Aquenáton fundou o monoteísmo?

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Aquenáton fundou o monoteísmo?


akhenaton
Na busca sem fim por uma explicação natural para as origens da religião judaico-cristã, os céticos têm ido longe em busca de qualquer pessoa ou ideia que eles possam apontar e alegar que os judeus ou cristãos tomaram “emprestado”. Vamos ver uma das reivindicações mais comuns, que remonta a Sigmund Freud [Red.HK, 4]: o monoteísmo, a crença em um só deus, não tem originem hebraica, mas foi tomada emprestada do faraó Aquenáton (ou Akhenaton).
David Rohl, egiptólogo inglês, defende a tese de que a cronologia egípcia precisa ser revista e que Aquenáton foi, na verdade, um contemporâneo de Saul e Davi.  Se isso é verdade, então o argumento dos céticos é inválido.
No entanto, por razões de argumentação, vamos supor aqui que a cronologia egípcia atualmente aceita está correta e explorar se o monoteísmo de Aquenáton pode ter sido ou não a fonte do monoteísmo judaico.
Devemos começar nosso estudo listando completamente as semelhanças entre o Atenismo (culto a Aten, como chamaremos a religião de Aquenáton) e o monoteísmo judaico:
  1. Ambos acreditam em um Deus, que é o Criador e sustentador do universo.
E o que mais? Nada mais. Só isso.
Agora, se isso é tudo que há de semelhança, nos perguntamos o que os críticos que alegam que o Judaísmo copiou o monoteísmo do Atenísmo estão pensando, uma vez que seria de se esperar que as pessoas chegassem à conclusão de que há um só Deus (e não vários ou nenhum) que criou e sustenta o universo, mesmo que de forma independente. Isso significa, naturalmente, que os críticos não precisam alegar empréstimos de Aquenáton.
Agora vamos ver as diferenças entre Atenismo e Judaísmo. Começaremos vendo o solo sobre o qual o Atenismo cresceu:
Qualquer um do panteão egípcio deveria ser escolhido como supremo; o deus sol Re, ou alguma variação dele (como Aten), foi o melhor candidato. Já no Egito, na época de Aquenáton, havia uma longa história de Re como o primeiro rei a governar o Egito; depois, cansado dos negócios dos homens, este Re “se retirou aos céus, deixando seu filho, o faraó, para governar a terra em seu lugar” [Ald.A, 237].
Não surpreendentemente, não levou muito tempo para que Aquenáton mostrasse um “aumento progressivo” no que diz respeito ao deus-sol, e uma visão de Re como um deus universal (nada surpreende, porque o sol brilha sobre todos!) [Ald.A, 239]. A 18ª dinastia (no período anterior a Aquenáton) viu um aumento de cultos “heliopolitanos” e uma “solarização” dos principais deuses do Egito. Assim, Grimal [Grim.HAE, 238] afirma que a mudança operada por Aquenáton “não era em si revolucionária e estava longe de ser a religião reveladora que alguns estudiosos afirmam ser”.
Além disso, vemos no reinado de Aquenáton uma certa variação e expressa necessidade de ser diferente, e, portanto, uma razão ou desejo de estabelecer uma nova tradição religiosa.
Aquenáton não era conformista em outros assuntos, tanto que Breasted se referiu a ele como “o primeiro indivíduo da história” [Red.HK, 4, 6, 78-9, 137ff].
Este “rei herético” construiu uma nova capital no Médio Egito, e deixou os antigos centros administrativos para os chacais; jogou fora camaradas do velho sistema político; celebrou um jubileu em seu reinado muito mais cedo do que o normal, e fez um muito maior do que era típico; tributos e presentes foram distribuídos à direita e à esquerda (como Redford diz suavemente, “todos os dias parecia um feriado”); deu uma proeminência incomum a sua rainha, Nefritity; dentro de sete anos de seu reinado, “o sistema integrado de política, economia e culto que o Egito conhecera havia dezessete séculos, tinha sido drasticamente modificado, se não virado de cabeça para baixo”. Aquenáton não manteve o status, e não é nenhuma surpresa vê-lo quebrar com a tradição radicalmente.
Se tudo isso soa bem, pode ser necessário ter em mente que tudo isso pode não ter sido o sinal do que nós consideramos como uma mente estável e sadia. A desvantagem é que Aquenáton parece ter sido um administrador pobre, e talvez apenas um louco: Sob seu governo, as províncias cananeias ficaram fora de controle. Sua admiração pelo deus-sol era tão grande que ele realizou cerimônias no calor ardente egípcio. Talvez o aspecto mais revelador do reinado de Aquenáton seja que as esculturas reais o retratam regularmente como “descansando, completamente mole, em uma cadeira ou em um banquinho” [Red.HK, 234].
Para entender um pouco o problema, imagine se a mídia tivesse apenas fotos do presidente dos Estados Unidos deitado na Casa Branca, encolhido no Salão Oval, de pijama. Atenismo pode ter sido menos uma nova religião e mais uma maneira de um rei incompetente ganhar o controle sobre uma situação de deterioração rápida e perigosa. Como diz Rohl, Aquenáton parece ser “um oportunista político que introduziu uma nova divindade suprema para destruir o poder de Amon-Re e seu sacerdócio” [Dav.ERB, 165].
Com esta história estabelecida, agora começaremos a explorar as diferenças entre Atenismo e o monoteísmo judaico – e é aqui que a coisa fica feia para os proponentes de um “plágio”.
  1. Evangelismo e exclusivismo. Atenísmo era, em sua origem, uma religião egípcia típica que “nunca incomodou ninguém”. Redford [Red.MA, 12] nos diz:
“Nunca teria ocorrido a um egípcio antigo postular o sobrenatural como uma mônada – uma emanação unitária, intelectualmente superior. Muito menos lhe teria ocorrido supor que sua salvação eterna dependesse do reconhecimento de tal mônada. Um homem pode escolher adorar este deus ou aquele. Outro poderia até mesmo sustentar, por qualquer razão, que outros deuses não existiam. Mas isso não era importante para um egípcio antigo. Ele não poderia ter se importado menos.”
O monoteísmo de Aquenáton, de acordo com este ponto de vista, não era evangélico nem exclusivo. Aten se tornou “o” deus da realeza, mas ele nunca se tornou o deus superior egípcio, e, de fato, “o grau de intensidade com que o novo programa foi perseguido” decaiu; “ele se afastou mais da presença real” [Red.HK, 175]. Aquenáton não demonstrou nenhum interesse em promulgar sua fé – até que se tornou a sua vantagem política fazê-lo (como quando os sacerdotes lhe causaram problemas – então o evangelismo tornou-se bastante conveniente).
  1. Henoteísmo para monoteísmo. Há a possibilidade de que o Atenismo aparentemente não começou como monoteísmo, mas como henoteísmo (preferência e superioridade de um deus sobre os outros). As primeiras inscrições de Aquenáton continuam a se referir a “deuses”, no plural. Isto pode ser porque o próprio Aquenáton não clarificou suas crenças, ou pode ser que os escultores precisassem de algum tempo para se acostumar com a ideia de usar o singular [Red.MA, 22].
Uma chave aqui é uma inscrição que diz que todos os deuses, exceto Aten, “falharam e ‘cessaram’ de ser eficazes” [Red.MA, 23]. Isso significa que os outros deuses existiram uma vez, mas foram subjugados por Aten? Ou isso significa que eles nunca realmente existiram? O verbo-chave é ambíguo. Mas é possível que o pensamento de Aquenáton tenha sofrido uma espécie de “mini-evolução” própria – e note que não levou milhares de anos para acontecer!
  1. Leis e cerimônias. Todos nós sabemos quantas regras Deus deu no Pentateuco. Será que Aten faz o mesmo? Não. O Atenismo é “desprovido de conteúdo ético” [Red.MA, 113]. Como Redford coloca, enquanto Aten é o criador (embora sem nenhuma “história de criação” associada), ele “parece não mostrar compaixão por suas criaturas. Ele lhes dá vida e sustento, mas de uma forma bastante superficial. Nenhum texto nos diz que ele ouve o clamor do pobre, socorre os doentes, ou perdoa o pecador “.
Da mesma forma, enquanto sabemos tudo sobre o aparato de culto detalhado no Antigo Testamento, o Atenismo não ofereceu nenhum ato cultual (exceto um sacrificado diário básico), não há imagens de culto, nenhuma mitologia, nenhum conceito de manifestações divinas no mundo [Red.HK, 169-70, 178]. O Atenismo tem mais em comum com o Deísmo do Ocidente do século XVIII do que com o monoteísmo judaico.
  1. Faraó como mediador. O Atenísmo tinha esse elo comum com a religião egípcia “normal”: Aquenáton era considerado o único mediador de Aten na Terra. A ideia de um mediador não é, em si mesma, incomum: Moisés é retratado como alguém que serve a esse papel, e outras religiões concebem seu clero como fornecendo algum nível de serviço intermediário. Mas com Atenismo, esta relação foi tão longe a ponto de fazer com que o disco solar de Aten fosse “simplesmente a hipóstase da realeza divina, um pálido reflexo [de Aquenáton] na terra, projetado para o céu”.
Aquenáton se considerava “sempre a criança física do disco solar” e único sumo sacerdote do Atenismo. Em serviço posterior de seu próprio culto, os templos de outros deuses foram fechados, e seus sacerdócios foram abandonados, incluindo o sacerdócio funerário. Como resultado, as pessoas literalmente (do ponto de vista religioso) tiveram que depender de Aquenáton para o seu destino na vida após a morte. O foco no faraó era tão grande que Allen [All.NP, 100] declara: “O deus da religião de Aquenáton é o próprio Aquenáton.”

Conclusão

O Atenismo era henoteísta, muito diferente do monoteísmo judaico-cristão. Na religião de Aquenáton, era cultuada uma divindade suprema (Aten), mas sem negar a existência dos outros deuses do panteão egípcio.
Redford, que é considerado a “principal autoridade em Aquenáton” [Red.MA, 6], resume a visão de que o monoteísmo judaico imitou o Atenismo [ibid., 26, 113] da seguinte maneira:
“[…] Essas criaturas imaginárias estão agora desaparecendo uma a uma à medida que a realidade histórica emerge gradualmente. Há pouca ou nenhuma evidência para apoiar a noção de que Aquenáton foi um progenitor do monoteísmo pleno que encontramos na Bíblia … (ele) teve seu próprio desenvolvimento separadamente.
… O monoteísmo de Aquenáton é tão distinto do Judaísmo que me pergunto por que os dois são comparados.”
Finalmente, Allen, citando Assmann, observa que o Atenismo “não é a origem das religiões monoteístas do mundo, mas de uma filosofia natural” [All.NP. 97].

Referências:
Ald.A – Aldred, Cyril. Akhenaten: King Of Egypt. London: Thomas and Hudson, 1988.
All.NP – Allen, James P. “The Natural Philosophy of Akhenaten.” in Religion and Philosophy in Ancient Egypt, Yale U. Press, 1985, pp. 89-101.
Dav.ERB – David, A. Rosalie. The Ancient Egyptians: Religious Beliefs and Practices. London: Routledge and Kegan Paul, 1982.
Grim.HAE – Grimal, Nicholas. A History of Ancient Egypt. Barnes and Noble, 1997.
McC.RR – McCarter, P. Kyle. “The Religious Reforms of Hezekiah and Josiah.” in Aspects of Monotheism: How God is One. Washington: Biblical Archaeology Society, 1997.
Red.HK – Redford, Donald B. Akhenaten: The Heretic King. Princeton U. Press, 1984.
Red.MA – Redford, Donald B. “The Monotheism of Akhenaten.” in Aspects of Monotheism.

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