O "Adorno"
da Mulher Cristã:
proibição ou
privilégio?
Elizabeth Zekveld
Portela*
É certo uma mulher
cristã se enfeitar? Na maioria das igrejas contemporâneas são raros os pastores
que sobem ao púlpito para dizer que não. Reconhecemos, porém, que existem
algumas comunidades cristãs que sinceramente consideram que as mulheres devem
evitar o uso de jóias, maquiagem e roupas vistosas e que controlam até o corte
e o penteado dos seus cabelos. Qual a legitimidade dos adornos femininos?1 Qual
a expressão real da modéstia cristã? E o que isso tem a ver com a percepção
daquilo que a Bíblia realmente ensina sobre a natureza, o propósito e
especialmente o valor das mulheres cristãs — tanto as do passado quanto as do
presente? Ao pesquisarmos, verificamos que a interpretação dos textos
pertinentes ao assunto tem sido, muitas vezes, afetada por pontos de vista
preconcebidos, tanto pelos que aceitam quanto pelos que rejeitam adornos
externos nas mulheres.
I. O DILEMA
Será que é possível
uma mulher usar adornos externos ou um pastor temente a Deus permitir que as
senhoras e moças da sua igreja se enfeitem sem ir de encontro às duas passagens
bíblicas citadas para proibir o uso de todos ou certos adornos? Elas parecem
ser tão claras e específicas!
1 Timóteo 2.9-10 diz:
... que as mulheres, em traje decente, se ataviem com modéstia e bom senso, não
com cabeleira frisada e com ouro, ou pérolas, ou vestuário dispendioso, porém
com boas obras (como é próprio às mulheres que professam ser piedosas).
1 Pedro 3.3-6
declara: Não seja o adorno das esposas o que é exterior, como frisado de
cabelos, adereços de ouro, aparato de vestuário; seja, porém, o homem interior
do coração, unido ao incorruptível de um espírito manso e tranqüilo, que é de
grande valor diante de Deus. Pois foi assim, também, que a si mesmas se
ataviaram, outrora, as santas mulheres que esperavam em Deus, estando submissas
a seus próprio maridos, como fazia Sara, que obedeceu a Abraão, chamando-lhe
senhor, da qual vós vos tornastes filhas, praticando o bem e não temendo
perturbação alguma.
Quantos dos pastores
que acatam os adornos femininos nos cultos podem dar uma explicação clara sobre
essa atitude às suas igrejas? Quantos de nós têm certeza absoluta daquilo que
estamos "aprovando," implicitamente, pelo uso? Ou estamos abrigando
"dúvidas" e ainda assim procedendo por causa de comodidade ou vaidade?
A Bíblia é clara quando diz que a falta de certeza sobre o nosso comportamento
indica que estamos pecando, embora estejamos fazendo algo que talvez não seja
pecaminoso em si (Rm 14.12, 22-23).
Existem centenas e
milhares de mulheres no Brasil e pelo mundo afora, que amam a Deus de todo o
coração, mas que sentem uma fisgada de desconforto e culpa quando lêem essas
passagens. Perguntam a si mesmas se estão sendo carnais, se estão falhando na
sua espiritualidade. Numa era em que seus maridos ou namorados estão cercados
de mulheres que combatem a celulite, a gordura, as rugas e os cabelos brancos
como inimigos mortais e na qual a humanidade valoriza intensamente a aparência
física, elas não conseguem evitar arrepios ao pensar nas possíveis
conseqüências de deixar de lado os próprios esforços em prol de uma aparência
agradável. A maioria chega à conclusão que ficariam sem condições emocionais e
sociais para continuar convivendo e trabalhando adequadamente nas esferas onde
Deus as colocou. Ao olhar ao redor de si, notam que nenhum líder na sua igreja
está advogando a abstenção dos adornos e cosméticos. Concluem que essas pessoas
devem ter entendimento mais apurado do assunto e continuam como estão. Mas o
sentimento de culpa continua, especialmente quando alguém lhes aponta esses
versículos e lhes conclama a uma auto-defesa.
Enquanto isso, há
outras tantas mulheres que realmente praticam a abstinência de qualquer enfeite
externo (dentro dos limites estipulados por suas igrejas). Tendo entregue a
vida a Deus, conseguem conviver relativamente bem com essa situação,
especialmente porque encontram um sistema de apoio mútuo dentro dos seus
círculos eclesiásticos. As suas vidas se entrelaçam quase inteiramente com o
seu lar e com a sua igreja e as atividades desta. Sofrem muito, entretanto,
quando tentam passar essas mesmas proibições às suas filhas que têm que
conviver diariamente com um mundo que se nega a dar-lhes valor e que ri da sua
falta de adornos e das suas roupas diferentes, nas escolas e nos empregos.
Filhas que sofrem e olham para outras mulheres cristãs que não se abstêm e
perguntam — "Porque elas podem, e eu não?" — e que são prontamente
admoestadas por sua falta de amor a Deus e exortadas com frases do tipo
"Enganosa é a graça e vã a formosura, mas a mulher que teme ao Senhor,
essa será louvada" (Pv 31.30) ou "Nós não queremos que a nossa filha
seja confundida com uma Jezabel!"2
II. A Necessidade de
Aprofundamento na Questão
É, portanto, urgente
que haja uma verificação mais aprofundada do significado e da importância dos
textos principais que se referem a esse assunto. É extremamente relevante
também porque o texto de 1 Timóteo está enraizado nas orientações específicas
de Paulo a respeito do comportamento de homens e mulheres nas igrejas,
especialmente na área de liderança. A outra determinação se encontra em meio
aos conselhos de Pedro, a ambos os sexos, sobre a vida no lar. Trata-se de
áreas extremamente polêmicas nas igrejas e no mundo em que vivemos porque
muitos têm chegado à conclusão de que esses versos eram condicionados a um
tempo que já passou e portanto não se aplicam aos dias de hoje.3 Como evitar o
desprezo de parte de uma passagem se nós mesmos não conseguimos explicar a
razão pela qual seguimos ou não seguimos a aparente instrução da outra parte?
Existe muita confusão
a respeito da autoridade masculina na igreja e no lar porque a liderança
masculina nas igrejas tem, vezes demais, se mostrado indiferente ao valor,
sentimentos e dons das mulheres com que convivem, deixando pouco ou nenhum
espaço para a sua expressão, inclusive na área dos adornos. Começando pelos
Pais da Igreja, passando por expoentes da Reforma e por grande número de
teólogos e comentaristas de renome, verificamos negligência e omissão em
algumas áreas do seu lidar com a metade feminina do povo de Deus.4 Em muitas
ocasiões, a legítima liderança amorosa masculina se deteriorou num domínio
arrogante e agressivo, baseado em pressuposições errôneas de superioridade.5 Se
tivessem sido mais compreensivos e dado igual atenção nos seus sermões e
escritos ao exemplo de Jesus quando lidava com as mulheres e às orientações de
Pedro (e de Paulo também – Ef 5.25-33; Cl 3.19) para os homens,6 a situação
atual talvez fosse bem diferente.
III. Preconceitos,
Prescrições e Omissões
A. A Tendência Judaica
Os Pais da Igreja não
se desviaram da opinião judaica a respeito de mulheres, prevalecente no período
apostólico. Filo de Alexandria, um contemporâneo de Paulo e Pedro, declarou:
…a fêmea é
imperfeita, sujeita, vista mais como o parceiro passivo do que o ativo. E já
que os elementos dos quais consistem a nossa alma são dois – a parte racional e
a parte irracional – a parte racional pertence ao sexo masculino, sendo a
herança de intelecto e razão; mas a parte irracional pertence ao sexo feminino,
e também os sentidos externos. E a mente é em cada respeito superior ao sentido
externo, como é o homem à mulher."7
Na compilação das
tradições orais preservadas pelos judeus, os homens eram encorajados a
agradecer a Deus diariamente por não tê-los feito "nem gentio, nem mulher,
nem escravo."8 No templo em Jerusalém as senhoras não podiam passar do
átrio das mulheres,9 um isolamento até considerado natural pela maioria dos
comentaristas, mas que, na realidade, não existia no plano divino para o
tabernáculo (1 Sm 1.9-10) e nem no primeiro templo (1 Cr 28.11,19; 1 Rs 5-8),
refletindo tão somente o preconceito do judaísmo. Paradoxalmente, os adornos
parecem ter sido amplamente utilizados nesse período.10
B. A Tendência
Patrística
Não existe registro
de como os lideres das igrejas que receberam as cartas de Paulo e Pedro
interpretaram e aplicaram as suas palavras nos textos já mencionados. Mas os
Pais da Igreja dos séculos subseqüentes tornaram-se totalmente contrários ao
uso do adorno feminino. Tertuliano (160-220 DC) reclamou sobre as mocinhas:
"Elas consultam o espelho para ajudar a sua beleza, gastam a pele do rosto
de tanto lavar, tentando tornar o mesmo sedutor com cosméticos, arrogantemente
jogam uma capa por cima dos ombros, colocam seus apertados sapatinhos multiformes
e levam bem mais acessórios quando vão ao banho."11 Cipriano (c. 250 DC)
ensinou que "os adornos e as roupas vistosas e as seduções da beleza
pertencem apenas a prostitutas e mulheres desenvergonhadas, e a vestimenta mais
cara acompanha aquela cuja modéstia é a mais barata."12 Jerônimo (340-420
DC) perguntou: "Qual o lugar de ruge e chumbo branco no rosto de uma
senhora crista?… Servem apenas para inflamar as paixões dos homens jovens, para
estimular a lascívia e para indicar uma mente impura."13 Eram homens de
peso na história da igreja cristã — mas quase todos com tendências ascéticas.
C. Nosso Propósito
Neste ensaio,
tentaremos estabelecer que Paulo e Pedro não estavam proibindo o uso de adornos
pelas mulheres, mas que, ao contrário, eles estavam contrastando o legítimo
adorno externo com algo bem mais valioso – o adorno interno. Verificaremos de
forma resumida e geral o que a igreja tem ensinado a respeito disso durante os
dois milênios que se passaram. Examinaremos os versos nos seus contextos histórico,
bíblico, teológico e textual. Ao mesmo tempo, procuraremos conhecer um pouco
melhor tanto as intenções dos apóstolos quanto a natureza das mulheres da
época, para podermos nos aproximar mais da sua realidade e então compará-la à
nossa situação atual.
IV. O CONTEXTO
HISTÓRICO DAS PASSAGENS
As passagens
polêmicas fazem parte integral de duas cartas escritas pelos apóstolos Paulo e
Pedro no início dos anos 60 D.C.14 Paulo endereçou a sua carta ao seu filho na
fé Timóteo, que se encontrava na cidade de Éfeso supervisionando as igrejas da
Ásia,15 enquanto que os eleitos … forasteiros da Dispersão, no Ponto, Galácia,
Capadócia, Ásia e Bitínia receberam os conselhos e admoestações de Pedro (1 Pe
1.1), quase ao mesmo tempo. Em circulação entre essas pessoas provavelmente já
estavam as cartas de Paulo aos Gálatas, Efésios, Colossenses e a Filemom, como
também a carta de Tiago "às doze tribos que se encontram na
Dispersão" (Tg 1.1).
A. O Império Romano
Nesse período, na
cidade de Roma (onde Paulo esteve e Pedro estava), o desequilibrado imperador
Nero (37-68 DC) manipulava o Império Romano. Existia uma sensação de
instabilidade muito grande.16 Apesar da existência de leis e de um sistema de
justiça tão bom que formou a base de muitos códigos civis da nossa atualidade,
sabia-se que a vida de um ser humano valia muito pouco para os
conquistadores.17 Outra evidência da degradação humana reinante podia ser vista
nos divertimentos oferecidos nas principais cidades do império, onde os romanos
haviam construído anfiteatros ou estádios. Eram violentos e brutais. Nos
combates entre feras, milhares de animais morriam anualmente. Mas o gosto pelo
derramamento de sangue se satisfazia mais terrivelmente ainda com a luta entre
gladiadores, onde prisioneiros de guerra, escravos e criminosos eram armados e
forçados a lutar até o fim. O vencido era morto.18
Em 64 DC, haveria um
incêndio enorme em Roma. Muitos responsabilizariam Nero. Ele, por sua vez,
acusaria os cristãos da cidade. Assim, a mando de Nero, apenas dois ou três anos
depois de Paulo e Pedro terem escrito essas cartas, muitos cristãos seriam
lançados às feras ou colocados, desarmados, para enfrentar gladiadores diante
de milhares de espectadores nos anfiteatros de Roma.19 Seria o início de
perseguições esporádicas pelo governo romano que durariam dois séculos e meio.
Diz a tradição que os dois apóstolos foram mortos durante as perseguições
neronianas.20
Na sociedade romana
sob a influência de Nero (e dos seus antecessores), havia uma constante procura
por excelência na qualidade e na estética, como também um interesse por
novidades. Sendo grande amante das artes, Nero dava grande valor às coisas e
pessoas bonitas. Nunca usava a mesma roupa duas vezes.21 Assim, a alta
sociedade da época se preocupava com a sua aparência ainda mais que as gerações
anteriores , e isto ocorria não somente na cidade de Roma mas em todo o
império. Os gostos e costumes das mulheres romanas tornaram-se
"chiques." Conhecer e satisfazer as tendências e as preferências
romanas era vital para todos aqueles na Ásia Menor que trabalhavam com o
comércio e também para aqueles que se destacavam na alta sociedade.
B. Ásia Menor
A província romana da
Ásia se encontrava na enorme península denominada subseqüentemente como Ásia
Menor, hoje conhecida como Turquia. Ponto, Galácia, Capadócia e Bitínia eram
outras províncias romanas nessa mesma península. Juntamente com a Ásia,
abrangiam a quase totalidade da Ásia Menor, excetuando a área costeira do
sul.22
O fato pode surpreender,
mas a província da Ásia foi a parte mais próspera do Império Romano durante os
dois primeiros séculos da era cristã. Era a maior fonte da riqueza de Roma e
várias rotas de caravanas que traziam os tesouros do Oriente (como algodão e
seda) findavam na sua capital, Éfeso, centro político, comercial e cultural da
área.23 Militares e governantes eram enviados de Roma até lá regularmente para
manter as leis e a ordem, e também para supervisionar o comércio. Alguns
traziam as suas famílias.
Tanto a Ásia quanto
grande parte da Ásia Menor daquele período (especialmente no litoral) gozavam
de um passado e presente cultural do mais alto nível. Para dizer a verdade,
esse não seria igualado novamente no mundo ocidental até a renascença européia
dos séculos XV e XVI.24 Apesar de já estar sob domínio romano por quase dois
séculos (desde 133 AC), a península era essencialmente grega, pois havia sido
colonizada pelos gregos no século VIII AC. Muitos dos filósofos, cientistas e
artistas da antigüidade que admiramos e conhecemos como "gregos"
realmente não eram do continente europeu, mas daqui, já bem antes do período
apostólico.25 Algumas das esculturas "gregas" mais conhecidas através
da história foram feitas por artistas da Ásia Menor.26 Três das "Sete
Maravilhas do Mundo Antigo" encontravam-se na Ásia. 27
V. AS MULHERES DA
ÁSIA MENOR
Já que ambas as
missivas se destinaram primariamente a cristãos da Ásia Menor, cabe analisarmos
as mulheres dessa área, citadas nominalmente nos escritos neo-testamentários,
como representantes daquelas que estavam sendo instruídas pelos dois apóstolos.
Dentre essas, encontramos Eunice, Priscila, Lídia, Áfia e Ninfa. Todas tinham
ligações concretas com as igrejas ou províncias que receberam as instruções
originais sobre o verdadeiro adorno feminino. Provenientes das quatro
principais culturas que já estavam convivendo lado a lado na Ásia Menor por
dois séculos ou mais, eram de ascendência romana, grega, judaica ou autóctone,
com variado grau de integração com as culturas nas quais viviam. Um exame mais
aproximado fará com que elas e as suas irmãs em Cristo possam tornar-se mais
reais e relevantes para nós.
A. Mulheres Diversas
com Personalidades Marcantes
Eunice (mãe de
Timóteo) era uma mulher judia instruída e inteligente, com uma fé exemplar,
casada com um incrédulo grego, de classe alta, que morava numa colônia romana
da Ásia Menor e convivia com pessoas simples do interior (os licaônios) (At
16.1; 2 Tm 1.5, 3.15).28
Priscila representa
uma mulher romana ou judia, de classe média ou alta, forte, inteligente e
corajosa, provavelmente poliglota e instruída, bem casada com um judeu da Ásia
Menor que, por causa da sua fé, enfrentou perseguições e aprendeu a viver bem
em Roma, na Grécia e na Ásia Menor, absorvendo e refletindo aspectos significativos
das três culturas (At 18.1-26; Ro 16.3-5; 1 Co 16.19; 2 Tm 4.19).29
Lídia (At 16.12-40)
era uma mulher grega proveniente da cidade de Tiatira, na Ásia Menor. Ela vivia
numa colônia romana e seguia a religião judaica. A sua profissão era ligada ao vestuário
dispendioso (a venda de púrpura). Quando converteu-se à religião cristã, ela
aparentemente conservou a sua profissão e atividades.
Deduzimos que Ninfa
(de Laodicéia – Cl 4.15) e Áfia (de Colossos – Fm 1.2) eram mulheres ricas pois
tinham casas suficientemente grandes para hospedarem igrejas. Conviviam com
escravos cristãos (Cl 3.22-4.1). Provavelmente, eram de origem local (frígia –
já bem aculturadas) ou grega.30
Observamos que todas
essas cinco senhoras foram mencionadas com carinho e admiração por Paulo ou
Lucas. Outros tipos de mulheres também se faziam presentes nas igrejas citadas.
Além das esposas de homens descrentes ou infiéis (especificamente endereçadas
nas instruções de Pedro) também estavam as filhas, mães ou irmãs destes. E não
devemos supor que todas as mulheres participantes dos cultos eram convertidas,
pois poderiam estar ali por convite das amigas, por obrigação (em submissão aos
pais ou maridos) ou até terem sido batizadas após a conversão do homem da
casa). Realmente não eram tão diferentes das senhoras e moças da atualidade,
como pode nos parecer à primeira vista.
B. A Moda Romana
Ao nosso ver, as
técnicas e produtos daqueles dias podem parecer muito artesanais e simples,
comparados aos atuais. Mas as mulheres da Ásia Menor estavam vivendo num clima
de crescente criatividade e desenvolvimento cultural. Este duraria até o
declínio do império romano e não voltaria por mais mil anos.31 O exército
romano mantinha a paz – a famosa Pax Romana – na maior parte do império.
Produtos e pessoas cruzavam terra e mares com maior facilidade. O mercado para
os tecidos e corantes asiáticos crescia e os comerciantes e os fabricantes
tinham que inovar e melhorar para continuar garantindo o seu espaço no mercado
mundial. Nota: A cidade de Laodicéia era famosa por sua lã negra e lustrosa,
proveniente de ovelhas negras. Colossos era conhecida pela lã peculiarmente
arroxeada. Tiatira era especializada em tinturaria.32 O nome para bordador em
Roma era phrygio, de tão famoso que eram os bordadores da área de Frígia.33
Também era importante o controle dos produtos que chegavam mais e mais de
países distantes (Pérsia, Índia, China) pelas caravanas. Ao mesmo tempo, as
mulheres romanas tinham mais e melhores condições para acompanharem os seus
maridos, trazendo consigo as últimas novidades.34 O conhecimento da última moda
romana chegava constantemente a todas as principais cidades do império através
das esposas e filhas dos governantes e militares de cada província e país. Como
lavadeiras, costureiras, escravas, empregadas domésticas ou artesãs, como
esposas ou filhas de comerciantes e artesãos, ou como parte da alta sociedade
local, a maioria das mulheres tinha contato direto ou indireto com os costumes
romanos.
Em meio a todas elas
estavam muitas mulheres cujos maridos certamente eram fabricantes, comerciantes
ou transportadores de roupas e produtos de beleza há anos. A renda da família
poderia depender tanto dos produtos locais quanto daqueles que passavam pelas
rotas das caravanas ao longo das quais estavam localizadas quase todas as
cidades visitadas por Paulo. Considerando que o mercado principal era o romano,
grande parte das mulheres locais já havia se adaptado ao domínio e às práticas
romanas (com a exceção provável de umas poucas judias recém-imigradas35 e
algumas mulheres nas áreas mais afastadas). O intercâmbio cultural era intenso
e se não chegavam a seguir todas as tendências, pelo menos sabiam delas e
muitas vezes viviam delas. Assim sendo, podemos imaginar a filha de um
comerciante de tecidos tentando convencer o pai de que precisava de alguns
metros do linho fino importado, ou a de uma costureira deslizando os dedos
sobre uma seda macia enquanto sonha com o olhar apaixonado de um belo rapaz.
Enquanto isso, as escravas das mulheres ricas ou aspirantes receberiam ordens
para descobrir os segredos da "beleza" das romanas. Nas reuniões e
festas, status e aceitação poderiam depender da sua aproximação aos valores
ditados pela moda romana. Lídia e Priscila e as nossas outras três mulheres
sempre haviam convivido com essa situação. Paulo também a conhecia.
VI. O EFEITO DO
CRISTIANISMO NAS MULHERES DA ÁSIA MENOR
Era essa, pois, a
situação em que se encontravam as mulheres cristãs da Ásia Menor. Várias raças,
diversas línguas, religiões e culturas, modernidade ao lado de
"atraso," e luxo e riqueza emparelhados com simplicidade ou pobreza.
Mulheres nascendo, casando, criando filhos, enviuvando, trabalhando, sonhando,
criando. Algumas haviam nascido em religiões variadas que não satisfaziam e que
pouco se preocupavam em prover-lhes felicidade e sentido para a vida,
especialmente por serem mulheres.36 Outras, como Eunice, já conheciam e
respeitavam o Deus verdadeiro desde pequenas. Mas até para ela, e talvez
principalmente para ela, a mensagem salvadora dos apóstolos significaria uma
imensa e maravilhosa transformação e alegria.
O cristianismo estava
tendo implicações enormes na estrutura das sociedades nas quais entrava. A
pregação dos apóstolos significava uma mudança de vida tão radical que eles
foram acusados de estarem transtornando o mundo, enquanto estavam na Grécia (At
17.6). E era verdade! Pela primeira vez na história humana, barreiras
tradicionais que sempre haviam existido estavam sendo abertamente derrubadas.
Analfabetas, letradas, escravas, servas, donas de casa, artesãs, esposas de
comerciantes, "socialaites" e até ex-prostitutas poderiam estar
sentadas lado a lado para adorar ao mesmo Deus e para aprender como agradá-lo.
Maltratadas e bem-cuidadas, cansadas e animadas, ricas e pobres, solteiras,
casadas e viúvas – elas repentinamente faziam parte da mesma família. Eram
irmãs, filhas adotadas por um mesmo Pai da maneira como elas eram. E não
somente as barreiras sociais estavam sendo desfeitas: também as culturais e
nacionais haviam de ser esquecidas no convívio entre gregas, judias, romanas e
locais. Paulo resumiu tudo isso na sua carta aos Colossenses (habitantes da
província da Ásia), quando disse que na igreja "não importa a
nacionalidade, a raça, a educação ou a posição social de alguém: estas coisas
não significam nada. O que importa é se a pessoa tem Cristo ou não..." (Cl
3.11, Bíblia Viva)
Timóteo e os outros
pastores estavam confrontando situações jamais vistas antes. Com a quebra
dessas barreiras, um grande número de pessoas (e de senhoras) talvez estivesse
sem entender os limites da sua nova liberdade. As epistolas de Paulo, Pedro e
Tiago lidam com muitos dos problemas que surgiram. E um deles é o assunto do
qual estamos tratando — com Paulo e Pedro determinando qual deveria ser o
comportamento das mulheres nas igrejas e nos lares da Ásia Menor.
VII. A APROVAÇÃO
IMPLÍCITA DE ORNAMENTOS NA BÍBLIA
Antes de voltarmos
aos textos de 1 Timóteo e de 1 Pedro, interessa, em primeiro lugar, verificar o
que indicam algumas das muitas referências sobre jóias, adornos e a beleza
feminina constantes da revelação divina encontrada no restante da Bíblia.
Abraão, marido de
Sara, aquela que Pedro elogia como exemplo de mulher santa, enviou jóias e
vestidos para a futura esposa do seu filho, Isaque. "Tomou o homem um
pendente de ouro de meio siclo de peso, e duas pulseiras para as mãos dela, do
peso de dez siclos de ouro…Tirou jóias de ouro e de prata, e vestidos, e os deu
a Rebeca" (Gn 24.22,47,53). Deus abençoou todos os passos para a
realização desse matrimônio.
Deus permitiu que os
israelitas recebessem jóias e roupas do povo do Egito (Ex 12.35) e aceitou com
agrado a contribuição voluntária de uma parte destas para serem transformadas
em utensílios e enfeites para o tabernáculo, o lugar em que ele seria adorado (Ex
35.22, 23; 28.17-20). Moisés transmitiu a mensagem: "Tomai, do que tendes,
uma oferta para o Senhor; cada um, de coração disposto, voluntariamente a trará
por oferta ao Senhor: ouro, prata, bronze, estofo azul, púrpura, carmesim,
linho fino, pêlos de cabras, peles…, pedras de ônix e pedras de engaste…(Ex
35.5-9). Êxodo 35 a 39 descreve a beleza desse tabernáculo e os detalhes das
vestes dos sacerdotes, tudo do melhor e do mais bonito. Ouro, linho, pedras
preciosas, anéis, argolas, coroa... Quando os israelitas tiraram o espólio do
povo de Canaã, Deus nunca deu ordens para que deixassem de lado as jóias e
roupas bonitas que estariam entre as riquezas que poderiam levar, nem que as
aproveitassem de outra maneira. "Voltais às vossas tendas com grandes
riquezas, com … prata, ouro,… e muitíssima roupa,reparti com vossos irmãos o
despojo dos vossos inimigos" (Js 22.8).
No livro de Cantares
de Salomão, que por muitos é considerado tanto um poema sobre o amor humano
quanto uma expressão do amor entre Deus e o seu povo, Salomão falou à sua
amada: "Formosas são as tuas faces entre os teus enfeites, o teu pescoço
com os colares" (Ct 1.10). Em Provérbios 11.9 e 25.12 a instrução dos pais
e a palavra do sábio repreensor foram comparadas a um "diadema de graça
para a tua cabeça, colares para o teu pescoço, e pendentes e jóias de ouro
puro." A tão admirada mulher virtuosa de Provérbios 31 vestia-se de
"linho fino e de púrpura" (v. 22) e conseguiu vestir a sua família
com uma vistosa "lã escarlate" (v. 21). Seu valor excedia o de
"finas jóias" (v. 1).
Quando Deus descreveu
o seu amor para com o povo de Israel (Ez 16.8-14), ele disse:
Também te vesti de
roupas bordadas, e te calcei com peles de animais marinhos, e te cingi de linho
fino e te cobri de seda. Também te adornei com enfeites, e te pus braceletes
nas mãos e um colar a roda do teu pescoço. Coloquei-te um pendente no nariz,
arrecadas nas orelhas, e linda coroa na cabeça. Assim foste ornada de ouro e
prata; o teu vestido era de linho fino, de seda, e de bordados;... eras formosa
em extremo e chegaste a ser rainha. Correu a tua fama entre as nações por causa
da tua formosura, pois era perfeita, por causa da minha glória que eu pusera em
ti.
Em Isaías 61.10, a
beleza da salvação foi comparada à da "noiva que se enfeita com as suas
jóias," enquanto que em Apocalipse 21.2 a Nova Jerusalém está
"ataviada como noiva adornada para o seu esposo." As pérolas foram
consideradas coisas de valor por Jesus em Mateus 7.6 e por Deus em Apocalipse
21.21.
É verdade que as
citações acima são descritivas e não prescritivas. Deus, nessas passagens, não
fez nenhuma declaração específica aprovando ou encorajando os adornos
femininos. Mas é importante notar que ele também não os proibiu. Nas passagens
em que Deus castiga as mulheres do seu povo, tirando os seus adornos, a razão
dada é que elas os haviam usado de maneira imprópria (Ez 16). Não há declaração
de que esses sejam errados em si. No mesmo capítulo, a mulher que representa
Judá seria despida dos seus vestidos enquanto que as suas finas jóias seriam
tomadas por causa da sua lascívia e prostituição. Não somente seus vestidos de
luxo seriam tirados, mas toda a roupa, pois ela ficaria completamente nua e
descoberta (v. 39), e ninguém disputa a propriedade de se usar roupa.
Também em Isaías 3.16-24
"as filhas de Sião" estavam sendo altivas, andando de pescoço
emproado, de olhares impudentes, e de maneira vergonhosa (como as de Sodoma).
Deus então catalogou uma lista completa dos objetos para embelezamento que ele
iria tirar delas – uma lista que tem sido usada por muitos comentaristas do
passado para resumir tudo que pensam que Deus não aprova (apesar de falar
também de mantos, espelhos, bolsas e véus). Mas basta reler o início de
Ezequiel 16 para sentir como Deus estava validando e se identificando com o
profundo anseio das mulheres que ele mesmo imaginou e criou de serem bonitas e
admiradas. Observemos que é com os lindos objetos de adorno que ele completa a
perfeição da formosura dessa mulher que representa o seu povo amado. Aquela
mulher bonita (e adornada), entretanto, não deveria se esquecer de que a sua
beleza foi dada e permitida por Deus com o propósito de ser usado para refletir
a sua glória: "Correu a tua fama… por causa da minha glória que eu pusera
em ti" (v. 14). Foi quando as mulheres se desviaram desse propósito e
confiaram na sua própria formosura que os adornos foram retirados.
As passagens acima
demonstram que se Deus tivesse aversão ao adorno externo feminino, ele teria
usado essas ocasiões, que seriam óbvias, para avisar ao seu povo que ele não
queria o uso desses enfeites. De fato, personagens bíblicas deram, usaram e
receberam jóias, enfeites e roupas bonitas sem recriminação da sua parte. Ele
embelezou o seu tabernáculo e os sacerdotes com jóias e adornos. O maior
exemplo do significado das sublimes bênçãos divinas, que ele mesmo mencionou, é
o do homem que procura satisfazer à sua amada, cobrindo-a de adornos por
inteiro. Ele conclui a sua revelação aos seus filhos descrevendo a beleza da
sua igreja e da futura Jerusalém, usando a noiva enfeitada como a ilustração
mais adequada.
VIII. ANÁLISE DOS
TEXTOS DA CONTROVÉRSIA
Voltemos agora aos
textos da controvérsia. Paulo e Pedro, falando a senhoras e moças nas igrejas
recém-formadas, compararam dois tipos de "adornos." Aparentemente, os
dois condenaram o primeiro tipo, o "adorno exterior." Mas olhemos,
com muita atenção, algumas outras passagens da Bíblia (escolhidas dentre
muitas) em que também são feitas comparações ou contrastes.
A. Comparações em
Outros Textos
No Antigo Testamento,
em Gênesis 45.8, José falou: "...não fostes vós que me enviastes para cá,
e, sim, Deus…" Assim, à primeira vista, poderíamos concluir que os irmãos
de José não o mandaram para Egito. Mas, um pouquinho antes (no v. 4), José já
havia dito: "Eu sou José, vosso irmão, a quem vendestes para o
Egito."
No Salmo 51.16-17, o
rei Davi expressa a sua imensa contrição pelos pecados de adultério e de
homicídio cometidos por ele e faz as seguintes declarações ao seu Deus:
"Pois não te comprazes em sacrifícios, do contrário eu tos daria; e não te
agradas de holocaustos. Sacrifícios agradáveis a Deus são o espírito
quebrantado; coração compungido e contrito não o desprezarás, ó Deus."
No Novo Testamento,
podemos estranhar algumas declarações de Jesus. Em Lucas 14.12 ele ensina:
"Quando deres um jantar ou uma ceia, não convides os teus amigos... nem
teus parentes... antes convida os pobres..." Depois, em João 6.27, ele
aconselha: "Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela que subsiste
para a vida eterna..." Falando de Lázaro em João 11.4, Jesus diz:
"Esta enfermidade não é para morte, e sim para a glória de Deus."
Por que Davi falaria
que Deus não se compraz com sacrifícios e holocaustos quando todos nós sabemos
que a "Bíblia" dele estava repleta de instruções sobre como e quando
oferecê-los?37 Podemos concluir que Jesus proibiu que convidemos os nossos
amigos para jantar em nossa casa quando ele mesmo freqüente e alegremente
aceitou convites para jantar (Lc 7.36; Jo 12.2) e organizou a "última
ceia" para celebrar a Páscoa com seus amigos mais íntimos (Lc 22.7-23)? Se
não devemos trabalhar pelo nosso sustento, Paulo estaria contradizendo Jesus
quando ele ordenou que aquele que não quisesse trabalhar não deveria ser
alimentado e exortou as pessoas preguiçosas a trabalharem para comer (2 Ts
3.10-12)? Se Lázaro não morreu, como explicar a revelação posterior de Jesus
(Jo 11.14) quando afirmou claramente: "Lázaro morreu"?
B. Expressões
Idiomáticas nas Línguas Semíticas
A resposta ao enigma
aparente é simples. Acontece que estamos lidando com expressões idiomáticas
freqüentemente usadas pelos judeus.38 Em muitas ocasiões, quando queriam
comparar ou contrastar duas coisas, eles deixavam de lado as palavras
limitadoras e falavam coisas opostas para enfatizarem o que queriam dizer.
Muitas vezes diziam "não... mas" ou "não... sim," quando o
significado real era "nem tanto... mas muito mais" ou "não
primariamente (ou meramente ou apenas)... mas especialmente (ou muito mais ou
também)."39 Todo mundo quase sempre entendia isso da maneira como deveria
ser entendido. Mas a nossa língua não funciona assim e quando a Bíblia foi
traduzida para o português (e para muitas outras línguas), os tradutores,
nesses casos, deixaram o entendimento para o nosso bom senso, em vez de
adicionar palavras àquelas que se encontravam no texto original.
1. Aplicação aos
Outros Textos
Podemos e devemos
concluir que há uma expressão idiomática nessas passagens. Voltando ao Salmo
51, lemos logo depois, no versículo 19: "Então te agradarás dos
sacrifícios de justiça, dos holocaustos e das ofertas queimadas; e sobre o teu
altar se oferecerão novilhos." Davi estava ciente de que, naquela hora,
"Deus não poderia se agradar de meros sacrifícios externos — das ofertas
de sangue em si, desacompanhadas da expressão de penitência genuína."40
Eis a palavra chave com a qual o primeiro versículo pode fazer sentido. Assim,
podemos parafrasear o texto da seguinte maneira: "Pois não te comprazes em
meros sacrifícios, do contrário eu tos daria; e não te agradas meramente de holocaustos.
Sacrifícios muito mais agradáveis a Deus são o espírito quebrantado; coração
compungido e contrito não o desprezarás, ó Deus."
Voltando aos outros
versículos, colocaremos as palavras que farão com que as declarações tenham
mais sentido em nossa língua:
"Assim nãofostes
(apenas, meramente ou tanto)vós que me enviastes para cá, mas muito mais (em
primeiro lugar) Deus."
"Quando deres um
jantar... não convides (apenas ou sempre) os teus amigos, ... mas convida
especialmente os pobres."
"Trabalhai, não
(primariamente ou meramente) pela comida que perece, mas especialmente pela que
subsiste para a vida eterna."
"Esta
enfermidade não é (somente ou primariamente) para morte, mas especialmente para
a glória de Deus."
2. Aplicação aos
Textos de 1 Timóteo e 1 Pedro
Seguindo nessa mesma
linha de raciocínio, os nossos versículos sobre o adorno poderiam ser
entendidos da seguinte maneira:
Da mesma sorte, que
as mulheres, em traje decente, se ataviem com modéstia e bom senso, não tanto
com cabeleira frisada e com ouro, ou pérolas, ou vestuário dispendioso, mas
muito mais com boas obras...
Não seja o adorno das
esposas primariamente o que é exterior, como frisado de cabelos, adereços de
ouro, aparato de vestuário; mas muito (infinitamente!) mais o homem interior do
coração, unido ao incorruptível de um espírito manso e tranqüilo, que é de
grande valor diante de Deus...
Pode-se, entretanto,
argumentar que essas cartas foram escritas em grego e que, se isso é uma
expressão idiomática semítica, por que estaria presente nessa língua? É
preciso, porém, observar que existem outras passagens gregas no Novo Testamento
que chamam para si interpretações semelhantes, indicando que essa questão é
muito mais de estrutura de pensamento hebraica, que permanece inalterada mesmo
quando os autores se expressam em grego, do que uma questão linguística. O
apóstolo João em 1 João 3.18 declara: "Filhinhos, não amemos de palavra,
nem de língua, mas de fato e de verdade." O mesmo ocorre com a declaração
de Paulo em 1 Coríntios 15.10.
Ao examinarmos na
Septuaginta (a tradução grega do Antigo Testamento usada nas sinagogas da Ásia
Menor) os textos anteriormente citados (Salmo 51 e Gênesis 45), verificamos que
ela traslada para o grego, de forma semelhante e com os mesmos negativos
utilizados por Pedro, a expressão idiomática que está presente no texto
hebraico. Sabemos, também, que Paulo e Pedro não somente nasceram e cresceram
usando o hebraico/aramaico, mas que continuavam constantemente tendo contato
com pessoas que usavam e falavam esses idiomas.41 Resumindo, pois, constatamos
que (pelo menos à exceção dos textos em debate) não há proibição do uso de
adornos em nenhum lugar da Bíblia e que há ampla descrição da existência e do
uso desses entre o povo de Deus. Observamos, também, que a adição de certas
palavras tem sido necessária, às vezes, em várias porções da Palavra, para que
não haja distorções na mensagem de Deus. Provamos que existe a possibilidade de
que Paulo e Pedro42 tenham utilizado a maneira semítica usual para enfatizar
esse contraste entre o "adorno" físico e o espiritual. Vamos, agora,
analisar outras interpretações desses textos, e observar o contexto geral das
Escrituras sobre as questões do legalismo e da beleza, para concluirmos que o
nosso entendimento da questão realmente se enquadra na intenção dos autores.
IX. ANÁLISE DE OUTRAS
INTERPRETAÇÕES
A. Interpretações que
Proíbem os Adornos Femininos
Os dois escritores do
Novo Testamento poderiam realmente estar transmitindo uma nova orientação de
Deus ou, talvez, uma orientação mais clara ou abrangente. Conseqüentemente, uma
das marcas das mulheres participantes da Nova Aliança seria uma completa (ou
quase completa) ausência de adornos e enfeites. Assim, os termos decência e
modéstia (1 Tm 2.9) acabavam de ser melhor definidos.
Como já vimos, essa
tem sido a conclusão de muitos teólogos e comentaristas desde os primeiros
séculos da era cristã até aos dias de hoje.43 Outros procuram amenizar a
aparente força das palavras de Paulo e Pedro observando que Paulo estava
falando primariamente sobre as mulheres no culto e Pedro sobre as esposas, e
assim sugerem que as diretrizes talvez se limitem aos dois ambientes citados.44
Alguns nutrem a noção
de que Pedro e Paulo realmente estavam proibindo os adornos, mas que essas
instruções dos apóstolos tratavam de situações restritas àquele tempo e
portanto não são normativas para as mulheres cristãs dos séculos XX (e XXI).45
Para concluir, existem ainda aqueles que questionam tanto a própria autoria de
Paulo e Pedro quanto a divina inspiração das suas cartas. Para esses que
desconsideram a autoridade eterna da Palavra, não existe nenhuma dificuldade ou
utilidade maior no texto além da avaliação do efeito histórico.46
B. Interpretações que
Permitem (ou Toleram) os Adornos Femininos
Por outro lado, temos
Kistemaker e outros que concluem que Paulo e Pedro não tinham a mínima intenção
de fazer com que as mulheres se abstivessem do embelezamento pessoal, ou que
andassem fora da moda, mas que não explicam como então ler o texto sem
ignorá-lo. Ele escreve: "Pedro não diz que a mulher deve se abster dos
adornos. Ele não proíbe o uso de cosméticos, nem o uso de trajes atraentes. A
ênfase de Pedro não é na proibição mas num senso apropriado de valores."47
Mas não explica! Hendriksen deixa um espaço aberto para os adornos externos
quando traduz o início de 1 Timóteo 2.9 "que as mulheres se adornem com
trajes de adorno com modéstia e bom senso…", e completa: "É claro,
portanto, que o apóstolo não condena o desejo da parte de moças e mulheres – um
desejo criado nas suas almas por seu Criador – de se adornarem, de usarem de
‘bom gosto’."48 Mas não explica!
Com relação à autoria
e autoridade das epístolas, nos unimos àqueles que consideram que os
ensinamentos desses textos bíblicos procedem realmente de Paulo e Pedro, sob a
inspiração do Espírito Santo, e que continuam sendo normativos. Temos certeza,
porém, de que eles não estavam iniciando uma nova fase na qual qualquer tipo de
adorno era categoricamente proibido às mulheres tementes a Deus. Cremos que,
realmente, estamos lidando com uma expressão idiomática semítica em ambos os
textos, e que o adorno externo não estava sendo proibido. A seguir, citamos
algumas razões.
X. UMA AVALIAÇÃO MAIS
AMPLA
A. As Proibições não
Condizem com os Outros Ensinamentos de
Paulo e Pedro
A proibição
categórica contra os enfeites femininos não condiz com qualquer outro ensino
registrado dos dois apóstolos. Em nenhum outro lugar, Paulo e Pedro proibiram
ou exigiram qualquer ação ou atitude que não fosse ligada especificamente à
ordem da criação ou à lei moral de Deus.49 Na mesma carta a Timóteo (4.1-5),
Paulo já alertou contra aqueles que "proíbem o casamento,50 exigem abstinência
de alimentos, que Deus criou para serem recebidos, com ações de graça, pelos
fiéis e por quantos conhecem plenamente a verdade; pois tudo que Deus criou é
bom, e, recebido com ações de graça, nada é recusável, porque pela palavra de
Deus, e pela oração, é santificado." Chegou a dizer que as pessoas que
ensinam a prática do ascetismo terão apostatado da fé, por terem obedecido
"a espíritos enganadores e a ensinos de demônios" (v.1).
1. O Perigo do
Ascetismo e do Legalismo
Sob a orientação do
Espírito (o Espírito afirma expressamente, 1 Tm 4.1), Paulo estava preparando
os novos crentes para não se perderem num novo legalismo. Tanto os homens
quanto as mulheres teriam que aprender a se preocupar primariamente com o
espírito da lei – a lei do amor a Deus e ao próximo. Ele empreendeu uma
campanha tremenda contra o legalismo dos judaizantes e contra aqueles que
pretendiam introduzir ou impor o ascetismo (a auto-negação) na nova fé cristã.
Romanos 14 ilustra muito bem a sua atitude. Falando sobre a questão de comidas
oferecidas aos ídolos e da observação de dias, Paulo disse: "Eu estou
persuadido no Senhor Jesus, que nenhuma coisa é de si mesma impura, salvo para
aquele que assim a considera; para esse é impura…. Porque o reino de Deus não é
comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo"
(vv.14, 17). Enquanto isso, no Concílio de Jerusalém, Pedro também lutou contra
o legalismo judaico (At 15.7, 10).
2. A Liberdade Cristã
Em 1 Coríntios 8-10,
Paulo trata do mesmo assunto: "Portanto, quer comais, quer bebais, ou
façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus" (10.31).51
Colossenses 2.20 é muito forte:
Se morrestes com
Cristo para os rudimentos do mundo, por que, como se vivêsseis no mundo, vos
sujeitais a ordenanças: Não manuseies isto, não proves aquilo, não toques
aquiloutro, segundo os preceitos e doutrinas dos homens?… Tais coisas, com
efeito, têm aparência de sabedoria, como culto de si mesmo, e falsa humildade,
e rigor ascético; todavia, não têm valor algum contra a sensualidade.
Na carta aos Gálatas,
ele escreve: "Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei,
pois, firmes e não vos submetais de novo a jugo de escravidão" (5.1). Na
subseqüente lista das obras da carne (5.19-21), encontramos somente atitudes e
ações diretamente proibidas na lei moral ou que implicam em uso exagerado de
algo que é legítimo (como glutonarias).
Continuando com o
raciocínio de Paulo, poderíamos parafrasear Romanos 14.3,13-23:
Tomai o propósito de
não pordes tropeço ou escândalo ao vosso irmão... Nenhuma coisa é de si mesma
impura, salvo para aquele que assim a considera... Quem usa adornos, para o
senhor os usa, porque dá graças a Deus; e quem não usa adornos, para o senhor
não os usa, e dá graças a Deus. Porque o reino de Deus não consiste de jóias,
penteados, roupas chiques ou cosméticos, mas de justiça, e paz, e alegria no
Espirito Santo... Quem usa adornos não despreze a que não usa; e a que não usa
não julgue a que usa, porque Deus a acolheu... Seguimos as coisas da paz e
também as da edificação de uns para com os outros. Não destruas a obra de Deus
por causa dos seus adornos... É bom não fazer qualquer coisa com que teu irmão
venha a tropeçar (ou se ofender, ou se enfraquecer)… Bem-aventurada é aquela
que não se condena naquilo que aprova. Mas aquela que tem dúvidas é condenada,
se usar, porque o que faz não provém de fé; e tudo o que não provém de fé é
pecado.
B. A Capacidade
Humana de Apreciar a Beleza é um Dom Divino
1. A Percepção da
Perfeição
Em segundo lugar, não
devemos nos esquecer nunca de que foi Deus quem nos deu a capacidade de
reconhecer, apreciar e desejar a beleza, como também de criá-la,52 ainda que de
maneira imperfeita e finita. Faz parte da imagem de Deus em nós, distorcida
pelo pecado, mas ainda existente nos seres que ele criou. É através da beleza,
da perfeição e da precisão de sua criação que ele comunica a sua existência,
personalidade e glória a nós, seres humanos (Salmo 19). E, apesar da nossa
distorcida apreensão moral, ele continua nos dotando com os cinco sentidos, com
os quais podemos e devemos perceber e nos encantar com a perfeição de cores e
simetria, melodia e harmonia, fragrância e aroma, leveza e maciez, sabor e
doçura. Somente os seres humanos têm essas percepções. Todas essas qualidades
podem ser personificadas numa única mulher, especialmente quando ela desenvolve
os dois lados do seu ser – completando e aperfeiçoando a sua formosura e
elegância exterior com a graça e excelência do seu espírito interior.
2. A Percepção da
Imperfeição
Também faz parte da
imagem de Deus em nós a rejeição inata, pelos nossos sentidos, das coisas
imperfeitas — desbotadas ou assimétricas, destoantes ou desarmoniosas,
mal-cheirosas ou sufocantes, grosseiras ou ásperas, insípidas ou amargas. A
imperfeição e deformação nunca foram obra nem desejo de Deus. São resultados do
pecado, do trabalho de Satanás no mundo. Ele nos mutilou não somente na alma,
mas também na nossa aparência. É raro não termos algo desproporcional, torto ou
até feio em nosso rosto ou corpo. E quando, porventura, nascemos e crescemos
belos, em pouco tempo o clima, as doenças, os vícios e a velhice começam a
devastar a nossa beleza . Alguém filosofou que "começamos a morrer no dia
em que nascemos." Por isso, em Eclesiastes 12, Salomão alerta os jovens
quanto à efemeridade da vida e à importância de dar valor ao seu relacionamento
espiritual, descrevendo de maneira inesquecível e marcante a triste
deterioração do corpo que acompanha o envelhecimento.
3. O valor da beleza
na Bíblia
É interessante notar
que Deus inspirou Moisés a registrar que as esposas amadas pelos três pais da
fé — os patriarcas Abraão, Isaque e Jacó — foram todas lindas. Sara era
sobremaneira formosa ao ponto de ser cobiçada por reis, Rebeca mui formosa de
aparência e Raquel formosa de porte e de semblante (Gn 12.14; 24.16; 29.17).
Enquanto isso, Lia tinha os olhos baços e a diferença na beleza física é a
única razão (registrada, pelo menos) para o fato de que Jacó amou mais a Raquel
do que a Lia — a quem até desprezou (Gn 29.17, 30, 31). Deus também deixou
registrada a importância e o impacto que a beleza física de mulheres, esposas e
noivas teve nos reis, como Davi e Salomão (1 Sm 25.3; 2 Sm 11.2; 1 Rs 11; Ct
1.10). Tudo concorre para indicar que os homens realmente refletem a capacidade
divina de apreciar a harmonia e a estética da beleza externa e, também, que
tendem a procurar e apreciar companheiras belas.53
Na sua palavra, Deus
usa o contraste entre a perfeição e a imperfeição física, tanto a estética
quanto a corpórea, para ilustrar não somente a miséria do nosso pecado mas
especialmente a beleza da nossa restauração espiritual. Já vimos a passagem em
Ezequiel 16 em que Deus descreve como ele vestiu e adornou a mulher
representando Judá, e como ele a deixou feia e nua por causa do seu pecado. E
Paulo foi divinamente inspirado, na sua carta aos Efésios, a comparar a igreja
que Cristo está preparando para si à maneira como muitas mulheres sonham ser na
sua aparência externa, e que muitos homens almejam encontrar nas suas
companheiras54 — "gloriosa, sem mácula, sem ruga, nem coisa semelhante,
porém santa e sem defeito" (Ef 5.27).
4. Roupas práticas,
ou bonitas também?
Existe, portanto, na
mente humana, a capacidade de imaginar e reconhecer a aparência ideal, bela ou
perfeita. A aparência agradável, porém, é atingível numa infinita variedade de
combinações por causa da criatividade do nosso Deus. Visualizamos essa
criatividade não somente nos seres humanos mas também no resto da criação. É
Jesus quem chama a nossa atenção para a beleza das flores no campo, falando,
curiosamente, sobre a nossa preocupação com o que vestimos (Mt 6.28-30):
E por que andais
ansiosos quanto ao vestuário? Considerai como crescem os lírios do campo: eles
não trabalham nem fiam. Eu, contudo, vos afirmo que nem Salomão, em toda a sua
glória, se vestiu como qualquer deles. Ora, se Deus veste assim a erva do
campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós outros,
homens de pequena fé?
Jesus diz que podemos
confiar em Deus para providenciar tudo que precisamos, inclusive as roupas. E
ele nem nos leva a refletir sobre a utilidade dos nossos trajes no sentido
óbvio e esperado de proteção contra nudez, calor e frio.55 Em vez disso, ele
fala da beleza das flores – uma beleza tão grande que tira o fôlego de qualquer
um que realmente pára com o propósito de olhá-las, tanto de perto quanto de
longe. E ele nos pergunta quanto mais não deveríamos esperar daquele que veste
assim as flores que são tão transitórias e tão insignificantes em termos de
valor real.
5. A Superioridade da
Beleza Interior
Deus, portanto, criou
e permite a beleza do universo e da humanidade. Faz parte da nossa natureza
apreciá-la e querer estar na presença dela. Mas, muitas vezes, nós não a temos
por completo e nem temos acesso a todos os recursos necessários para alcançá-la.
Quando, porém, somos filhos de Deus, começamos a compreender que não foi apenas
a beleza externa que foi corrompida pelo pecado. O nosso espírito — a nossa
personalidade, o nosso caráter, as nossas atitudes — tudo ficou horrivelmente
desfigurado com a queda de Adão e Eva. Isso afetou os nossos relacionamentos —
tanto o vertical quanto os horizontais. A nossa redenção, a nossa volta à
perfeição, começa internamente quando confessamos Jesus como nosso Salvador e
Senhor. Deus espera que a nossa maior preocupação agora seja com o
desenvolvimento e a expressão do nosso lado espiritual – o homem interior do
coração demonstrando a sua piedade pelas boas obras (1 Pe 3.4: 1 Tm 2.10). O
crescimento espiritual faz com que, apesar de sermos muito mais sensíveis à beleza
que pode ser encontrada em tantas coisas e seres que nos cercam, somos capazes
de apreciá-la sem fazer questão de tê-la. O ter e o aparecer não têm mais a
mesma importância, exceto quando nos são úteis em nosso serviço ao nosso
precioso Deus. E o mais maravilhoso de tudo é que ainda que a beleza externa
humana não exista ou se desvaneça com o passar do tempo, a beleza interna pode
crescer e dar expressão agradável ao corpo.
XI. O ADORNO DAS
"MULHERES PIEDOSAS"
A. As Exortações de
Paulo
Existia muita oposição
entre os gregos aos seguidores do "Caminho." Os gregos que se
mantinham através dos negócios que envolviam o culto aos ídolos se viam
ameaçados com a pregação da adoração a um único Deus (At 19.23-26). Os judeus
não queriam aceitar Jesus como o Messias e consideravam a pregação paulina como
blasfêmia.56 As mulheres romanas nas novas igrejas, estariam sendo coagidas por
seus conterrâneos a prestarem culto também ao imperador Nero.57 Em meio a
tantas dificuldades, quando muitas estavam sendo hostilizadas por suas próprias
famílias e comunidades, elas necessitavam desesperadamente de união espiritual.
Em vez disso, pode
ser que Paulo estivesse notando que certas irmãs estavam fazendo com que as
outras se sentissem desprezadas. Já que elas estavam acostumadas a se arrumar
quando iam para algum lugar importante (acontecimento talvez raro na vida de
muitas delas), agora estavam querendo levar essa prática para as reuniões
semanais (e, às vezes, diárias) da igreja. Afinal, a sua fé agora era a coisa
principal nas suas vidas. Enquanto algumas tinham que usar roupas e adereços
bem simples por força de tradição ou de pobreza, outras estavam chegando aos
cultos totalmente "produzidas" conforme o estilo da época, tendo
gasto tempo e dinheiro, dos quais as outras não dispunham, com seus penteados,
roupas e jóias. Possivelmente, os cultos em alguns lugares estavam começando a
parecer desfiles de moda! E isso poderia levar àquela acepção de pessoas tão
condenada anteriormente pelo apóstolo Tiago quando ele alertou contra a
tendência que havia no ser humano de tratar com deferência àquela pessoa que
andava "com anéis de ouro nos dedos, em trajes de luxo" e desprezar o
"pobre andrajoso" que também havia entrado para participar dos cultos
(Tg 2.1-2). Em vez de gastarem os seus esforços na demonstração de amor,
bondade, generosidade e compaixão, algumas irmãs estariam ficando orgulhosas,
vaidosas, invejosas, insensíveis. Outras não respeitavam mais a opinião dos
seus familiares e irmãos com relação àquilo que seria decente ou modesto. Não
queriam abrir mão da vontade e prazer de ter status aos olhos das pessoas que
lhes cercavam. Estava sendo difícil compreender que a sua liberdade cristã
terminava logo que ela afetava o bem-estar de outras pessoas.
Paulo queria que elas
entendessem que havia tempo e lugar para tudo. Isso não significava que as
mulheres ricas tinham que andar com roupas de pobre ou alisar os cabelos toda
vez que iam aos cultos.58 Também não seriam obrigadas a prender os cabelos e os
vestidos com enfeites de qualidade inferior. Simplesmente, era necessário que
entendessem que elas tinham que parar de ser vaidosas. Não deviam estar se
preocupando com luxo e ostentação, enquanto deixavam passar as oportunidades
para servir a Deus e à comunidade cristã com boas obras.
Da mesma forma, as
mulheres tinham que respeitar não somente as suas irmãs em Cristo, mas também
os irmãos presentes nos cultos, tanto os solteiros quanto os casados ou viúvos.
Tinham que vestir-se "em traje decente,…com modéstia e bom senso" (1
Tm 2.9).59 Nada na sua aparência deveria desviar o pensamento dos irmãos (nem
dos pastores) nem causar-lhes desconforto ou incômodo.
B. As Exortações de
Pedro
Pedro, por outro
lado, falou especificamente às esposas, judias e gentias. Algumas, com certeza,
eram esposas ou filhas de pessoas que lidavam com produtos para o adorno. É
interessante observar que o conselho sobre o exagero no adorno das esposas faz
parte duma exortação sobre como "ganhar o seu marido descrente para
Cristo." Ele começou dizendo (1 Pe 3.1-2):
Mulheres, sede vós,
igualmente, submissas a vossos próprios maridos, para que, se alguns deles
ainda não obedecem à palavra, sejam ganhos, sem palavra alguma, por meio do
procedimento de suas esposas, ao observarem o vosso honesto comportamento cheio
de temor.
Para muitas mulheres
gentias, convivendo com a realidade da época em que era comum e aceito um homem
ter uma amante e freqüentar casas de prostituição,60 Pedro estava abrindo (e
não diminuindo) o leque de possibilidades para elas ganharem os seus maridos,
não somente para Cristo, mas também para si. Elas poderiam aumentar ou
completar a sua beleza, esforçando-se para adornar a sua alma, sendo submissas
aos maridos e tendo um comportamento honesto. Ao desenvolver um espírito manso
e tranqüilo no seu lidar diário com esses homens, bons ou ruins, crentes ou
descrentes, elas poderiam esperar em Deus pelo resultado, sem temer perturbação
alguma.
Todas poderiam tirar
ânimo de Sara, que fez isso quando seu marido, Abraão, resolveu (duas vezes)
não esperar em Deus e entregá-la aos caprichos de homens perversos e
pervertidos (Gn 12.10-20 e Gn 20).61 Pedro não ensinou aqui que elas deveriam
se descuidar da aparência e arriscar a perda do amor ou do respeito dos seus
maridos. Nada disso. Nem elas deveriam jogar fora os seus vestidos bonitos e
suas jóias, insistindo com seus maridos que não mais podiam acompanhá-los aos
jantares sociais. Elas ainda podiam e deviam enfeitar-se com o propósito de
agradar os seus esposos, mas não para se ostentar a despeito da opinião deles.
Pedro insistiu, não que o aspecto exterior devesse ser negligenciado, mas que
agora o desenvolvimento do seu caráter, e o agradar aos seus maridos, deveria
ser item prioritário nas suas vidas e fazer com que elas alcançassem uma beleza
mais completa, duradoura e satisfatória.
Pode ter sido também
que algumas mulheres estivessem enlouquecendo seus esposos com a sua
insistência em seguir a moda. Tinham que ter mais e mais dinheiro para comprar
novos tecidos e jóias e, em vez de cuidarem das suas casas e famílias, gastavam
seu tempo preparando e mantendo seus penteados e aparência. Seria realmente
difícil para um marido daquele tempo dormir ao lado duma mulher tentando
preservar um penteado igual a alguns que vemos nas estátuas da época! Podemos
imaginar algum marido irado se queixando a Pedro sobre a sua experiência nesse
sentido. Algumas simplesmente não estavam ligando mais para a opinião dos seus
cônjuges, talvez por achar que não tinham mais autoridade por não serem
crentes. Além disso, Pedro estava alertando-as de que as perseguições já em
andamento iriam aumentar (com as perseguições de Nero, ver 1 Pe 4.12-19). Se
elas se prendessem demais aos seus adornos e à sua posição social, não estariam
prontas para renunciar a tudo por amor a Deus, na hora da provação.
CONCLUSÕES
A. A Mulher Cristã
Pode se Enfeitar
Concluímos, então,
que a Bíblia não apoia a proibição absoluta aos adornos femininos, nem nas duas
passagens em questão e nem em qualquer outro lugar. Vimos que existem outras
passagens que contêm comparações ou contrastes que necessitam receber uma
leitura alternativa por representarem expressões idiomáticas semíticas.
Examinamos as outras passagens sobre adornos e comprovamos que não contêm
condenação. Verificamos o repúdio bíblico ao ascetismo e ao legalismo.
Confirmamos que a apreciação do belo é algo que nos é dado por Deus. Percebemos
que uma proibição não é compatível com o espírito e o exemplo de Paulo e Pedro.
Assim sendo, podemos inferir que, nos textos principais examinados, realmente estamos
lidando com uma peculiaridade de expressão idiomática-cultural, no contraste
traçado entre os adornos exterior e interior, sem receio nenhum de estarmos
torcendo a intenção das palavras inspiradas dos apóstolos.
B. A Beleza do
Espírito Deve Ultrapassar a Beleza do Corpo
Mas não podemos nos
empolgar demais com essa descoberta e esquecer que a parte mais importante (o
"especialmente" ou o "muito mais") de ambos os versículos
da controvérsia se encontra na outra metade. Há dois tipos de adornos, sim. Estabelecemos
que não podemos dizer que um tipo está errado e o outro certo. Mas o contraste
continua existindo, e esse contraste é entre uma beleza exterior e uma beleza
interior ou entre um adorno inferior e um adorno muito superior. Todavia, não é
interditando o primeiro que iremos chegar à plena realização do segundo.
C. Equilibrando as
Duas Belezas
O nosso entendimento
não deve, portanto, parar aqui, pois é exatamente esta compreensão (que a
beleza interior é infinitamente superior à exterior) que torna uma comunidade
cristã tão especial. Pessoas fisicamente feias ou deformadas são sinceramente
respeitadas e amadas por seu caráter, dons e atitudes. Há lugar para todos. Não
é preciso ser bonito, rico, elegantemente vestido ou adornado para ter
aceitação entre nós.
Por outro lado, a
beleza externa pode ser promovida e utilizada para glorificar a Deus, sempre
dentro do contexto das palavras de Pedro — com decência, modéstia e bom senso.
A beleza natural pode ser realçada, os defeitos ocultados, as marcas do tempo
atenuadas, as gorduras e celulites combatidas, as roupas serem modernas,
elegantes e combinadas. Mas quando a mulher que se diz cristã gasta mais tempo,
dinheiro e esforço com a sua aparência física de que com o desenvolvimento do
"fruto do espírito" (como a mansidão e a tranqüilidade que Pedro
cita), algo está muito errado!
D. O Desafio Continua
Agora que conhecemos
a situação das mulheres que receberam as orientações de Paulo e de Pedro sobre
os seus adornos, penso que podemos nos identificar muito melhor com elas e
aplicar as lições que elas tiveram que aprender às nossas vidas também.
Sentadas nos bancos das nossas igrejas brasileiras, há uma diversidade
igualmente grande de mulheres e moças. Somos pobres, ricas ou de classe
média... Somos analfabetas, letradas, empregadas, patroas, profissionais, donas
de casa... Somos solteiras, divorciadas, casadas, viúvas... Somos morenas,
indígenas, brancas, orientais... Somos nordestinas, nortistas, paulistas,
cariocas, gaúchas, estrangeiras... Algumas são crentes novas, enquanto outras
cresceram na fé. Várias têm que conviver com maridos ou parentes descrentes.
Juntas, temos oportunidades incríveis para mostrar e sentir amor e tolerância
de maneiras inéditas e preciosas.
Como elas, vivemos
numa sociedade onde há leis mas nem sempre a justiça está ao alcance de todos.
Podemos gastar o nosso tempo e dinheiro ajudando e aliviando os irmãos que não
conseguem aquilo que deveria ser seu direito. O nosso mundo, como o delas, está
cheio de oportunidades para servir a Deus. Bem presente em nosso meio, também,
está a falta de valorização da vida humana demonstrada na violência nas ruas e
nos lares das nossas cidades. Agora, como então, precisamos nos engajar na
pregação e no ensino das verdades bíblicas para que possa ser revertida essa
situação lamentável em nosso país, através de vidas transformadas para a glória
de Deus!
Do mesmo modo,
algumas pessoas que não tem nada a ver conosco, como as mulheres romanas na
Ásia Menor, ditam o corte dos nossos cabelos, o comprimento, a cor e a marca
das nossas roupas e até o formato aceitável das nossas bijuterias, cintos e
sapatos. Status, auto-estima e aceitação para muitas mulheres estão diretamente
ligados aos caprichos dessa minoria. Querem mandar em cada pormenor do nosso
visual, e fazem com que nós nos sintamos culpadas e incompletas quando algo em
nós ou em nossas filhas não está em conformidade com os modismos da época. Da
mesma forma que as asiáticas sob a pax romana, estamos começando a gozar de
estabilidade econômica, com uma crescente oferta de produtos e serviços
nacionais e importados destinados a melhorar o nosso exterior.
E. O Nosso Desafio é
Maior
Nem tudo é igual,
entretanto. Antigamente, não existiam os meios de comunicação dos quais
desfrutamos hoje em dia. Os convites e as oportunidades para o embelezamento
eram mais infreqüentes. Atualmente, o fascínio com a aparência externa é
generalizado numa sociedade que maximiza a realização pessoal e a
"perfeição" do corpo humano duma maneira nunca vista antes. Somos
bombardeados por todos os lados. Até nas filas dos supermercados, os nossos
olhos caem nas capas das revistas e objetos colocados estrategicamente para nos
chamar a atenção. Somos convidados a partilhar dos segredos de beleza e da
forma física de alguma atriz ou personagem televisiva, ou a experimentar o mais
novo produto para disfarçar ou eliminar algo em nós que sabemos não ser
atraente. Confusas, corremos de um produto para outro, enchendo os nossos
armários com um sem número de frascos e potes rejeitados quando ainda quase
cheios, sem coragem de colocá-los no lixo, pois isso confirmaria a nossa
sensação de ter jogado dinheiro fora. Quando finalmente resolvemos comprar uma
roupa ou um sapato para a nossa filha, ficamos estarrecidas em saber um mês
depois que "ninguém mais usa isso, mãe!" É preciso, com certeza,
muita sabedoria (e oração) para estabelecer os limites entre o necessário e o
supérfluo e para saber quando, e o que, comprar ou fazer. Temos que ser cristãs
criteriosas, exercendo bem a liberdade de escolha pela qual Paulo tanto lutou.
F. Corpo e Alma – a
Serviço do Criador da Beleza
Quando realmente nos
conscientizarmos de que existem valores superiores e que o nosso tempo e
dinheiro são preciosas dádivas de Deus, daremos menos importância àqueles
detalhes do nosso aspecto exterior que não podemos ou que talvez não devemos
modificar, seja por razões financeiras, circunstanciais ou espirituais. Não
conseguiremos mais passar horas a fio com cabeleireiros, manicuras ou em
academias lutando unicamente para embelezar o nosso corpo enquanto muitos
sofrem e morrem ao nosso redor. Mesmo assim, conseguiremos ser realmente
lindas, felizes e realizadas com o desenvolvimento do nosso "adorno"
interior — mesmo sendo imperfeitas, envelhecidas ou desgastadas externamente —
se estivermos estudando e vivendo de acordo com o manual que o Criador da beleza
nos deu para indicar e iluminar o caminho daqueles que o amam. Em contraste com
muitas das nossas irmãs do passado, temos à nossa disposição não somente a
Bíblia inteira como também acesso a inúmeras pessoas, cursos, livros e
periódicos capazes de nos facilitar o crescimento espiritual.
De Paulo e Pedro
aprendemos que não devemos deixar que haja luxo ou ostentação em nossa
aparência que possa afastar ou entristecer alguma irmã. Não vamos gastar as
nossas horas e economias para satisfazer apenas a nossa própria vaidade.
Devemos ser modestas e decentes e assim não iremos prejudicar ou tentar os
nossos colegas masculinos de trabalho ou de escola, ou os nossos irmãos e
pastores na igreja, evitando o vestir e adornar a nós mesmas com o propósito de
sermos "sexy" ou sensuais. Dediquemos os nossos corpos, inteiramente,
ao Deus que nos deu propósito de vida e valor intrínseco e eterno. Usemos esses
mesmos corpos para externar uma personalidade transformada por ele, com todas
as qualidades que uma filha dele pode ter. Sejamos verdadeiras filhas de Sara
(1 Pe 3.6), tendo o privilégio e a obrigação de procurar e complementar duas
belezas legítimas enquanto nos esforçamos para cumprir a nossa missão terrena
da melhor maneira possível, em gratidão àquele que nos "chamou das trevas
para sua maravilhosa luz" (1 Pe 2.11).
"Acaso não
sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que está em vós, o qual
tendes da parte de Deus, e que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados
por preço. Agora, pois, glorificai a Deus no vosso corpo" (1 Co 6.19-20).
English Abstract
In this article, the author deals with the two
portions of Scripture (1 Tm 2 and 1 Pe 3) that seem to specifically forbid
external adornment for women. She points out the importance of a proper interpretation
of these passages since both exhortations are woven into apostolic instructions
as to the roles of men and women in worship and in the home. Therefore, if
Christians are led to believe that God does not really forbid women to beautify
their outward appearance (without scriptural substantiation for this deduction)
then the next logical conclusion is that God perhaps does not mean what the
texts appear to say about male leadership. Mrs. Portela proceeds to review the
places in Scripture where adornments appear, pointing out their customary use
by God´s servants and even by the Creator himself when he wished to illustrate
the extent of his love for his people. Subsequently, she points out that in
many places in Scripture, the inspired writers and speakers used the usual
Semitic manner of comparing and contrasting in which a negative is used but not
understood (v.g., Genesis 45.4,8 and Luke 14.12). This may be applied to the
verses in debate so that the affirmations become a contrast between an inferior
and a superior adornment rather between one that is forbidden and another that
is acceptable. She continues by pointing out that a specific prohibition of
women’s adornment does not fit in with the teachings of Paul and Peter, for
they severely criticize and combat any form of legalism or asceticism.
Furthermore, she establishes that the capacity to recognize, appreciate and
desire beauty through the five senses continues to be a gift from God. She
concludes that the apostles were not prohibiting external adornment but were
warning against ostentation, immodesty and indecency. They were encouraging a
perspective which only those who love God can have, in which the concern for
the outward appearance becomes secondary to the development of the much more
lovely and enduring fruit of the spirit — the inner adornment — of good works
and considerate relationships, both within the home and in the church.
NOTAS
1 A pesquisa inicial
que resultou neste ensaio atendeu a uma necessidade real e não meramente
acadêmica. Foi em resposta a um pedido de socorro de uma amiga a respeito desse
assunto. Ela considerava-se uma crente fiel e era supervisora entusiasmada de
um grande número de vendedoras de cosméticos. Depois de anos de oração pela
conversão do marido, Deus concedeu o seu pedido. Ele aceitou a Cristo com muita
alegria e acolheu com entusiasmo as doutrinas da igreja na qual se converteu.
Foi então que surgiu entre eles um desentendimento maior do que qualquer um
anterior à sua conversão. Com a Bíblia na mão, ele começou a sugerir que ela
deixasse a sua profissão e que ela mesma parasse de usar os seus cosméticos,
como também as bijuterias, as calças compridas… Chorando, ela nos telefonou,
querendo saber se ele tinha mesmo razão na sua interpretação.
2 2 Reis 9.30. Jezabel,
mulher extremamente má, se pintou em volta dos olhos, enfeitou a cabeça… e foi
jogada da janela pelos seus próprios servos.
3 Exemplos: A. Maude
Royden, The Church and Woman (Nova York: George H. Doran, 1925?); Ruben Duffles
Andrade, A Mulher na Igreja (São Paulo, 1995) – manuscrito não publicado; Zélia
Fávero Maranhão, O Erro Monumental da Igreja Cristã (São Paulo, 1994).
4 Os mesmos homens
merecem tremendo respeito e a eterna gratidão de todos na igreja cristã por
seus esforços em outras áreas e até pelo desenvolvimento correto da perspectiva
bíblica sobre os papéis distintos do homem e da mulher na igreja e no lar. Mas,
ao tentar responder à amiga que solicitou o ponto de vista bíblico sobre
adornos, foi muito frustrante verificar, enquanto pesquisava, que os
comentaristas mais conceituados do passado (e alguns do presente) nunca tentam
explicar os textos considerando um possível interesse feminino no assunto. Eles
acatam as aparentes proibições friamente e depois passam páginas inteiras
explicando o significado de modéstia, decência e, especialmente, submissão. Não
preparam os pastores, que procuram compreender as passagens pela leitura dos
seus comentários, para responder às "Priscilas" nas suas igrejas que
são capazes de compreensões e deduções teológicas e que perguntam, por exemplo,
sobre as outras passagens que falam sobre adornos. O tratamento antigo mais
caridoso encontrado foi de Barnes (1798-1870). Ver Albert Barnes, Barnes’ Notes
on the Old and New Testaments: Psalms (Grand Rapids: Baker Book House, 1964),
1135, 1415.
5 John Piper e Wayne
Grudem, Homem e Mulher (São José dos Campos: Editora Fiel, 1996), 14-19. Esse
livro tem um excelente tratamento sobre a perspectiva bíblica da masculinidade
e da feminilidade, apontando também muitas coisas que a masculinidade madura
não devem significar.
6 Os homens devem ter
consideração para com as mulheres, tratando-as com dignidade como herdeiras da
mesma graça (1 Pe 3.7).
7 Filo, As Leis
Especiais, I, 201 (ênfase minha).
8 Talmude, Menahoth
43-44. Não temos certeza se os judeus já estavam orando assim nessa época, mas
a oração não destoa dos seus outros ensinamentos (extra-bíblicos) a respeito de
mulheres.
9 "Temple, Jerusalem," em The
Zondervan Pictorial Encyclopedia of the Bible (Grand Rapids: Zondervan, 1975),
V, 650.
10 "Potinhos e
apetrechos para pintar o rosto, feitos de osso, marfim ou metal, assim com
espátulas para espalhar cosméticos" estão entre os objetos mais
encontrados nas escavações arqueológicas dessa época na Palestina, evidência de
que eram usados regularmente pelas mulheres judias. Ver Henri Daniel-Rops, A
Vida Diária nos Tempos de Jesus (São Paulo: Vida Nova, 1986), 197-198. No mesmo
trecho, Daniel-Rops conta que no tratado Shabbath do Talmude (c. 35 DC), a
norma "mais desagradável para as mulheres era com certeza aquela que
impedia que trançassem, encrespassem ou pusessem fitas e ornamentos no cabelo
no dia de descanso" (adornar-se era considerado "trabalho" –
outra indicação de que era permitido em outros dias e ocasiões).
11 Tertuliano, O Véu
das Virgens, Cap. 12.
12 Cipriano, A
Vestimenta das Virgens, Cap. 12. No Cap. 8, ele cita as passagens em debate.
13 Jerônimo, Carta
54, 7.
14 Sem entrar em
pormenores, partimos do ponto de vista de muitos expositores conceituados
(Hendriksen, Tenney, Machen, Ryrie, Lenski, Guthrie, Grudem…) de que Pedro e
Paulo foram os autores de 1 Pedro e 1 Timóteo. Também que Pedro mandou a sua
carta de Roma e que Paulo escreveu a sua para Timóteo talvez da Macedônia,
antes de ser preso e levado a Roma pela segunda vez. Isso explica por que
Lucas, no livro de Atos, não se refere à presença de Pedro em Roma e por que
Pedro não menciona Paulo juntamente com as saudações de Marcos (1 Pe 5.13).
15 1 Timóteo 1.3. Ver
C.C. Ryrie, A Bíblia Anotada (São Paulo: Mundo Cristão, 1994), 1515.
16 A mãe, duas
esposas e várias mulheres que recusaram os seus avanços – ou os maridos delas –
foram forçadas a cometer suicídio ou morreram envenenadas ou pela violência de
Nero. Suetônio, Vida dos Doze Césares: Nero, 32-37. O historiador Suetônio (c.
70-130 DC) é uma das fontes mais citadas sobre a vida de Nero. A outra é Tácito
(c. 55-117 DC).
17 Além de ser
cidadão romano era preciso, muitas vezes, ser rico, famoso ou poderoso e viver
agradando os caprichos dos governantes para poder ter os direitos defendidos
num tribunal. Até uma leitura superficial dos escritos de Tácito e Suetônio
impressiona pela quantidade de pessoas ilustres que foram forçadas a se
suicidar por Nero, inclusive o estadista e filosofo estóico Sêneca (Tácito,
Anais, V, 60-64).
18 Edith Hamilton, The Roman Way to Western
Civilization (Nova York: Mentor Books, 1959), 110-111. "A
engenhosidade humana em inventar novos e mais divertidos tipos de carnificina
finalmente se esgotou e o único recurso que sobrou para agradar os espectadores
impacientes foi aumentar o número de participantes".
19 Suetônio, Doze
Césares, VI, Nero, 38; Tácito, Anais, XV, 38-44.
20 De acordo com o
historiador Eusébio, Pedro foi crucificado de cabeça para baixo e Paulo
decapitado. Zondervan Pictorial Encyclopedia, V. 4, "Paul, the
Apostle," 654; "Peter, Simon", 739.
21 Suetônio, Doze
Césares: Nero, 30.
22 Não incluídas
estavam a Lícia, a Panfília e a Cilícia. Encyclopaedia
Britannica (Chicago: Encyclopaedia Britannica, 1971), V. 2, "Asia
Minor," 605.
23 Zondervan Pictorial Encyclopedia, V. 1,
"Asia," 364.
24 Funk & Wagnalls New Encyclopedia (Nova
York: Funk & Wagnalls, 1979), V. 20, "Renaissance," 220. Hamilton
diz (nos anos 30): "A nossa era mecânica e industrial é a única realização
que pode ser comparada às da Roma durante os 2000 anos que se passaram."
Roman Way, 151.
25 Como Homero e
Heródoto, Esopo, Hipócrates e Galeno, Asclepíades, Pitágoras, Hipodamus de
Mileto, observação substanciada em extensa pesquisa da autora.
26 Exemplos: a Vênus
de Milo, o Gaulês Moribundo e a Nike de Samotrácia. Enciclopédia Britânica, V.
10, "Greek Art," 848.
27 Eram o Templo de
Ártemis em Éfeso, o Colosso de Rodes e o Mausoléu de Halicarnasso. Funk & Wagnalls, V. 21, "Seven Wonders of the Ancient
World," 270.
28 Zondervan Pictorial Encyclopedia, V. 3,
"Lystra," 1015.
29 Zondervan Pictorial Encyclopedia, V. 1,
"Aquila and Priscilla," 232; Michael Green, Evangelism in the Early
Church (Grand Rapids: Eerdmans, 1970), 222-3.
30 Zondervan Pictorial Encyclopedia, V. 1, "Apphia,"
227; William Hendriksen, Colossians and Philemon (Grand Rapids: Baker, 1964),
193.
31 Enciclopédia
Britânica, V. 19, "Roman History: II. The Empire," 536 cita a opinião
do famoso historiador Edward Gibbon de que a humanidade nunca foi mais feliz do
que nesse período.
32 Zondervan Pictorial Encyclopedia, V. 1,
"Cloth," 893; V. 5, "Thyatira," 743.
33 Funk &
Wagnalls, V. 8, "Embroidery," 492.
34 O governador
romano Pôncio Pilatos foi morar na Palestina acompanhado por sua esposa (Mt
27.19) e Germânico, avô do imperador Nero, sempre esteve acompanhado pela
esposa (e filhos) em todas as suas campanhas militares, inclusive na Ásia Menor
(Tácito, Anais, Livro I, 40; Livro II, 54).
35 Algumas eram
judias cristãs recém-chegadas após terem sofrido violentas perseguições pelos
seus conterrâneos na Palestina que rejeitavam a nova "seita". Estavam
tendo que conviver com línguas e costumes novos e estranhos e, enquanto as mais
velhas provavelmente zelavam pelas tradições antigas, as mais novas estariam
sendo tentadas a assimilar as novidades do seu lar atual. Mas, como vimos (nota
10), elas tinham as suas roupas bonitas, jóias e cosméticos.
36 Green, Evangelism in the Early Church,
118-119.
37 Por exemplo: Êxodo
29 e Levítico 22.
38 Ralph Woodrow, Women’s Adornment: What Does
the Bible Really Say? (Riverside, CA: R. Woodrow, 1976), 17.
39 I. Howard Marshall, The Gospel of Luke: A
Commentary on the Greek Text, The New International Greek Testament Commentary
(Grand Rapids: Eerdmans, 1978), 583. Comentando uma outra passagem (Lc
10.20), na qual Jesus falou aos setenta discípulos que voltaram alegres porque
os demônios estavam sendo expulsos por eles, dizendo "Alegrai-vos, não
porque os espíritos vos submetem, e, sim, porque os vossos nomes estão
arrolados nos céus," ele esclarece: "O que foi dito provavelmente
deve ser interpretado em termos de uma expressão idiomática semítica que
significa, ‘Não vos alegreis primariamente porque… mas muito mais porque…’ (ver
ainda 12.4; 14.12; 23.28; Jr 7.22; Os 6.6; 1 Co 1.17; Mt 10.20; Mc 9.37; Jo
7.16; 12.44)". Outro autor fala de semitismos no uso de antônimos
referindo-se a Mt 10.37 e Lc 14.26 — Walter C. Kaiser, Jr., Towards Old
Testament Ethics (Grand Rapids: Zondervan, 1983), 252. Podemos considerar,
portanto, que existem negativos de exclusão e negativos de priorização, cuja
identificação é extremamente importante para o correto entendimento do texto.
40 Barnes, Notes on the Old and New Testaments:
Psalms, 90.
41 Na nossa própria
experiência, como filha de pais holandeses radicados no Canadá depois de
adultos, temos verificado a persistência de construções gramaticais
características da língua holandesa no modo de expressar-se da geração
imigrante, ainda após trinta, quarenta ou até cinqüenta anos de familiaridade
com a língua inglesa, especialmente por aqueles que continuam convivendo nas
igrejas reformadas de origem holandesa.
42 H.D.M. Spence e
Joseph S. Exell, eds., The Pulpit Commentary, V. 22 (Grand Rapids: Eerdmans,
1980), 129, comentam sobre 1 Pedro 3.3 dizendo que Pedro estava utilizando um
"hebraismo comum". Woodrow, Women´s Adornment, fala de "Hebrew
idiom" — uma "expressão idiomática hebraica." Preferimos a
terminologia de Marshall (nota 14), que se refere a uma "expressão
idiomática semítica," por ser mais ampla, já que estamos tratando do
hebraico e do aramaico.
43 Josué A. de
Oliveira, A Mulher nos Planos de Deus (São Paulo: Cultura Cristã, 1989),
96-123. Gordon D. Fee, Novo Comentário Bíblico Contemporâneo, 1 e 2 Timóteo,
Tito (Deerfield, FL: Editora Vida, 1994), 81. "Há grande agregado de
evidências, tanto helenísticas quanto judaicas, que fazem os ‘vestidos
dispendiosos’ das mulheres eqüivaler à leviandade sexual, ou à insubordinação
conjugal". Ele cita uma frase antiga: "Uma esposa que gosta de adorno
não é fiel." Sextus, 513.
44 Exemplo: J.N.D.
Kelly, I e II Timóteo e Tito: Introdução e Comentário (São Paulo: Vida Nova e
Mundo Cristão, 1963), 69.
45 Ver Nota 3.
46 A.T. Hanson, The Pastoral Epistles: New
Century Commentary (Grand Rapids: Eerdmans, 1982), 6-7, duvida da autoria de
Paulo.
47 Simon J. Kistemaker, New Testament
Commentaries: Exposition of the Epistles of Peter (Grand Rapids: Baker, 1987),
120. George H. Cramer, First and Second Peter (Chicago: Moody Press,
1967), 47, e H. A. Ironside, Timothy, Titus and Philemon (Neptune, NJ: Loizeux
Bros, 1947), 66, e muitos outros, especialmente os que comentam ao nível de
leigos, declaram impossível a proibição de adornos; também senhoras consagradas
como Eugenia Price, De Mulher para Mulher (São Paulo: Mundo Cristão, 1987), 69.
48 William Hendriksen, I-II Timothy and Titus
(Grand Rapids: Baker, 1972), 105-106.
49 Com uma exceção
que pode ser explicada. No primeiro concílio eclesiástico da igreja nascente
(Atos 15), os apóstolos reunidos em Jerusalém incluem a abstenção das coisas
sacrificadas a ídolos, bem como do sangue e da carne de animais sufocados nas
suas orientações aos gentios recém-convertidos (v. 29). Paulo, posteriormente,
partindo da realidade vivida nos países fora da Palestina onde era extremamente
difícil verificar se algo havia sido sacrificado a ídolos antes de ser vendido,
reavalia a situação e dá novas orientações (Rm 14). Van Groningen diz que essa
passagem de Atos 15 representa "uma aplicação temporária de uma verdade
moral e perpétua a uma igreja numa situação histórica específica e
temporária". G. Van Groningen, The Sabbath Sunday Problem
(Geelong, Australia: Hilltop Press, 1968), 15.
50 A maioria dos
subseqüentes Pais da Igreja durante os primeiros séculos teve problemas em
seguir esse preceito. O dualismo grego já anteriormente adotado pelos judeus
helenísticos, em que o corpo representava o maligno e o espírito o divino, lhes
era muito atraente. Tertuliano (c. 150-220 DC) disse que Paulo ensinou que era
"‘BOM que o homem não toque mulher.’ Segue que o MAL consiste em tocá-la,
pois não há nada contrário ao bom além do mal" (Sobre Monogamia, Capítulo
3). A falta de continência que resultava em casamento era para ele uma
"enfermidade" tolerada mas não aprovada por Deus. Cipriano (c. 250
DC) concluiu que a recompensa celestial das virgens era altíssima (sessenta por
um – superada apenas pela dos mártires – cem por um), pois o dom da continência
era ensinado por Paulo, e a virgindade enaltecida (A Vestimenta das Virgens,
21,4). Essa atitude levava, automaticamente, à condenação total do uso de
adornos – já que esses fariam a mulher mais atraente e levariam a situações de
tentação (Ibid., Capítulo 5). Os Pais da Igreja gastaram muito mais tinta e
papel com recomendações às virgens do que para as esposas, pois, para a maioria
deles, essas já se encontravam num estado espiritual de segunda categoria.
51 Machen diz,
"O problema básico da conduta cristã é como aplicar os princípios elevados
do evangelho à rotina da vida diária. Não é possível resolver detalhadamente
esse problema para homem nenhum, pois os detalhes da vida são de uma variedade
infindável; mas o método para a solução está em 1 Coríntios. J. Gresham Machen, The New Testament: An Introduction to its Literature
and History (Edimburgo: Banner of Truth, 1976), 132.
52 Hendriksen, I-II Timothy and Titus, 106.
53 É verdade que
houve complicações sérias nas vidas de todos eles por causa da importância
extremada dada à beleza externa, por eles ou pelos outros. Não havia nesses
casos a apreciação apropriada da beleza interior que Paulo e Pedro tanto
destacaram nos seus textos, e eles sofreram as conseqüências. Destacamos,
porém, que o homem não mudou, e que continua sendo natural ele apreciar a
beleza externa nas representantes do sexo feminino. Esse fato se faz importante
ao avaliarmos a legitimidade dos adornos femininos.
54 Por mais que
homens crentes sejam consagrados a Deus e prontos para seguir a sua liderança
na escolha da sua esposa, é a minha opinião que não há dúvida que eles primeiro
olham as moças formosas de porte e de semblante (como Raquel em Gn 29.17). Eu
mesma tenho 99% de certeza que meu próprio marido (que já se destacava pela
fidelidade a Deus e que recebeu dele uma apreciação muito especial pela ordem,
lógica, simetria e beleza da criação) não teria procurado conhecer e namorar
uma estrangeira do outro lado do mundo se ela não lhe chamasse primeiro a
atenção pela aparência externa que Deus permitiu que tivesse naquela época. (E
o mesmo foi verdade para mim. É o Senhor Deus que vê primeiro o coração, mas o
homem enxerga primeiro o exterior – 1 Sm 16.7). Por isso mesmo, nestes dias em
que casamentos não são mais arranjados pelos pais, penso que Deus dá todo
direito às moças que querem encontrar um marido cristão a se completarem e
aperfeiçoarem com os adornos e cosméticos que lhes competem, com bom senso e
modéstia, não no sentido de enganar, iludir ou ludibriá-lo, mas para que ele
possa dar suficiente atenção a elas para perceber as suas outras qualidades
mais duradouras e mais valiosas.
55 Edith Schaeffer, Hidden Art (Wheaton, Ill.:
Tyndale House Publishers, 1977), 182-186. Edith Schaeffer foi esposa e
colaboradora do já falecido filosofo e teólogo Francis Schaeffer. Depois de
descrever, com detalhes minuciosos e lindos, seu prazer na grande beleza e
variedade de cores, texturas e formas das flores que conhece, ela declara que é
importante que o cristão viva estética, artística e criativamente,
representando nas suas roupas aquele que desenhou, criou e vestiu as flores.
Questiona se o Criador, que declara que seus filhos são ainda mais importantes
do que essas belas flores, os obriga a esperar e procurar apenas roupas
monótonas, sombrias ou feias das mãos dele.
56 Os judeus
recém-convertidos devem ter sofrido muito com o preconceito e a oposição dos
seus familiares e amigos nas comunidades em que viviam. Basta examinar com
cuidado os relatos da primeira passagem de Paulo pelas cidades da Ásia Menor.
Foi expulso de Antioquia da Pisídia (At 13.50) e apedrejado tanto em Icônio
quanto em Listra (At 14.5, 19) por causa da oposição dos líderes judaicos.
57 Trabalho dos
"asiarcas" citados no mesmo capítulo (19.31). A sua função principal
era cuidar da adoração ao imperador e a Roma na província da Ásia (Zondervan
Pictorial Encyclopedia, V. 1, "Asiarchs," 365).
58 Apesar de ser
evidente que Paulo está falando especialmente sobre as mulheres nos cultos,
nota-se que aquilo que é contrastado ao adorno externo são as boas obras (1 Tm
2.10), que seriam praticadas mais fora do que dentro da igreja per se. Assim
sendo, as orientações são mais amplas, ao nosso ver.
59 Hendriksen, I-II
Timothy and Titus, 105-106 diz que "modéstia indica um senso de vergonha,
um recusar-se a ultrapassar os limites da propriedade, uma reserva apropriada.
Bom senso literalmente significa sanidade mental … vestir-se com
sensatez". Ele argumenta contra a tradução com decência e sugere que a
mais correta seria em trajes de adorno (não por discordar que a decência também
seja requerida por Deus das mulheres cristãs, mas porque acredita que Paulo
estava alertando contra o exagero e não contra o adorno em si).
60 "Mantemos
amantes para o nosso prazer, concubinas para o concubinato diário, mas esposas
nós temos para produzir filhos legitimamente e para ter uma guardiã de
confiança da nossa propriedade doméstica." O orador Demóstenes em Contra
Neaera em Athenaeus of Naucratis, The Deipnosophists, Book XIII: Concerning
Women (Loeb Classical Library, 1937). Internet:
http://user42.blue.aol.com/heliogabby/deipnon/deipnon.htm.
61 Não é disso,
certamente, que a maioria dos homens se lembra quando pensa em Abraão, mas é o
que vem primeiro à mente de muitas mulheres quando pensam no relacionamento de
Sara com ele. Junta-se a isso o fato de o amor de Abraão por Sara não ter feito
com que ele se recusasse a dormir com Hagar (Gn 16.1-4) e temos um prato cheio
para qualquer estudo feminino contemporâneo sobre esse casal patriarcal. Penso
que esses acontecimentos e o registro da intervenção divina livrando e
abençoando a Sara após todos os três vinham (e vêm) à mente das mulheres (até
de homens crentes) que liam (e lêem) as palavras para esposas de maridos que
não obedecem à palavra. Em contrapartida, ninguém duvida de que Sara se
enfeitasse (nota 51) e assim o seu exemplo seria apenas no segundo tipo de
adorno – o adorno superior – o homem interior do coração.