos aprender qualquer coisa sobre a historicidade dos Evangelhos estudando a obra de Filóstrato.

Fontes:
  • Burr.WAG Burridge, Richard. What are the Gospels? Cambridge: Cambridge U. Press, 1992.
  • Cart.DSG Cartlidge, David and David L. Dungan. Documents for the Study of the Gospels. Philadelpia: Fortress, 1980.
  • Helm.GosFic Helms, Randall. Gospel Fictions. Buffalo: Prometheus Books, 1988.
  • Meie.MarJ Meier, John P. A Marginal Jew: Rethinking the Historical Jesus. New York: Doubleday, 1991.
  • Mead.ApT Mead, G. R. S. Apollonius of Tyana. Chicago: Ares Publishers, 1980. (Originally published 1819.)
  • Ph.LAT Philostratrus. The Life of Apollonious of Tyana. Cambridge:Harvard U. Press, 1912.
  • Talb.WIG Talbert, Charles H. What Is A Gospel? Philadelphia: Fortress, 1977.
  • Vota.GCB Votaw, Clyde W. The Gospels and Contemporary Biographies in the Greco-Roman World. Philadelphia: Fortress, 1970.

Traduzido e adaptado do artigo do historiador J. P. Holding: http://www.tektonics.org/copycat/apollonius.php

Nenhum comentário

Postar um comentário