Existe mesmo
o demônio devorador?
Postado por
Leonardo Damaso - no dia 21.1.14
O devorador, segundo os pastores neopentecostais e pentecostais afirmam,
e também muitos cristãos influenciados e ensinados por estes pastores, é um
tipo de "demônio" que devora as finanças e causa os mais variados
tipos de prejuízos em diversas áreas da vida do cristão que não dizima ou é
infiel nos dízimos e ofertas. Este tipo de demônio, dizem eles, nem a oração
têm o poder de repreendê-lo, porém, somente o dízimo pode neutralizar o seu
poder contra os cristãos. Os que creem no “demônio devorador” utilizam como
base para a existência destes um texto muito conhecido de todos, a saber,
Malaquias 3.10-12 em paralelo com Joel 2.25-27. Senão vejamos:
Malaquias 3.10-12 – "Trazei todos os dízimos ao tesouro do
templo, para que haja mantimento “na minha casa” [“no templo” ênfase minha], e
provai-me nisto, diz o Senhor dos exércitos, e vede se não vos abrirei as
janelas do céu e não derramarei sobre vós tantas bênçãos, que não conseguireis
guardá-las. Por vossa causa também repreenderei “a praga devoradora” [ou o
devorador ARA], e ela [ou o devorador ARA] não destruirá os frutos da vossa
terra, nem as vossas videiras no campo perderão o seu fruto, diz o Senhor dos
exércitos. E todas as nações vos chamarão bem aventuradas; pois a vossa terra
será aprazível, diz o Senhor dos exércitos." (Almeida Século
21)
Joel 2.25-27 – "Assim vos restituirei os anos consumidos
pelo “gafanhoto” migrador, pelo assolador, pelo destruidor e pelo cortador, meu
grande exército que enviei contra vós. Comereis à vontade e vos fartareis, e
louvareis o nome do Senhor vosso Deus, que agiu em favor de vós de maneira
maravilhosa; e o meu povo nunca será envergonhado. Vós sabereis que eu estou no
meio de Israel e que eu sou o Senhor vosso Deus, e não há outro; e o meu povo
nunca mais será envergonhado." (Almeida Século 21)
Antes, porém, de analisarmos exegeticamente estes dois textos em pauta e
chegarmos celeremente à conclusão, é essencial e de suma importância para
obtermos uma logre compreensão do tema entendermos, ainda que em um breve
resumo, o contexto do livro de Malaquias e Joel.
O profeta Malaquias surgiu no cenário de Israel num tempo em que
imperava a tepidez espiritual. Israel estava desmotivado e em profundo
desânimo. E por que? Acerca disso, Augustus Nicodemus Lopes, escreve:
"Fazia
cerca de 100 anos que os judeus tinham regressado do cativeiro. Deus havia
mandado o povo de Israel para o exílio, por volta de 600 ou 500 a.C, em razão
reiterada idolatria e falta de arrependimento. (...) Parte do povo foi para o
Egito, outra se dispersou e muitos outros morreram. Durante 70 anos, o povo
permaneceu cativo na Babilônia.
Tempos
depois Deus trouxe de volta [o povo] à terra prometida. Esse período está
registrado nos livros de Esdras e Neemias, dois homens levantados por Deus para
liderar o retorno da nação à terra prometida. Porém, nem todos regressaram;
parte do povo ficou na Babilônia; outra permaneceu no Egito. Mas um grande
contingente voltou para a terra de Israel...
Quando
regressaram, os judeus pensavam ter chegado o tempo do cumprimento das grandes
promessas que os profetas de Israel haviam feito. Isaías, Ezequiel e Jeremias
profetizaram um tempo maravilhoso para o povo de Deus após a restauração, e o
povo acreditava que aquele seria o tempo em que essas promessas se cumpririam.
Só que cem
anos se passaram desde a volta do cativeiro, e as coisas não estavam
acontecendo conforme a expectativa. Promessas tinha sido feitas, mas a
realidade não estava de acordo com elas. (...) Por meio dos profetas o Senhor
prometera uma grande restauração de seu povo na terra, mas somente parte dele
retornou da Babilônia. Os profetas haviam mencionado um período de paz, mas
eles ainda estavam cercados por inimigos".[1]
Sendo assim, a dedicação e o amor para com Deus havia se esvaído do
coração do povo (1.1-5). Os sacerdotes estavam corrompidos (1.6 – 2.9). O povo
havia se casado com mulheres estrangeiras que cultuavam deuses pagãos (2.10-15;
Ed 9 – 10; Ne 13.23-27). Estavam cometendo injustiças sociais (3.5; Ne 5.1-13).
E, finalmente, vemos a infidelidade do povo para com Deus retendo os dízimos e
as ofertas (3.6-12; Ne 13.10-14). Augustus Nicodemus Lopes ainda diz que os
cultos a Deus viraram mero formalismo, rituais mecânicos e sem vida. O coração
do povo não estava mais neles. Cada um dava prioridade a seus assuntos
pessoais, em vez de se dedicar a terminar a reconstrução do templo e prestar
culto a Deus.[2]
Não obstante, Joel, por sua vez, um dos mais antigos profetas do Antigo
Testamento, aparece em meio a um período de seca prolongada em Judá durante o
reinado do rei Joás, provavelmente por volta do ano 835-796 a.C,. Todavia, uma
grande invasão de gafanhotos destruiu quase toda a plantação que havia na Terra
Prometida, afetando toda a terra, resultando, assim, numa grave crise econômica
(1.7-20), o que afetou o Reino do Sul deixando-o muito enfraquecido
economicamente. Entretanto, esse desastre natural enviado por Deus e executado
pelos gafanhotos, serviu para Joel de ilustração a despeito do cerne de sua
mensagem, ou seja, o castigo de Deus em virtude dos pecados dos sacerdotes e do
povo (2.1-17). Contudo, é bem possível que, assim como o povo de Israel na
época de Malaquias, a causa do castigo de Deus ao povo de Judá foi também
devido à tepidez espiritual. O profeta Joel convoca este povo que havia deixado
de amar a Deus acima de tudo para um sincero arrependimento descrito em
(2.13).
Portanto, entendido um pouco do contexto da mensagem de Malaquias e
Joel, resta-nos saber, então, o que é o devorador, se é uma espécie de
“demônio” que atua causando prejuízos na vida daquele que não dizima e se
existe mesmo este “demônio”. O “devorador” (ARA, ARC), ou a “praga devoradora”
(Almeida Século 21), ou ainda as “pragas” (NVI), é simplesmente a descrição de
um inseto chamado gafanhoto! Existem alguns tipos de gafanhotos nos quais o profeta
Joel descreve. Senão vejamos:
1) O Cortador (gazam) é um tipo de gafanhoto que
se instala ou habita na plantação. Ele destrói uma parte dos frutos apenas.
Sendo assim, o agricultor na época da colheita sofre certo prejuízo financeiro
perdendo uma parte dela que fica imprópria para o consumo alimentar.
2) O Migrador (arbeh), diferente do cortador que
habita nas plantações, é um tipo de gafanhoto que voa em bando por diferentes
lugares e que aparece de repente na plantação destruindo mais a colheita
aumentando mais o prejuízo do agricultor.
3) O Devorador ou Infestante (jelek),
por sua vez, é o tipo mais devastador de gafanhoto que, assim como o migrador,
voa também em bando que chega a cobrir o céu dando o aspecto de tempo fechado.
Esta nuvem, contudo, é composta de muitos gafanhotos que, quando pousa sobre
uma plantação, infesta e a destrói quase que por completo em cerca de meia
hora, apenas, levando o agricultor a ter mais prejuízos, pois não se dá para
aproveitar muita da colheita.
4) O Destruidor (chasel), por fim, é o tipo de
gafanhoto que possui o maior poder de destruição. Quando uma plantação sofre o
ataque destes insetos, ela é completamente destruída levando o agricultor
praticamente ou quase à falência.
O ataque de gafanhotos literais que Judá sofreu na
época do profeta Joel foi o castigo de Deus! Conforme vimos anteriormente, esta
nação havia pecado gravemente contra o Senhor, e o castigo que resultou numa
assoladora crise econômica de toda a nação era o meio de Deus levar o povo ao
arrependimento de seus pecados e a se voltar para ele. Este mesmo entendimento
se aplica também no caso de Malaquias, onde o povo de Israel que sobrevivia da
agricultura, pois era a profissão de praticamente todos eles, também sofreu
financeiramente com a praga de gafanhotos devoradores. Portanto, a ideia de que
existe um demônio chamado devorador é uma falácia criada no
laboratório das heresias! Infelizmente, um pregador do quilate de Hernandes
Dias Lopes disse no seu comentário bíblico expositivo de Malaquias, numa
aplicação equivocada, que o devorador não é um demônio conforme alegam os
neopentencostais e pentecostais, mas afirmou, cometendo, assim, um erro de
aplicação que o devorador pode ser tudo aquilo que subtrai os nossos bens, que
conspira contra o nosso orçamento e que mina as nossas finanças.[3]
Embora não vemos nenhuma menção que o devorador seja um demônio nos
evangelhos por Jesus e nas cartas por Paulo, Pedro, João, Tiago, Judas e
Hebreus, todavia, o pastor ou pregador equivocado que ensina sobre o devorador,
além de ser ganancioso e um tipo de estelionatário religioso, também engana o
povo de Deus ensinando eles a contribuírem financeiramente na igreja por medo
do devorador e por ganância (o que é pecado) de receber de Deus bênçãos
financeiras duplicadas ou outras bênçãos quaisquer (1Tm 6.6-11; Mt 6.19-21). O
devorador não é um demônio que causa prejuízos financeiros na vida daquele que
é infiel nos dízimos e nas ofertas, mas, simplesmente, um inseto [gafanhotos]
de acordo com as Escrituras que Deus utilizou para executar o seu juízo
disciplinador sobre o seu povo que estava vivendo em pecado. Deus,
indubitavelmente, utiliza meios para nos disciplinar e nos levar ao
arrependimento ainda hoje quando não estamos vivendo a vida que ele requer de
nós, quer seja uma doença, uma crise financeira ou no casamento, a morte de um
ente querido dentre outras coisas. A disciplina é simplesmente o cuidado e o
amor de Deus para com os seus filhos (veja Hb 12.4-14). Portanto, não existe o
devorador, mas, sim, o falso pastor enganador que é o próprio devorador financeiro
dos incautos!
Mateus 7.15 - "Cuidado com os falsos profetas, que vêm a
vós disfarçados em pele de ovelha, mas interiormente são lobos
DEVORADORES!" (Almeida Século 21)
_____________________
Notas:
[1] Augustus Nicodemus Lopes. O Culto Espiritual, pág 11-12.
[2] Ibid, pág 13-14.
[3] Hernandes Dias Lopes. Malaquias, pág 103.
Divulgação: Bereianos
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