O CRISTÃO PODE ANDAR
ARMADO ?
Sua dúvida é se o
cristão poderia andar armado ou ter armas em casa para defesa própria e de sua
família. Alguns tomam o episódio em que o Senhor diz aos discípulos para
comprarem uma espada como um aval para o cristão andar armado para se defender.
Será que foi isto o que o Senhor quis dizer ali?
“Então Jesus lhes perguntou:
‘Quando eu os enviei sem bolsa, saco de viagem ou sandálias, faltou-lhes alguma
coisa?’ ‘Nada’, responderam eles. Ele lhes disse: ‘Mas agora, se vocês têm
bolsa, levem-na, e também o saco de viagem; e se não têm espada, vendam a sua
capa e comprem uma. Está escrito: ‘E ele foi contado com os transgressores’; e
eu lhes digo que isto precisa cumprir-se em mim. Sim, o que está escrito a meu
respeito está para se cumprir’. Os discípulos disseram: ‘Vê, Senhor, aqui estão
duas espadas’. ‘Basta!’, respondeu ele.” (Lc 22:35-38).
Imagine que você seja
um advogado inexperiente e seu chefe lhe diga:“Amanhã deixarei você assumir as
rédeas no julgamento. Prepare-se, pois vai ser briga de foice”. No dia seguinte
você é preso no fórum, armado de foice e tentando colocar um cabresto no juiz.
Jesus aqui usa linguagem figurada para dizer aos discípulos que devem se
preparar para o pior.
Levar “bolsa” e “saco
de viagem” é o mesmo que dizer para se abastecerem de dinheiro e roupas. E a
espada? Que eles se sentiriam em meio a uma ‘briga de foice’. Os discípulos
levam ao pé da letra e nem mencionam a bolsa e o saco de viagem. Não se sabe de
onde eles logo tiram “duas espadas”. O Senhor lhes diz “Basta!”, não no sentido
de que duas seriam suficientes, mas que aquele assunto estava encerrado. Se não
fosse assim, como conciliar o ensino do mesmo Jesus? Pois foi ele quem disse:
“O meu Reino não é
deste mundo. Se fosse, os meus servos lutariam para impedir que os judeus me
prendessem... Não resistam ao perverso. Se alguém o ferir na face direita,
ofereça-lhe também a outra. E se alguém quiser processá-lo e tirar-lhe a
túnica, deixe que leve também a capa. Se alguém o forçar a caminhar com ele uma
milha, vá com ele duas... Amem os seus inimigos e orem pelos que os perseguem.”
(Jo 18:36; Mt 5:39-44).
Os discípulos não
entenderam e foram repreendidos, quando um deles “puxou a espada e feriu o
servo do sumo sacerdote, decepando-lhe a orelha. Disse-lhe Jesus: 'Guarde a
espada! Pois todos os que empunham a espada, pela espada morrerão'.” (Mt
26:51-53). Cristo não tinha vindo tirar vidas. Pedro, o ‘cortador de orelhas’,
mais tarde escreveria: “Cristo sofreu no lugar de vocês, deixando-lhes exemplo,
para que sigam os seus passos... Ele não cometeu pecado algum, e nenhum engano
foi encontrado em sua boca. Quando insultado, não revidava; quando sofria, não
fazia ameaças, mas entregava-se àquele que julga com justiça.” (1 Pe 2:21-23).
Quando os samaritanos
não quiseram receber Jesus em sua aldeia, os discípulos acharam que aquilo era
razão suficiente para usar o poder que tinham visto em prática quando o Senhor
e eles próprios faziam maravilhas. Afinal, no Antigo Testamento eles tinham até
casos de destruição literal de ímpios operadas pelos profetas. Por que não agir
do mesmo modo? "Os seus discípulos, Tiago e João, vendo isto, disseram:
Senhor, queres que digamos que desça fogo do céu e os consuma, como Elias
também fez? Voltando-se, porém, repreendeu-os, e disse: Vós não sabeis de que
espírito sois. Porque o Filho do homem não veio para destruir as almas dos
homens, mas para salvá-las." (Lc 9:54-56).
Você já tentou
encontrar algum cristão armado se defendendo a partir de Atos dos Apóstolos,
quando foi formada a Igreja? Não encontrará nenhum exemplo de cristãos se
defendendo diante da morte ou revidando com violência. Motivos para se
defenderem não faltava, pois eram duramente perseguidos, presos, entregues à
morte e suas esposas e filhas transformadas em escravas sexuais de prostíbulos.
O que encontramos nas
epístolas dos apóstolos são exortações para que tenhamos o mesmo sentimento que
tinha o Senhor quando andou aqui. "De sorte que haja em vós o mesmo
sentimento que houve também em Cristo Jesus" (Fp 2:5). E esse sentimento
nunca foi de destruir vidas, mas de salvá-las. Cristo nos deixou exemplo para
seguirmos os seus passos. "Quando o injuriavam, não injuriava, e quando
padecia não ameaçava, mas entregava-se àquele que julga justamente" (1 Pe
2:23).
O apóstolo Paulo, que
sofreu toda sorte de violência, nos exorta inspirado pelo Espírito Santo:
"Vede que ninguém dê a outrem mal por mal, mas segui sempre o bem, tanto
uns para com os outros, como para com todos." (1 Ts 5:15). "A ninguém
torneis mal por mal; procurai as coisas honestas, perante todos os homens. Se
for possível, quanto estiver em vós, tende paz com todos os homens. Não vos
vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira, porque está escrito: Minha
é a vingança; eu recompensarei, diz o Senhor. Portanto, se o teu inimigo tiver
fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto,
amontoarás brasas de fogo sobre a sua cabeça. Não te deixes vencer do mal, mas
vence o mal com o bem." (Rm 12:17-21)
Temos ainda outras
passagens da Palavra de Deus que podem nos ajudar neste sentido:
"Ouvistes que
foi dito: Olho por olho, e dente por dente. Eu, porém, vos digo que não
resistais ao mal; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também
a outra; e, ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe
também a capa" (Mt 5:38-40)
"Então Jesus
disse-lhe: Embainha a tua espada; porque todos os que lançarem mão da espada, à
espada morrerão." (Mt 26:52)
"Respondeu
Jesus: O meu reino não é deste mundo; se o meu reino fosse deste mundo,
pelejariam os meus servos, para que eu não fosse entregue aos judeus; mas agora
o meu reino não é daqui." (Jo 18:36)
É preciso entender a
posição celestial do cristão para entender como ele deve agir diante do mal e
dos homens maus deste mundo. "Porque não temos que lutar contra a carne e
o sangue, mas, sim, contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes
das trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares
celestiais." (Ef 6:12); "Porque, andando na carne, não militamos
segundo a carne. Porque as armas da nossa milícia não são carnais, mas sim
poderosas em Deus para destruição das fortalezas." (2 Co 10:3-4)
A questão se o
cristão pode ou não andar armado tem um outro aspecto. Basta perguntar: O que
eu faria nesta situação se estivesse armado? Certamente eu me sentiria mais
seguro e confiante por estar em condição de superioridade diante da algum
agressor. Mas será que Deus deseja que o cristão coloque sua confiança em uma
arma? É interessante pensar na razão que pode ter levado Deus a proibir que os
reis de Israel criassem cavalos para utilizar nas batalhas.
Dt 17:14-17
"Quando entrares na terra que te dá o Senhor teu Deus, e a possuíres, e
nela habitares, e disseres: Porei sobre mim um rei, assim como têm todas as
nações que estão em redor de mim... porém ele não multiplicará para si cavalos,
nem fará voltar o povo ao Egito para multiplicar cavalos... Tampouco para si
multiplicará mulheres, para que o seu coração não se desvie; nem prata nem ouro
multiplicará muito para si."
Eles podiam ter
jumentos, burros e mulas, mas não cavalos e carros como faziam as outras nações
da época. Na sua rebeldia eles acabaram desobedecendo esse mandamento e
encontramos muitos reis de Israel com cavalos e carros como parte do armamento
de seus exércitos. Salomão fez as duas coisas e encontramos que, além de
multiplicar para si mulheres que lhe fizeram perder a comunhão com o Senhor,
"teve também Salomão quatro mil estrebarias para os cavalos de seus
carros, e doze mil cavaleiros; e colocou-os nas cidades dos carros, e junto ao
rei em Jerusalém." (2 Cr 9:25). Mas qual seria a razão da proibição? Acredito
que Deus queria que eles saíssem à batalha em condição de inferioridade para
não confiarem em seus carros e em seus cavalos, mas no Senhor.
Evidentemente isto
nada tem a ver com aqueles que ocupam posição de autoridade e por força da
profissão precisam andar armados, como policiais, juízes, soldados etc. Deus
instituiu a autoridade e deu a ela o "porte de arma" como instrumento
para exercer sua função. Isso nós vemos claramente em Romanos 13, mas nada tem
a ver com o cristão em sua condição civil andar armado.
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Após publicar esta
resposta li um artigo interessante de John Piper em inglês sobre o assunto, o
qual pode ser encontrado neste link:
http://www.desiringgod.org/articles/should-christians-be-encouraged-to-arm-themselves
Vou traduzir aqui
alguns pontos que resumem o que o autor diz:
1. O apóstolo Paulo
aconselhou os cristãos a não se vingarem, mas deixarem isso para a ira de Deus,
pagando o mal com o bem. E depois disse que Deus colocou a espada (arma) nas
mãos das autoridades governamentais para executarem essa ira na garantia da
justiça neste mundo. Romanos 12:17-21; 13:1-4
2. O apóstolo Pedro
nos ensina que os cristãos com frequência iriam se encontrar em sociedades onde
poderiam esperar e aceitar um tratamento injusto sem retaliação. 1 Pedro 2:19,
20; 3:9, 14, 17; 4:13, 14, 16, 19
3. Jesus prometeu que
os seus encontrariam hostilidade e violência, mas a tônica de seu conselho
estava em como lidar com isso com sofrimento e testemunho, não com defesa
armada. Lucas 21:12-19; Mateus 10:28; 16-22
4. Jesus preparou o
cenário para uma vida de peregrinação neste mundo onde damos testemunho de que
este mundo não é o nosso lar, e não o nosso reino, renunciando ao desejo de
estabelecer ou avançar a causa cristã pela espada. João 18:36; Mateus 26:52;
Filipenses 3:20; 1 Pedro 2:13; 3:15
5. Jesus assinala que
a principal (mas não única) forma de os cristãos mosrarem o supremo valor de
nosso tesouro no céu é por estarmos tão livres do amor a este mundo e tão
satisfeitos com a esperança de glória que estamos capacitados a amar nossos
inimigos e não pagar o mal com o mal, mesmo quando formos injustiçados neste
mundo. Mateus 5:38-39, 44-45; 5:11-12; Salmo 63:3; Filipenses 3:7-8
6. A igreja
primitiva, como a encontramos em Atos, esperava e suportava a peseguição sem
resistência armada, mas sim regozijando no sofrimento, na oração e na Palavra
de Deus. At 4:27-31; 5:40-41; 8:1-3; 9:1-2; 12:1-5; 16:37; 22:25
7. Quando Jesus disse
aos apóstolos que comprassem uma espada ele não estava dizendo que a utilizassem
para se livrarem da própria perseguição que ele prometeu que deveriam suportar
até à morte. Se não encontramos depois nenhum discípulo (exceto Pedro, que foi
repreendido) se defendendo com armas o mais provável é que Jesus não estava
falando literalmente que eles fossem cristãos armados no desenvolvimento de sua
missão no mundo. Lucas 22:35-38
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