CRISTO REVELADO NO
LIVRO DE JÓ
Não há referência
direta a Cristo em Jó; no entanto, Jó pode ser visto como um tipo de Cristo. Jó
passou por um grande sofrimento e foi humilhado e privado de tudo o que tinha,
mas no final foi restaurado e intercedeu pelos seus amigos. Cristo esvaziou-se
a si mesmo, assumindo a forma humana. Sofreu, foi perseguido por homens e
demônios, parecia abandonado por Deus, e tornou-se um intercessor. A maior
diferença abandonado por Deus e Jó é que Cristo decidiu esvaziar-se a si mesmo,
enquanto que a humilhação de Jó trouxe circunstâncias que estavam além do seu
controle.
O Livro de Tiago dirige a atenção do leitor
para a paciência e a resignação de Jó. Tiago declara que assim como a intenção
de Deus com Jó era boa, assim também a intenção de nosso Senhor com cada um de
nós é boa (5.11).
O Evangelho Segundo
Jó – Justificação pela Fé
“Porque eu sei que o
meu Redentor vive, e que por fim se levantará sobre a terra. E depois de
consumida a minha pele, contudo ainda em minha carne verei a Deus, vê-lo-ei,
por mim mesmo, e os meus olhos, e não outros o contemplarão; e por isso os meus
rins se consomem no meu interior”. Jó 19.25-27.
Os amigos narram as
desgraças de Jó como sendo o efeito de leis morais que controlam os movimentos
dos homens em derredor do Deus central assim como a gravidade governa os
movimentos dos planetas em derredor do sol[1].
No pensamento deles a
justiça de Deus consiste em manter estas leis, tanto naturais quanto morais. A
opinião comum entre os filósofos, cujo deus é um mero fator numa fórmula
racional.
A perspectiva de Jó é
completamente diferente. Ele não vê Deus lidando consigo através de leis. Está
vividamente consciente da sua integridade diante de Deus, e cita-O claramente
como sendo o único agente de tudo quanto “acontece” [2]. A moralidade não é
ponto de conexão, ou seja, seu sofrimento não resultava de iniquidade, como
seus amigos o acusavam.
Jó não pode entender
por que Deus agora estava agindo de um modo tão desarmônico com aquilo que
sempre acreditara, acerca de Deus, na sua experiência com o Criador. De alguma
maneira, deveria recuperar sua amizade com Deus através de modos que superassem
a fórmula teológica de seus amigos.
Perplexo ante ao seu
sofrimento e sem explicações para responder as razões pelas quais Deus
“permitira” todo seu infortúnio, confiantemente, refere-se a Deus numa
expressão profética de fé nAquele que defende a nossa causa: “Porque eu sei que
o meu Redentor vive...”.
Assim, Jó precede ao
apóstolo Paulo na confiança de que a justiça de Deus se revela no Evangelho, de
fé em fé[3].
Nesta lição veremos
princípios da justificação pela fé em Jó.
1. O Triunfo da Fé.
“Porque eu sei que o
meu Redentor vive, e que por fim se levantará sobre a terra”. Jó 19.25
Jó atenta para a
justiça de Deus, a fim de encontrar reacendida a esperança que o presente lhe
nega. A sua consciência de separação do homem, pois todos o haviam rejeitado, é
infinitamente menos séria que a sua consciência de separação de Deus.
Então, subitamente
surge a confiança maravilhosa em “Alguém” que defenderá a sua causa, que o
levantará das sombras do Seol[4] existencial nas quais penetrou em opróbrio,
para lhe fazer ouvir “creu Jó em Deus e isso lhe foi imputado para justiça”.
a. Meu Redentor Vive.
O termo Redentor é
suscetível de outra tradução, sua origem vem do hebraico go’el, e pode
significar "justificador", parente e vingador. Podemos definir go’el
como o parente mais próximo a quem a lei civil impunha o dever de redimir a
propriedade ou a pessoa do seu ente e a quem a lei judicial obrigava a vingar o
sangue desse quando fosse injustamente derramado. Portanto, aqui encontramos a
ideia de uma justificação vindoura, que é pela fé, nAquele que nos justifica.
Seria ideal que todo
cristão lesse os versículos 25-27 encontrando na passagem um eco dAquele que
vive sempre "para interceder por eles[5]", dAquele que "trouxe à
luz a vida e a incorrupção pelo Evangelho[6]". Sem dúvida, para Jó eram
desconhecidas as joias mais preciosas que as suas palavras concluem. Ele
proferiu-as sem consciência do seu inteiro significado, no entanto, ainda
assim, olhando para o autor e consumador da sua fé, o Redentor-Justificador.
2. O Evangelho da
Justificação.
“E depois de
consumida a minha pele, contudo ainda em minha carne verei a Deus, vê-lo-ei,
por mim mesmo, e os meus olhos, e não outros o contemplarão; e por isso os meus
rins se consomem no meu interior”. Jó 19.26-27
Existe uma ênfase
tremenda sobre “ver a Deus;” o assunto é enfatizado três vezes nos vv. 26-27.
Até agora, Jó tem mostrado uma necessidade de ouvir Deus falar. Ele quer ver a
Deus. As referências à pele, a carne, e aos olhos tomam claro que Jó espera ter
esta experiência como homem. O Antigo Testamento revela várias circunstâncias
notáveis em que pessoas tais como Abraão, Moisés e Isaías “viram” a Deus, e Jó,
sem dúvida, têm algo semelhante em mente.
Os vv. 25-27
claramente ressaltam as conotações jurídicas: o “Redentor-Justificador” que “se
levantará” para pleitear em favor de Jó como a “testemunha” e o “advogado de
defesa” não é nenhum outro senão o próprio Deus.
Mas, ao contrário do
que geralmente se afirma, Jó não está transferindo suas esperanças para o além
e nem tão pouco nos falando de “ressurreição do corpo” (pelo menos essa não é a
ênfase aqui); ele afirma que neste corpo e com seus olhos ainda veria ao Deus
Vivo e que Ele ainda se levantaria e se tornaria o Redentor de sua vida.
De modo semelhante,
os crentes encontram verdadeiro conforto na justiça de Deus revelada no
Evangelho. Assim escreve o apóstolo Paulo aos Romanos 1.16-17:
“Porque não me
envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus para salvação de todo
aquele que crê; primeiro do judeu, e também do grego. Porque nele se descobre a
justiça de Deus de fé em fé, como está escrito: Mas o justo viverá da fé”.
a. Não pelas obras
para que ninguém se glorie.
“Porque pela graça
sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das
obras, para que ninguém se glorie; porque somos feitura sua, criados em Cristo
Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas”. Ef
2.8-10
O deus dos amigos de
Jó é um insensível aplicador de leis. Ele não tem comunhão com o ser humano,
nem se importa com ele. Apenas observa, como testemunha distante, se estão
certos ou errados. Porém Jó afirma que Deus se importa com o homem e dele se
aproxima para ouvi-lo e salvá-lo. Deus criou o homem e o ama graciosamente[7].
O evangelho dos
amigos de Jó é o evangelho da salvação pelas obras. Se alguém faz o que é
certo, alcança justiça pelas obras. No entanto, Jó crê em um Deus que ama o
pecador e vem em seu socorro para salvá-lo. Mesmo diante da nossa miséria
espiritual e da insuficiência de nossas obras é possível confiar em nossa
salvação, tendo em vista que ela é baseada na graça de Deus. Em Tito 3.5-7, se
diz:
“Não pelas obras de
justiça que houvéssemos feito, mas segundo a sua misericórdia, nos salvou pela
lavagem da regeneração e da renovação do Espírito Santo, que abundantemente ele
derramou sobre nós por Jesus Cristo nosso Salvador; para que, sendo
justificados pela sua graça, sejamos feitos herdeiros segundo a esperança da
vida eterna”.
b. A Justiça de Deus.
Os discursos dos
amigos de Jó corrompiam algo de que ele não podia negociar: os princípios do
Evangelho. Somente o genuíno evangelho pode dar resposta ao problema de como um
Deus justo e misericordioso pode impor sofrimento a um homem íntegro.
A justiça de Deus nos
é revelada no Evangelho, como escreve o apóstolo Paulo em Romanos 1.17. Ele
havia experimentado o poder do evangelho que o transformou de perseguidor da
igreja em ministro de Jesus Cristo, fazendo dele o modelo de todos os quais
creem no evangelho[8]. Diante de Cristo o apóstolo dos gentios rejeitou todo
seu histórico religioso e justiça própria para ser encontrado em Cristo e ter a
justiça de Deus através da fé. Em Filipenses 3.9 está escrito: “E seja achado
nele, não tendo a minha justiça que vem da lei, mas a que vem pela fé em
Cristo, a saber, a justiça que vem de Deus pela fé”.
3. A Justificação
pela Fé.
“Mas agora se
manifestou sem a lei a justiça de Deus, tendo o testemunho da lei e dos
profetas; isto é, a justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo para todos e sobre
todos os que creem; porque não há diferença”. Rm 3.21-22.
Esta verdade, a
Justificação pela Fé, foi estabelecida em todas as eras e, portanto, nós a
encontramos no pensamento de Jó. Isto também prova que não houve mudanças no Evangelho.
O evangelho encontrado em Jó é o evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo. Uma
luz muito clara foi lançada sobre esta Verdade de Deus pelo dom do Espirito
Santo, mas o caminho da salvação tem sido, em todos os tempos, o mesmo! Nenhum
homem jamais foi salvo pelas suas boas obras.
a. O Evangelho não
muda.
O modo pelo qual cada
justo tem vivido sempre foi pelo caminho da fé. Não houve o menor desvio desta
Verdade – foi estabelecido e instituído – sempre o mesmo, como Deus o
pronunciou.
Em todos os tempos e
em todos os lugares, o evangelho é e continuará sendo o mesmo. “Jesus Cristo, o
mesmo ontem, hoje e eternamente”. Nós lemos “o evangelho” a partir de um, nunca
dois ou três evangelhos, como muitos. Céus e terra passarão, mas a Palavra de
Cristo nunca passará.
Também é digno de
nota que esta verdade de Deus precede a Jó[9] e ainda assim continua tão
imutável, e com tanta vitalidade.
b. Fé Contínua.
Toda a nossa
existência antes da fé em Cristo não era nada, a não ser uma forma de morte.
Quando confiamos em Jesus e o confessamos como Senhor e Salvador, entramos na
vida eterna e temos o nascimento vindo do alto. No entanto, o homem continua a
viver diante de Deus, apegado ao Cristo e vivendo em santidade.
Sua perseverança deve
ser o resultado de uma fé contínua. A fé salvífica não é um único ato feito e
acabado em um determinado dia, é um ato contínuo e persevera durante toda a
vida do homem! O justo não só começa a viver sua fé, mas ele continua a viver
por sua fé! Ele não começa no Espírito e termina na carne, nem vai tão longe
pela graça e o resto do caminho pelas obras. "O justo viverá pela
fé", diz o texto de Hebreus, "mas se alguém recuar, a minha alma não
tem prazer nele. Mas nós não somos daqueles que recuam para a perdição, mas
daqueles que creem para a conservação da alma”. Hb 10.38-39
Portanto, a fé é
essencial ao longo da vida cristã todo e cada dia, em todas as coisas. Nossa
vida natural começa pela respiração e deve ser continuada pela respiração. O
que a respiração é para o corpo, a fé é para a alma. Perseveremos na fé, pois
sem fé é impossível agradar a Deus[10].
Conclusão
É esta experiência
transformadora da justificação que Jó defende diante de seus acusadores. Sua
confiança não era em seus atos de justiça. Em todo tempo confiava que Deus o
declarará justo. Essa convicção vem da justiça que é pela fé.
Caso Jó desistisse de
sua integridade, estaria desistindo de sua consciência. Concordar com seus
amigos seria afirmar que a comunhão a qual cultivara com Deus fora uma farsa, e
que ao invés de ser um servo fiel, Jó era um rebelde dissimulado. Seria,
portanto, contradizer a própria avaliação divina acerca de Jó, algo que Satanás
não conseguiu, mas continuava insistindo.
Mesmo sendo um homem
temente a Deus e íntegro, Jó não confiava nisso para a sua salvação, pois ele
sabia que a salvação é pela fé no Deus poderoso, justo e misericordioso, o qual
em seu trono de glória justifica o frágil e miserável pecador. É por isso que
Jó não pode retroceder. Nenhum discurso o faria desistir de sua fé, assim ele
quer esculpir sua confiança em uma rocha[11] “eu sei que o meu Redentor vive”.
Nossa redenção e
justificação estão baseadas na graça de Deus, por meio da fé, manifesta em
Cristo Jesus. Aleluia!
Vagner Rodrigues |
Pastor e professor de teologia.
Referências
Bibliográficas
Turner, Donald. D. Introdução ao Antigo
Testamento. Ed. Imprensa Batista Regular.
· Carson, D.A.
Comentário Bíblico Vida Nova. Ed. Vida Nova.
· Bentzen, Aage.
Introdução ao Antigo Testamento. Ed. Aste.
· Pfeiffer. Charles.
F. Comentário Bíblico Moody. Ed. Imprensa Batista Regular.
· Anderson, Francis
I. Jó – Introdução e Comentário. Série Cultura Cristã. Ed. Vida Nova.
· Jackson, D.R.
Clamor por Justiça. O Evangelho Segundo Jó. Ed. Cultura Cristã. SP.
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__________________________________
[1] Jó 18.14-21.
[2] Jó 19.6, 21-22.
[3] Rm 1.17 “Porque
nele se descobre a justiça de Deus de fé em fé, como está escrito: Mas o justo
viverá da fé”.
[4] Geralmente é uma
referência a sepultura no A.T.
[5]Hb 7.25 “Portanto,
pode também salvar perfeitamente os que por ele se chegam a Deus, vivendo
sempre para interceder por eles”.
[6] 2 Tm 1.10 “E que
é manifesta agora pela aparição de nosso Salvador Jesus Cristo, o qual aboliu a
morte, e trouxe à luz a vida e a incorrupção pelo evangelho”.
[7] Jó 10.8-15.
[8] 1 Tm 1.12-16 “E
dou graças ao que me tem confortado, a Cristo Jesus SENHOR nosso, porque me
teve por fiel, pondo-me no ministério; a mim, que dantes fui blasfemo, e
perseguidor, e injurioso; mas alcancei misericórdia, porque o fiz
ignorantemente, na incredulidade. E a graça de nosso Senhor superabundou com a
fé e amor que há em Jesus Cristo. Esta é uma palavra fiel, e digna de toda a
aceitação, que Cristo Jesus veio ao mundo, para salvar os pecadores, dos quais
eu sou o principal. Mas por isso alcancei misericórdia, para que em mim, que
sou o principal, Jesus Cristo mostrasse toda a sua longanimidade, para exemplo
dos que haviam de crer nele para a vida eterna”.
[9] Gn 3.15 “E porei
inimizade entre ti e a mulher, e entre a tua semente e a sua semente; esta te
ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar”.
[10] Hb 11.6 “Ora,
sem fé é impossível agradar-lhe; porque é necessário que aquele que se aproxima
de Deus creia que ele existe, e que é galardoador dos que o buscam”.
[11] Jó 19.24-25.
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