PAULO E A LIBERDADE
CRISTÃ
Texto básico: Rm
14.1-15.13
Texto devocional: 1
Co 10.23-33
Versículo-chave: 1 Co
10.23
Todas as coisas são
lícitas, mas nem todas convêm; todas são lícitas, mas nem todas edificam
Alvo da lição:
Ao estudar esta
lição, você se conscientizará da existência dos fortes e dos fracos na fé e
será desafiado a viver em harmonia com todos os irmãos.
Leia a Bíblia
diariamente:
Seg – Jo 8.36
Ter – 1Co 6.12-20
Qua – 1Co 8.1-13
Qui – 1Co 9.1-27
Sex – 2Co 5.14-15
Sáb – Gl 5.1
Dom – Gl 5.13-15
O apóstolo Paulo
desfrutou com autoridade a liberdade cristã. Sua maturidade espiritual revela
completa emancipação de inibições e tabus religiosos sem ferir nenhum princípio
bíblico. Não sendo conivente com qualquer padrão antibíblico, Paulo se adaptava
aos mais diversos ambientes com a finalidade de apresentar Cristo (1Co 9.22),
porém, sabia que muitos cristãos não eram completamente emancipados como ele.
Por isso, na carta aos Romanos, exigiu que os “fracos” fossem tratados com
cuidado, paciência e sabedoria pelos mais “fortes”.
I. Os fracos e os
fortes
Romanos 14.1-15.13
tem seu foco voltado para dois grupos da comunidade cristã em Roma,
identificados por Paulo como “os fracos” e “os fortes”.
1. Os fracos
A palavra grega para
“fraco” é astheneo que indica “fraqueza, indigência, impotência, falta de força
por variados motivos”. No NT, a palavra foi usada cerca de quarenta vezes para
designar doentes físicos. Dessa forma, não é exagero dizer que Paulo apontava
para um tipo de “fé enferma”. Em paralelo com a ideia da liberdade cristã, John
Stott afirma: “o que falta ao fraco não é força de vontade, mas liberdade de
consciência” (A Mensagem de Romanos, p.429).
Quem eram os fracos?
John Stott propõe quatro possibilidades.
a. Ex-idólatras. Eram
recém-convertidos do paganismo; grupo semelhante ao mencionado por Paulo em
1Coríntios 8; indivíduos que mesmo resgatados da idolatria, por escrúpulo
(hesitação da consciência), sentiam-se impedidos de comer carne que, antes de ser
vendida em açougue local, era dedicada a ídolos.
b. Ascetas. Pessoas
que exercitavam a disciplina do autocontrole do corpo considerando que isso
era algo imprescindível para chegar a Deus. Havia ascetas presentes na igreja
em Roma, o que explica por que se abstinham do vinho e da carne (Rm 14.21).
c. Legalistas.
Consideravam as abstenções como boas obras necessárias para a salvação. Não
entendiam a suficiência da fé em Cristo para a justificação do homem.
d. Cristãos judeus. A
possibilidade mais satisfatória entre os estudiosos. Eram os que permaneciam
com a consciência voltada para as regras do judaísmo, especialmente referente
a dietas (comer apenas alimentos considerados limpos – Rm 14.14,20) e dias
religiosos (guarda dos sábados e festivais judaicos).
2. Os fortes
A palavra grega para
“forte” é dynatos, e significa “alma forte, capaz de suportar calamidades com
coragem e paciência, firmes nas virtudes cristãs”. Indica um cristão maduro na
fé e no trato com o próximo. Qualifica a pessoa de natureza contrária à dos
fracos.
Romanos para hoje
O cenário da igreja
de nossos dias revela certa similaridade com a igreja em Roma. Existem fracos e
fortes na fé. Precisamos orar constantemente pedindo que Deus dê sabedoria aos
líderes locais a fim de que saibam lidar com essas pessoas.
II. Sete princípios de
liberdade cristã (Rm 14.1-23)
1. Nem todos possuem
a mesma fé (Rm 14.1-2)
A Bíblia registra
pelo menos quatro graus de fé: nenhuma fé (Mc 4.35-41), pequena fé (Mt
14.22-33), grande fé (Mt 15.21-28) e inigualável fé (Mt 8.5-15). Há pessoas que
se encaixam nesses grupos, portanto, nem todas possuem a mesma fé. A unidade da
igreja em Roma estava ameaçada porque os cristãos maduros conflitavam com os
cristãos imaturos. Enquanto um grupo entendia bem a amplitude da liberdade
cristã pela fé em Jesus, o outro estava com a consciência perturbada e não
sabia exatamente o que fazer e o que não fazer.
Sabendo que os
cristãos maduros entenderiam melhor esse conflito, Paulo direciona a eles dois
conselhos práticos em relação aos mais imaturos:
a. “Acolhei ao que é débil
[fraco] na fé”. Aceitem genuinamente e de boa vontade os imaturos na fé.
Recebam-nos amorosamente em seu círculo de amigos íntimos.
b. “… não, porém,
para discutir opiniões”. Não discutam assuntos controvertidos. Não entrem em
conflitos de consciência pessoal.
2. O cristão não deve
ser juiz de seu irmão (Rm 14.3-4,7-12)
Não foi a única vez
que Paulo escreveu condenando formas de julgamento humano. Em 1Coríntios, ele
diz: “A mim mui pouco se me dá de ser julgado por vós ou por tribunal humano;
nem eu tampouco julgo a mim mesmo… quem me julga é o Senhor. Portanto, nada
julgueis antes do tempo, até que venha o Senhor” (1Co 4.3-5). O texto parece
ecoar as palavras de Jesus: “Não julgueis, para que não sejais julgados” (Mt
7.1).
O apelo fundamental
do apóstolo é que não devemos julgar irmãos que discordam de nós. O fraco deve
ser aceito entre os cristãos como parte da igreja. Ao explicar esse apelo,
Paulo mostra que a razão da aceitação mútua é que Deus aceitou os dois grupos
(Rm 14.2-3). A questão não está entre crer ou não crer, mas entre ter ou não
maturidade na fé. John MacArthur resume esse pensamento ao dizer: “O cristão
forte come o que lhe agrada e agradece ao Senhor. O irmão fraco come de acordo
com a sua dieta cerimonial e agradece ao Senhor por ele ter feito um sacrifício
em seu favor. Em ambos os casos, o cristão agradece ao Senhor, assim a
motivação é a mesma para o Senhor. Seja fraco ou forte, a motivação por trás
das decisões de um cristão sobre os assuntos referentes à consciência deve ser
agradar ao Senhor” (Bíblia de Estudo MacArthur, p.1519).
3. Cada pessoa tem as
próprias convicções (Rm 14.5-6)
Se antes o apóstolo
usou o alimento para exemplificar a liberdade cristã, agora ele reforça o
ensino usando o exemplo da diferença entre dias: “um faz diferença entre dia e
dia; outro julga iguais todos os dias” (Rm 14.5). O cristão judeu fraco na fé
ainda se preocupava em guardar o sábado, e dias especiais associados à lei e
aos costumes judaicos (Gl 4.8-10). O cristão gentio fraco na fé buscava
completo distanciamento de qualquer dia ou festividade associada ao paganismo.
Já o cristão maduro não era afetado por nenhuma dessas preocupações.
Na sequência, Paulo
argumenta: “cada um tenha opinião bem definida em sua própria mente” (Rm 14.5).
“Paulo não está incentivando um comportamento irresponsável. Tampouco está se
mostrando favorável a tradições irrefletidas. Mas, partindo do pressuposto de
que cada um deles (o fraco e o forte) tenha refletido na questão e chegado a uma
firme conclusão, ele os faz ver que a sua prática deve ser parte integrante do
discipulado cristão. ‘Aquele que considera um dia como especial, assim o faz
para o Senhor’ (Rm 14.6). Ou seja, ‘para honrar o Senhor’ (BLH), com a intenção
de agradar a Ele e honrá-lo (‘para adorar ao Senhor’, NTV)” (A Mensagem aos
Romanos, p.437).
4. O cristão não deve
ser tropeço para ninguém (Rm 14.13,15-16,21)
Nesses versos, o
apóstolo exorta o fraco a não criticar o forte, e chama a atenção do forte para
deixar de apontar defeitos no fraco. Os dois grupos não deveriam colocar
qualquer tipo de obstáculo para causar tropeço no caminho de seus irmãos. Paulo
ensina que a liberdade cristã não pode ser usada para prejudicar o irmão.
É necessário aplicar
o amor no exercício da liberdade. Por exemplo: o esposo tem direito e liberdade
de dormir com a janela do quarto aberta, para passar a noite sentindo a brisa
da madrugada. Mas se isso importuna a esposa ou lhe faz mal, ele deve abrir mão
do privilégio em benefício do conforto e da segurança dela. Nem uma de nossas
ações pessoais vale mais do que o bem-estar do povo de Deus. Dessa forma,
devemos procurar o que realmente contribui para a edificação dos irmãos em vez
de permanecer obstinados em nossos direitos.
5. Que é o reino de Deus?
(Rm 14.17-20)
“Se a primeira
verdade teológica que suporta o apelo de Paulo para que os fortes se controlem
é a cruz de Cristo, a segunda é o reino de Deus, isto é, o domínio gracioso de
Deus através de Cristo e pelo Espírito na vida do seu povo, proporcionando-lhes
uma livre salvação e exigindo uma obediência radical” (A Mensagem aos Romanos,
p.443).
Assim, vamos
contribuir para a paz e a edificação mútua. A igreja não deve ser edificada
isoladamente, mas sua construção precisa acontecer em conjunto. Igreja é um
edifício espiritual que necessita ser bem planejado, em que cada um tenha seu
lugar e desenvolva seu dom (Ef 4; 1Co 12). Não podemos permitir que questões
pessoais afetem a obra de Deus. Algo que é bom para nós pode ser um obstáculo
aos outros. O reino de Deus exige unidade.
6. A pureza ou a
impureza estão na consciência (Rm 14.14,22)
Paulo não está
levando em consideração o padrão absoluto de Deus em relação à postura do
crente. Nesse caso, a consciência não seria levada em conta, e sim a própria
conduta. No texto, o apóstolo deixa claro que o fazer, por si só, e o não fazer
é a mesma coisa perante Deus. O apóstolo tinha convicção de que todas as coisas
foram criadas por Deus, e tudo que foi criado é bom. Assim, os alimentos e as
bebidas que estão sendo discutidos na igreja de Roma são bons porque foi Deus
quem os fez. No entanto, nem todos interpretavam a questão, ou ainda o fazem,
sob essa perspectiva. Para a pessoa que considera algum alimento ou bebida algo
impuro, sua consciência aponta um pecado do qual não quer participar, por isso
Paulo diz que ela não deve comer ou beber tal coisa.
Devemos ter certeza
de que nossa consciência está limpa diante de Deus. Também precisamos lembrar
que não podemos fazer nada que cause a queda de um irmão. Nesse caso, o que é
bom para nós pode levar outros ao pecado. Então, o nosso bem se torna mal para
ele (1Co 8.10-11). Tal alternativa motivou Paulo a concluir que não devemos
fazer nada que sirva de tropeço ao nosso irmão (Rm 14.21; 1Co 8.13).
7. A fé é algo
pessoal (Rm 14.23)
O apóstolo conclui o
capítulo 14 fazendo distinção entre crer e agir, entre falar uma coisa e fazer
outra. Warren Wiersbe, citado por Hernandes D. Lopes, diz que “nenhum cristão
pode ‘tomar emprestadas’ as convicções de outro para ter uma vida cristã
honesta” (Romanos – o evangelho segundo Paulo, p.457). O crente que não tem
certeza de que está fazendo a coisa certa, mas o faz, se condena em seu ato.
Isso porque sua ação não está em harmonia com sua convicção interior, ou seja, com
sua fé. Tudo o que não é feito em harmonia com a convicção de que está de
acordo com a Bíblia é pecado, embora, por si só, possa ser uma ação correta.
Romanos para hoje
Ao mesmo tempo em que
a igreja é uma unidade, ela também se reveste da diversidade. Isso implica
necessidade de relacionamento maduro entre pessoas com ideias e convicções
distintas. Como você tem tratado o irmão fraco da sua igreja? Como tem se
relacionado com o irmão mais forte de sua igreja?
III. Cristo é o supremo exemplo de respeito ao
próximo (Rm 15.1-13)
1. Cristo não agradou
a Si mesmo (Rm 15.3-4)
Cristo não Se
entregou para ser crucificado com a finalidade de agradar a Si mesmo, mas de
agradar ao Pai. Submeteu-Se à vontade de Deus suportando toda humilhação e dor
na cruz em favor dos homens (Sl 69.9). “É como dizer que, para simbolizar sua
recusa de agradar a si mesmo, Cristo identificou-se tão completamente com o
nome, a vontade, a causa e a glória do Pai que os insultos que seriam dirigidos
a Deus caíram sobre ele” (A Mensagem aos Romanos, p.449). Se Cristo é o
exemplo, a Bíblia é o manual. Precisamos viver segundo o exemplo de Jesus,
buscando conhecimento nas Escrituras.
2. Cristo acolheu também
os gentios (Rm 15.7-12)
As diferenças entre
irmãos são resolvidas quando agimos como Cristo, ou seja, não agradando a nós
mesmos, mas acolhendo o próximo. “Paulo dá uma ordem, apresenta um modelo e
estabelece uma motivação: devemos acolher uns aos outros, da mesma forma que
Cristo nos acolheu, fazendo isso para glória de Deus. Se o exemplo de Cristo é
nosso modelo, a glória de Deus é a nossa motivação” (Romanos – o evangelho
segundo Paulo, p.460).
3. Suportem os fracos
e vivam em paz (Rm 15.1-2,5-6,13)
Paulo impõe mais uma
obrigação sobre os fortes em relação aos fracos, incluindo ele, Paulo, como um
forte. O apóstolo exorta os fortes a participarem das lutas dos fracos; viver a
experiência de identificação com o sofrimento do irmão (Gl 6.2; 1Ts 5.14).
Suportar e carregar os fardos de nossos irmãos é produto de uma profunda
intimidade com Cristo, que fez o mesmo em nosso favor (Mt 11.28-30). Dessa
forma, Deus nos encherá de gozo e paz, assim seremos “ricos de esperança no
poder do Espírto Santo” (Rm 15.13).
Romanos para hoje
“Tende em vós o mesmo
sentimento que houve também em Cristo Jesus” (Fp 2.5).
Conclusão
Concluímos citando
mais uma vez John Stott: “Quando se trata de questões fundamentais, portanto,
a fé é primordial, e ninguém pode apelar para o amor como uma desculpa para
negar a essência da fé. Quanto às questões fundamentais, contudo, o amor é que
é primordial, e não se pode apelar para o zelo pela fé como uma desculpa para
fracassar no amor. A fé instrui a nossa própria consciência; o amor limita o
exercício dessa liberdade” (A Mensagem aos Romanos, p. 454).
Autor da lição: Pr. Dionatan Cardoso
>> Estudo
publicado originalmente pela Editora Cristã Evangélica, na revista “Carta aos
Romanos”. Usado com permissão.
LIBERDADE EM CRISTO –
Gálatas 5.1-6
Júlio César Zanluca
“Conhecereis a
Verdade, e a Verdade vos libertará” – João 8.32
Existem 2 posições
extremas quanto ao assunto da liberdade cristã:
1. Liberdade total –
também chamada “libertinagem” – atribui que o cristão tem o direito a total
independência de atos – inclusive da vontade de Deus.
2. Liberdade restrita
– também chamada de “legalismo” – restringe nossa liberdade, exigindo
observância de rituais, preceitos e determinadas formas de congregação e
adoração.
A liberdade, em
primeiro lugar, é uma conquista de Cristo para nós, envolvendo uma série de
benefícios, gratuitamente ofertados e aceitos pela fé, como:
- liberdade do
pecado: Rm 8.2, 1 Jo 2.12
- libertação do juízo
e da condenação – Rm 8.1
- libertação do mundo
e das trevas (cegueira espiritual) – Jo 8.12, Ef 5.8
- livres de Satanás e
do seu poder – Tg 4.7
- livres da provação
mundial futura – Ap 3.10
A liberdade é um dos
benefícios da habitação do Espírito Santo – 2 Co 3.17.
Observe que liberdade
não se confunde com insubmissão – pois somos exortados a ser submissos a Deus –
1 Pe 5.6.
Não usamos esta
liberdade para pecar! – Rm 6.15.
Existem também outros
trechos que indicam a necessidade de submissão às autoridades civis – Rm 13.17,
aos líderes espirituais – Hb 13.17, aos patrões – 1 Pe 2.18, etc.
Minha liberdade, em
Cristo, não me dá o direito de escolher, por exemplo, entre perdoar e não
perdoar – Lc 17.3-4. Ou ainda, deixar de dar frutos – Jo 15.
Eventualmente,
podemos, voluntariamente, restringir esta liberdade, por causa do amor em
Cristo aos débeis na fé – veja Rm 14.1-15.2.
Liberdade não
significa fazer o que se quer – pois isto é típico dos animais – mas fazer as
escolhas de acordo com meu amor e serviço a Cristo. Ele, que é Deus, se
submeteu ao Pai, por causa do amor a nós – uma escolha voluntária!
Somos livres para
amar. Somos livres para servir. Somos livres para adorar. Para escolher nossa
hora de oração, e os trechos da Bíblia para nossa meditação. Podemos escolher a
igreja a que nós queremos congregar – mas nossa liberdade não significa que
deixaremos de congregar – Hb 10.25.
Uma grande vantagem
de nossa liberdade em Cristo é que não precisamos mais depender de nossos
próprios esforços e atos para salvação! Livres do pecado, pela graça de Deus,
estamos desembaraçados para servir nosso Senhor e Salvador!
O princípio que
regula o comportamento cristão
1 Coríntios 6:12-20
Neste mês de
fevereiro volta-se o povo em geral para o envolvimento com a deplorável “festa
da carne” (carnaval), com procedimento sem freios, calamitosamente depravado e
imoral. O povo de Deus não pode, de forma alguma, deixar-se levar por essa torrente
pecaminosa, comprometendo, negativamente, o seu testemunho cristão.
Encontramos no texto
acima, oportuna e clara orientação sobre o comportamento cristão, que se aplica
bem a esse triste contexto da sociedade. Trata-se da “mordomia do corpo”.
Muitas vezes buscamos regras específicas sobre o que posso “ser”, o que posso
“fazer” ou onde posso “estar”. Surgem logo os “legalistas” a estabelecer uma
fileira de regras de comportamento, que muitas vezes são meros pontos de vistas
pessoais, longe do respaldo bíblico.
O trecho citado nos
oferece o princípio que define tudo sob a égide da “liberdade com
responsabilidade”. Embora, no caso, a conotação é principalmente quando à
moralidade no uso do corpo, creio que o princípio informado pelo apóstolo Paulo
deve ser aplicado em todas as áreas de nossa vida, ou seja, do nosso “ser”, do
nosso “fazer” e do nosso “estar”. Depois de ter exortado a respeito de “pecados
legais”, Paulo trata, agora, do relaxamento sexual, cuja abordagem já fizera no
capítulo 5 (o caso de “incesto”). Nos versículos 12 a 14 ele apresenta o
principio regulador do uso do corpo, e nos versículos 15 a 20 a aplicação
prática do princípio.
1. Princípio
regulador do uso do corpo (vs. 12-14) – O versículo 12 contém toda a filosofia
da atitude cristã em relação às “coisas terrenas”. Disse “terrena” e não
“mundana”, pois a referência aí é às coisas da vida natural e não às coisas
ligadas à civilização humana desenvolvida pelo homem à margem de Deus (sistema
pecaminoso do mundo). O grande e importante princípio de comportamento cristão
é enunciado: “todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas convêm”.
Encontramos aí a binômia licitude x conveniência.
Como ser humano posso
fazer tudo o que está dentro da permissibilidade legal (o que é lícito). A lei
estabelece o círculo de comportamento do ser humano, pois ela representa o que
é conveniente à própria sociedade. Entretanto, ao cristão incumbe comportar-se
dentro do círculo da conveniência do Senhor (o que é espiritual, não religioso,
pois a “religião” é mera solução humana para o problema espiritual do homem).
Como Paulo afirma, “não me deixarei dominar por nenhuma delas”, ou seja, (as
“coisas lícitas”) vale dizer dentro do que a lei permite. Muitas vezes as
“coisas terrenas” (permissibilidade legal) confrontam com as “coisas
espirituais” (conveniência do Senhor). O que deve comandar a atitude no uso do
corpo são as coisas espirituais, pois são elas, e somente elas, da
“conveniência do Senhor”.
Esse notável
princípio bíblico é o único que deve nortear o comportamento do cristão, pois
encerra a orientação do Senhor que define para o cristão como agir em todas as
áreas de sua vida: “liberdade com responsabilidade”. Há sempre o risco de o
cristão colocar-se em escravidão das coisas que pratica, quando invoca a sua
“liberdade” para agir. Por isso a “responsabilidade” perante o Senhor
dar-lhe-á, no exercício da liberdade, a bitola correta do comportamento
plausível.
Aparentemente alguns
coríntios estavam tentando usar sua liberdade cristã para justificar seus
pecados. Paulo insiste aqui que a liberdade cristã é limitada por duas
considerações: Esta ação é útil? Esta ação irá me escravizar? No versículo 13,
Paulo se reporta a uma expressão que parece ter sido utilizada como argumento
pelos coríntios, para justificar a sua licenciosidade: “os alimentos são para o
estômago e estômago para os alimentos”. Comer é uma função natural e,
aparentemente, os coríntios queriam dar a entender que uma função natural é
muito semelhante à outra, isto é, a “fornicação” seria tão natural como comer!
Paulo contesta isso frontalmente. O “estômago” e os “alimentos” são
transitórios. No devido tempo Deus acabará com ambos. A expressão no original
grego “destruirá” tem o sentido de “serão reduzidos a nada”. O nosso corpo não está
destinado a ser destruído, haverá de ser transformado e glorificado (Filipenses
3:21).
Não há como se
pretender relacionar o corpo e os desejos sexuais da mesma maneira como se
relacionam o estômago e os alimentos. Ao contrário, a conexão que deve existir
é a do “corpo” com o “Senhor”. Deus não destinou o corpo para a fornicação
(impureza), como destinou o estômago para os alimentos. O corpo é para o
Senhor, é o instrumento pelo qual o crente serve ao Senhor e o meio pelo qual
ele glorifica a Deus. Por outro lado, o Senhor é para o corpo, pois como o
alimento é necessário para o estômago, sem o que este não há de funcionar,
assim o Senhor é necessário para o corpo funcionar. É somente na medida em que
Deus nos capacita que podemos viver o tipo de vida corporal para o qual fomos
destinados.
No versículo 14,
Paulo se utiliza do auspicioso fato da ”ressurreição do corpo” para fornecer
precioso ensino. A ressurreição nos impede avaliar levianamente o corpo. A
ressurreição é uma ação do Pai, embora leiamos que Jesus Cristo ressuscitou
alguns. O que o texto no versículo 15 está mostrando é que a “ressurreição” (a
do Senhor e a nossa) indica a importância do corpo. Se ele será ressuscitado,
não se pode menospreza-lo, como algo que deva ser destruído. Paulo deixa claro
que a ressurreição dar-se-á por ação divina: “pelo Seu poder”. Note: os
alimentos são para o estômago e o estômago para os alimentos e o destino de
ambos é a “destruição”. O corpo é para o Senhor e o Senhor para o corpo, quando
se tem por certa a “ressurreição” de ambos.
2. Aplicação prática
do princípio (vs. 15-20) – Usa mais uma vez Paulo, no versículo 15, uma
expressão enfática, muito usada por ele, para apelar para um assunto que devia
ser doconhecimento geral: “não sabeis...”. A expressão “membro” (mete=gr) é uma
palavra usada, normalmente, para as partes do corpo (conforme seu uso no
sentido similar em Romanos 6:13 e seguintes). Essa mesma ideia é desenvolvida
amplamente para indicar a igreja como corpo de Cristo (12:12 e seguintes, e
Efésios 5:23 e seguintes). O ensino que Paulo transmite no verso é o de que os
crentes estão unidos a Cristo de modo muito estreito. Estão “em Cristo”, são
membros do Seu corpo, isso torna odiosa a prática sexual viciosa.
A expressão “tomaria”
que Paulo usa (airo=gr), tem o sentido de “levar embora”. Paulo está querendo
mostrar que a prática sexual pecaminosa é coisa horrível, pois o corpo (membro
do corpo de Cristo) que o pratica está sendo levado embora, retirado do seu uso
apropriado. Está sendo usurpado do Seu idôneo Senhor. É “tornado” membro da
meretriz! É claro que o pecador não é “membro da meretriz” no mesmo sentido em
que é “membro de Cristo”, mas para Paulo a união sexual é tão intima que,
virtualmente, faz de dois corpos um (versículo 16). Assim há uma horrível
profanação daquilo que deve ser usado somente para Cristo.
Com a contundente
afirmação “absolutamente não” (final do versículo 15), Paulo refuta
vigorosamente tal hipótese. No versículo 16, faz Paulo remissão ao principio
bíblico fundamental do casamento “serão os dois uma só carne”. Os coríntios não
se davam conta das ilações graves da sua maneira de ver a frouxidão sexual. Se
no versículo 16 Paulo lembrou o vínculo físico de uma união com uma meretriz,
no 17 ele emprega a mesma palavra “une” (kollomenos=gr), quanto ao laço
espiritual que liga o verdadeiro crente ao Senhor. Os que participam do ato
sexual tornam-se “um corpo”. Os que se unem pelo laço espiritual tornam-se “um
espírito com ele”. O crente é “um” com o Senhor. Ele tem a “mente de Cristo”.
Ele reagirá como o Senhor reagiria.
No versículo 18,
Paulo indica o único caminho viável para o cristão diante da situação
pecaminosa: “fugi da impureza”. O imperativo presente indica uma ação habitual.
É a mesma coisa que dizer “fazei vosso hábito fugir”. Deve ser a prática
constante do crente. Não se pode tratar o assunto de modo suave! O cristão não
deve contemporizar com isso, mas deve fugir até o pensamento disso. A reação de
José às propostas da mulher de Potifar (Gênesis 39:12) ilustra literalmente
esse princípio. Veja 2 Timóteo 2:22; 1 Tessalonicenses 4:3. A imoralidade
destrói o templo de Deus (3:17). Paulo continua desenvolvendo a ideia de que
este pecado fere as próprias raízes da constituição essencial do homem. Outros
pecados são fora do corpo e não o atingem, mas este o atinge cumprindo ter-se
cuidado especial para evita-lo, pois, somente este significa que o homem toma o
corpo que é “membro de Cristo” e o coloca numa união que arruína o seu próprio
corpo.
Outros pecados, como
por exemplos a bebedice e a glutonaria, envolvem o uso de algo que vem de fora
do corpo. O apetite sexual surge de dentro. Aqueles se prestam para outros
propósitos, por exemplo, a sociabilidade. Este não tem outro propósito que o da
gratificação da lascívia. Aqueles são pecaminosos quando usados em excesso.
Este o é em si mesmo. O termo que Paulo emprega para “pecado” (humartema=gr) em
lugar de “hamarta”, que é mais usual, põe em destaque mais o “resultado” do que
o próprio ato.
No versículo 19,
novamente Paulo usa a pergunta argumentativa, pela sexta vez no capítulo:
“acaso não sabeis?” que demonstra que ele está falando de algo que eles
deveriam saber. Em 3:17 referiu-se à igreja como um “santuário de Deus”. Aqui
se refere ao “corpo”, à pessoa. Cada cristão é um santuário em que Deus habita.
A palavra é “naos” (gr), referindo-se ao recinto sagrado. Tal assertiva paulina
evidencia a dignidade excepcional do corpo. Aonde vamos somos portadores do
Espírito Santo, templo em que apraz a Deus habitar! Isso deve eliminar toda a
forma de conduta que não seja apropriada para o templo de Deus. Uma vez que o
crente é templo de Deus, não pode pensar de si como independente, como
pertencente a si próprio. Veja: “não de vós mesmos”. Um contraste violento com
o templo de Afrodite em Corinto, onde as sacerdotisas eram prostitutas.
No versículo 20,
Paulo indica a razão básica da afirmação anterior: “fostes comprados por preço”
(comprados e pagos). A forma verbal original indica uma ação única e decisiva
no passado. Não menciona a ocasião nem o preço, mas tal não é necessário! A
figura é da redenção (ex: do escravo que economizou o necessário para pagar o
preço da sua liberdade, jogando o preço ao seu deus, no tesouro do templo, e,
então, seria adquirido pelo deus; tecnicamente era agora escravo desse deus).
Paulo aplica esta figura aos procedimentos de Cristo para com os homens. O
preço pago para comprar-nos da escravidão do pecado (João 8:34) não era uma
ficção piedosa, mas foi o altíssimo preço da morte do Senhor.
O resultado é
introduzir-nos numa esfera em que, no que concerne aos homens, somos livres.
Mas somos escravos de Deus, a Ele pertencemos, Ele nos adquiriu para sermos
dEle. Afinal, Paulo indica a obrigação consequente dessa bênção: “Glorificai a
Deus no vosso corpo”. Antecede essa ordenação sublime com a expressão “agora”.
É como se dissesse: “faça isso tão depressa que fique pronto agora mesmo!”. É
urgente! Deus exige obediência pronta.
Conclusão: Esta
passagem proporciona-nos a doutrina cristã a respeito do corpo e prepara-nos
para a crença na sua ressurreição que é apresentada amplamente no capítulo 15.
Também esboça o princípio da liberdade cristã, assunto que volta a ser tratado
no capítulo 8. O fato básico que governa o exercício da liberdade cristã é que
o crente foi remido pelo precioso sangue de Cristo, e assim Lhe pertence. Sua
dedicação a Cristo é mais profunda do que anteriormente ao “mundo” ao qual
pertenceu antes de ser resgatado.
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